Qual é o impacto ambiental
das viagens aéreas?
14.01.2018
Arthur Sullivan (rk)
Arthur Sullivan (rk)
Embora
viajar de avião esteja mais popular do que nunca, a maior parte da população
mundial nunca pisou numa aeronave. Mas a tendência está mudando, e quem sofre é
o meio ambiente. Voar menos será a única solução?
Avião
cria esteira de condensação que pode conter fuligem e agentes de poluição
Em termos
globais, as viagens de avião são menos populares do que se acredita: em 2017
apenas 3% da população mundial andou de avião, e não mais do que 18% já voou
alguma vez na vida. Mas o quadro está mudando.
A
Organização Internacional de Aviação Civil (Icao, na sigla em inglês), com sede
no Canadá, estima em 3,7 bilhões o total de viajantes aéreos em 2016, e a
cada ano, desde 2009, se estabelece um novo recorde.
Até 2035,
a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) prevê um aumento para
7,2 bilhões de viajantes em aeronaves. Como os próprios aviões, os números só
continuam subindo. E, diante do estrago que voar causa ao planeta, essas
projeções dão o que pensar.
Muito
além do dióxido de carbono
Muitos
cálculos colocam a contribuição da aviação para as emissões globais
de dióxido de carbono em apenas 2%, um número que a própria indústria costuma
aceitar. Para Stefan Gössling, contudo, professor nas universidades suecas
de Lund e Linnaeus e coeditor do livro Climate change and aviation: Issues,
challenges and solutions ("Mudanças climáticas e aviação: Questões,
desafios e soluções", em tradução livre), "essa é apenas metade da
verdade".
Outras
emissões da aviação têm efeitos adicionais sobre o aquecimento global: óxido de
nitrogênio, vapor dꞌágua, material particulado, trilhas de condensação e
alterações das nuvens do tipo cirro também contribuem para esquentar o clima.
"A
contribuição do setor para o aquecimento global é pelo menos duas vezes maior
que o efeito isolado do CO2", explicou Gössling à DW. Ele estima a impacto
total dos voos de avião sobre a mudança climática em "no mínimo" 5%.
Contudo,
mesmo aceitando-se uma participação de 2% nas emissões globais, causada por
apenas 3% da população que voou em 2017, um grupo relativamente pequeno seria
responsável por uma parcela desproporcionalmente grande das emissões de gases
poluentes.
Há alguns
anos, o grupo ambiental Germanwatch calculou que uma única pessoa voando entre
a Alemanha e o Caribe, ida e volta, produz cerca de quatro toneladas métricas
de CO2 – o mesmo volume de emissões danosas que 80 residentes médios da
Tanzânia num ano inteiro.
"Num
nível individual, não existe outra atividade humana que emita tanto em tão
pouco tempo quanto a aviação, pois ela consome grande quantidade de
energia", explica Gössling.
A
calculadora de pegada ambiental da rede WWF é bastante elucidativa: até mesmo
um ambientalista convicto, vegano, que aquece a casa com energia solar e vai
para o trabalho de bicicleta, deixa de ser especialmente ecológico se continua
a ocasionalmente viajar de avião. Pois bastam dois voos curtos e um longo por
ano para transformar um ambientalista em vilão do clima.
Novas
tecnologias não resolvem tudo
À medida
que cresce a consciência de que é preciso reduzir a pegada ecológica tanto individual
quanto coletiva, para evitar que a catástrofe climática, também aumenta a
pressão sobre vários setores da economia para encontrar soluções ambientalmente
limpas.
A aviação
fez suas próprias promessas: em outubro de 2016, num acordo da ONU, 191 países
se comprometeram a reduzir as emissões de CO2 da aviação global, em duas
etapas: no ano 2035, até os níveis de 2020; e em 2050 até os de 2005.
Segundo
Goater a aviação persegue quatro abordagens para alcançar essas metas:
compensação de emissões de CO2 no curto prazo; desenvolvimento continuado de
aviões mais eficientes; maiores investimentos em combustíveis sustentáveis,
como os biocombustíveis; e melhor eficiência de rotas.
"Basicamente,
o tráfego aéreo é muito ineficiente", explica o porta-voz da Iata,
"cria queima desnecessária de combustíveis, e um uso mais eficaz reduziria
as emissões em 10%." Ele também destaca que um número – embora pequeno –
de voos comerciais atualmente é realizado com combustíveis sustentáveis todos
os dias, apesar de o primeiro voo do tipo ter sido realizado há menos de uma
década.
"Foi
algo que aconteceu muito mais rápido do que se esperava", resume Goater.
Para ele, a chave agora é o setor priorizar os investimentos na área e os
governos se comprometerem, assim como fizeram com a mobilidade elétrica, no
setor automotivo.
Entretanto
o pesquisador Gössling e muitos de seus colegas ainda não estão convencidos.
"Acho que, essencialmente, precisamos de altas de preços. Entrevistamos
líderes da indústria há alguns meses, e muitos deles concordaram secretamente –
foram entrevistas anônimas – que, se não houver uma alta expressiva no preço
dos combustíveis fósseis, não há como os combustíveis alternativos terem
sucesso."
Daniel
Mittler, diretor político da ONG ambiental Greenpeace, concorda que os
combustíveis fósseis precisam ser mais caros. "O primeiro passo é acabar
com todos os subsídios aos combustíveis fósseis, incluindo os destinados à
aviação, e taxar corretamente a indústria aérea."
Para
Goater, da Iata, a proposta é pouco realista. "O combustível já é responsável por uma porção
significativa dos custos das companhias aéreas. Acredite: se pudéssemos voar
sem petróleo, voaríamos."
Meio
ambiente também sofre com setores de montagem da aviação
Consumismo
é o vilão
Então,
qual é a solução? O professor Gössling, que dedicou mais de 20 anos de
pesquisas ao assunto, vê apenas uma: "Precisamos realmente voar tanto
quanto voamos, ou a quantidade dos nossos voos é induzida pela
indústria?". E argumenta que o setor aéreo, além de baixar artificialmente
os preços das passagens, também incentiva um certo estilo de vida.
"As
campanhas publicitárias de companhias aéreas projetam a imagem de que você pode
se tornar parte de um grupo de jovens, passageiros aéreos urbanos frequentes,
visitando uma cidade diferente no espaço de poucas semanas."
Já para
Goater, a ideia de ditar quem pode voar e quando é irreal e antiquada. "A
redução de emissões deve ser equilibrada com a oportunidade de voar – acho que
esse é um consenso estabelecido no mainstream há anos. Não cabe às
pessoas de uma parte do mundo assumir o papel de negar essas oportunidades a
gente em outros lugares."
Para
Mittler, do Greenpeace, tudo se resume a uma escolha individual, como em tantas
outras questões. Ele acredita que, ainda que ganhos de eficiência sejam vitais
para evitar o aquecimento global, o primeiro passo é reduzir a quantidade de
voos.
"Precisamos
caminhar em direção a uma forma mais coletiva e solidária de viver neste
planeta", reivindica, acrescentando que renunciar às compras de fim de
semana em Nova York pode ser uma das maneiras menos dolorosas de contribuir.
"Precisamos de uma prosperidade baseada em comunidade e numa real riqueza
de visão coletiva, em vez de baseada no consumo ininterrupto. A aviação é um
símbolo desse tipo de consumo que precisamos deixar para trás."
Fonte: DW
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