sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Achim Steiner: “Os ricos comprarão sua saída da crise provocada pelo aquecimento global”

Achim Steiner: “Os ricos comprarão sua saída da crise provocada pelo aquecimento global”

Diretor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento adverte que a mudança climática castiga aqueles que contribuem menos com ela, mas que nem os ricos poderão comprar um cenário diferente
Achim Steiner, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Achim Steiner, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

A trajetória de Achim Steiner no sistema das Nações Unidas esteve quase sempre ligada à preservação do planeta. Dirigiu o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente durante uma década (2006-2016) e também foi diretor-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza e secretário-geral da Comissão Mundial de Represas. E isso se nota em suas preocupações atuais como administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cargo que ocupa desde junho de 2017.
Desde janeiro, o PNUD não é mais encarregado de coordenar os trabalhos para o desenvolvimento do resto das agências, fundos e programas da ONU, função que vinha exercendo há um quarto de século. Perguntado sobre essa mudança em seu escritório em Nova York, Steiner se limita a mencionar apenas as razões que levaram o secretário-geral, Antonio Guterres, a transferir esse trabalho para o Escritório de Coordenação para o Desenvolvimento, no âmbito da reforma do sistema das Nações Unidas. Em resumo, para alcançar maior eficiência. “Alguns poderiam até dizer que assim será mais fácil nos concentrarmos no trabalho de desenvolvimento”, conclui sobre como essa medida afeta o PNUD.
No entanto, Steiner pilota uma das maiores agências da ONU, com presença em 170 países e enorme peso na promoção da Agenda 2030, o roteiro internacional para conseguir um mundo mais justo, pacífico e um planeta ainda habitável nessa data. Mas quatro anos depois de sua aprovação, quando tinha de decolar e começar a mostrar resultados, a ONU adverte que isso não aconteceu. Não se faz o suficiente nem se avança no ritmo exigido pelos desafios da humanidade contidos nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar a igualdade de gênero, garantir educação de qualidade para todos e saúde universal.

Pergunta. O relatório de acompanhamento dos ODS diz que, no ritmo atual de progresso, nenhum objetivo será alcançado em 2030. Qual é a sua análise?
Resposta. Acredito que estes objetivos são alcançáveis, ninguém deveria se sentar agora e dizer: “Oh, nós nunca o conseguiremos”. Em alguns países estarão muito melhor e isso deveria ser um estímulo para os demais. Em apenas 30 anos conseguimos reduzir a pobreza extrema de 36% para 8%, tendo em conta que a população quase duplicou nesse período. É um exemplo que, na realidade, as políticas e os programas funcionam.

P. O documento adverte que a mudança climática é uma ameaça para os ODS e que não está sendo feito o suficiente contra esse mal. Está de acordo?
R. Estamos longe de fazer o suficiente. Mas, sejamos claros, a Europa se comprometeu com uma redução de 40% nas emissões e estou muito confiante de que cumprirá. Da mesma forma, há 10 anos, o mundo sempre apontava para a China e a Índia como países que estavam retardando o progresso na ação climática global. Hoje é diferente. A China está trabalhando ativamente na diversificação de sua matriz energética para reduzir as emissões. Assim como estes, posso dar muitos exemplos. O problema é que construímos esse sistema durante 200 anos e agora estamos perdendo um tempo que não temos para fazer uma mudança em nossos sistemas energéticos, de transporte, agrícolas... Estamos nos dirigindo para uma situação de emergência, a janela está se fechando e não estamos agindo com rapidez suficiente, o que é diferente de dizer que nada está sendo feito.

P. Então, o que é preciso para salvar o planeta?
R. A verdade amarga é que aqueles que são suficientemente ricos comprarão sua saída. Comprarão terras mais altas; aqueles que forem suficientemente ricos se mudarão das nações insulares que desaparecerão devido à subida dos oceanos, poderão pagar o dobro de prêmios para garantir suas propriedades contra inundações e colocar mais aparelhos de ar-condicionado em suas casas. Alguns começam a usar a rota marítima do norte e comemoram o fato de que o gelo do Ártico esteja derretendo, o que facilita o transporte de combustíveis fósseis. É a ironia do início do século XXI: a mudança climática é um fenômeno muito cruel porque começou a castigar aqueles que menos contribuíram com ela. Mas em algum momento, mesmo com todo o dinheiro do mundo, você não vai comprar um futuro diferente.

P. O que o PNUD faz nesse sentido?
R. O PNUD se tornou um dos principais parceiros dos países em desenvolvimento para abordar a adaptação às mudanças climáticas. Isto se consegue com estratégias nacionais para introduzir energias renováveis, bem como sistemas de transporte mais eficientes em termos energéticos. Hoje, temos mais de 800 projetos nos 140 países que apoiamos e cerca de dois terços deles estão diretamente relacionados à mudança climática.

P. O outro problema que retarda o progresso do mundo é, segundo a ONU, a desigualdade. O que deve ser feito contra esse problema?
R. A desigualdade afeta todas as nossas sociedades, tanto nas chamadas nações desenvolvidas quanto naquelas em vias de desenvolvimento. As tensões políticas e a polarização surgiram de um aumento no nível de desigualdade. O problema é que seguimos um paradigma econômico que basicamente coloca o crescimento econômico acima de tudo. Dissemos a nós mesmos: “Veja, a destruição do meio ambiente e a crescente desigualdade social são na realidade o preço que você paga pelo desenvolvimento acelerado”. As pessoas não estão mais dispostas a aceitar isso.

P. A solução é uma mudança do sistema econômico?
R. O que enfrentamos agora é como abordamos o desenvolvimento sem, digamos, uma ruptura econômica. Porque os ricos que se saíram bem com este sistema econômico não querem mudá-lo nem debater sobre impostos, subsídios, sobre como o sistema de bem-estar social é sustentado ou quanto o Estado investe nas pessoas que de outra forma não conseguiriam se defender, seja nas meninas para ter acesso à educação, nas pessoas com deficiência ou nas comunidades rurais. Não se trata de fazer com que todos sejam iguais, o que é uma contrateoria ingênua; trata-se da equidade no acesso às oportunidades. As pessoas não aceitarão mais que, pelo fato de terem nascido em uma parte da cidade, não tenham o mesmo acesso à educação do que alguém do outro lado. Mas isso significa que todos acabarão com o mesmo diploma universitário? Obviamente que não.

P. O debate sobre impostos, acumulação de riqueza e paraísos fiscais pode ser evitado na luta contra a desigualdade?
R. Você pode culpar as pessoas ricas, mas acho que é, falando francamente, uma ideia limitada. A riqueza extrema é resultado de um marco regulatório que a permite, tolera e promove. Fiquei surpreso, há algumas semanas, que vários bilionários dos Estados Unidos disseram que estão dispostos a pagar mais impostos, porque a sociedade em que querem viver não é aquela em que sua riqueza possa crescer sem cessar. Você já sabe, as pessoas não estão seguras enquanto muitas outras vivem na miséria e cujos filhos estão em condições de extrema pobreza. As discussões que queremos apoiar são: qual é o nível correto de impostos? Como as receitas fiscais devem ser investidas? Qual deve ser a proporção de recursos para áreas urbanas e rurais? E entre educação e defesa? Estas são escolhas que as sociedades têm de fazer, mas o nosso papel, como Nações Unidas, não é dizer-lhes qual deve ser sua escolha.

P. Qual é o seu papel?
R. Mostrar aos países quais são suas opções. E, com a experiência de ver a engenhosidade dos seres humanos em todo o mundo, poder ensinar-lhes bons exemplos. Se quiserem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, indicar-lhes a forma como algumas sociedades o fizeram com sucesso, que não é simplesmente anunciar na manhã de segunda-feira que o preço da gasolina aumentará em 20%, o que deixará todo mundo irritado. Com a questão dos impostos, quem é a favor? Ninguém. Mas todo mundo gostaria de ter saúde, um sistema de seguridade social, estradas, polícia nas ruas... Então pagamos impostos e, em muitos países, não nos opomos a isto. Do que não gostamos é pagá-los e não ver o que deveríamos receber em troca.

P. Fala-se muito em acelerar as medidas para alcançar os ODS em 2030. Mas por que não se fala em parar de fazer o que não funciona, causa danos ou impede o progresso, como a venda de armas ou os paraísos fiscais?
R. Algo, claramente, não está funcionando muito bem. Em 2019, temos mais conflitos armados dentro e entre países do que tivemos nos últimos 30 anos. Atualmente, há 70 milhões de pessoas que foram obrigadas a deixar o lugar que chamam de lar. Estes números são muito sérios.

P. O que está falhando?
R. Se bem me lembro, as grandes potências gastam facilmente um trilhão de dólares em Defesa. Enquanto o financiamento total da Cooperação para o Desenvolvimento é de cerca de 150 bilhões de dólares. É uma proporção de nove para um. Essa razão de investimento já diz muito. Dirijo hoje o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É o maior da família das Nações Unidas. Funciona em 170 países. Mas sua capacidade de investir em desenvolvimento é uma fração do que um ministro da Defesa nacional pode fazer ao comprar o próximo lote de tanques ou aviões. Acredito que seria interessante que, no futuro, o conflito não seja a solução, mas que a cooperação seja o caminho a seguir. Haverá quem diga que isso é apenas um sonho. Mas não. Existem argumentos sobre o que funciona melhor, se os investimentos militares ou para o desenvolvimento. Existe certa ironia no fato de que entre as cinco potências do Conselho de Segurança, com direito a veto, quatro são as maiores exportadoras de armas do mundo. Não é uma boa estatística.

P. Os casos da China e da Índia são sempre mencionados como bons exemplos de desenvolvimento. Mas a África subsaariana, segundo os relatórios, não avança. O mundo está se esquecendo dessa região?
R. Não devemos subestimar o tamanho da África e o número de países que possui, mais de 50. Neste continente há histórias muito diferentes para contar. Algumas das economias que cresceram mais rapidamente na última década são africanas. O Senegal é um bom exemplo. Mas o que o mundo ouve e vê da África são os conflitos e as guerras civis como a da República Centro-Africana. Acredito que existe uma clara necessidade de melhorar a governança e a criação de instituições, porque os países nos quais os Governos não funcionam, mais cedo ou mais tarde desmoronam. Em segundo lugar, a comunidade internacional tem de investir na África, acredito que o retorno será enorme. É a região econômica com o maior e o mais rápido crescimento no mundo. Poucos percebem que, em apenas 30 ou 40 anos, haverá 2 bilhões de cidadãos no continente, é um mercado global. Acredito que seu futuro está cheio de esperança.

Fonte: DW

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