quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A participação feminina em profissões ligadas às áreas das ciências exatas está aumentando

A participação feminina em profissões ligadas às áreas das ciências exatas está aumentando

No último vestibular da USP, um terço dos candidatos era de mulheres. Elas nunca foram tantas


GRAZIELE OLIVEIRA, COM MARCOS CORONATO


QUESTÃO DE FORMAÇÃO  A profissional de estatística Cris Crisci, na empresa de pesquisa em que trabalha. Ela brincava com jogos de montar e teve uma boa professora de matemática no ensino fundamental (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Meninos ganham jogos de montar, carrinhos e brinquedos que os levem a imaginar como explorar e moldar o mundo. Meninas ganham bonecas, panelinhas e brinquedos que as levem a fingir cuidar da casa. Essas foram as regras discriminatórias para presentear crianças, durante muito tempo. A mudança vem aos poucos. Em 2012, pela primeira vez em 50 anos de existência da Barbie, sua fabricante, Mattel, lançou nos Estados Unidos um estojo que une a boneca e blocos de montar, para que as meninas construam e redecorem como quiserem uma mansão de brinquedo. O lançamento reflete uma novidade mais abrangente. Conforme gerações de meninas criadas de forma mais igualitária tornam-se maioria nas escolas e chegam ao mercado de trabalho, cresce a participação das mulheres em profissões das áreas de ciências exatas, principalmente nas engenharias. O impacto é sentido na sociedade inteira.

O valor dos números (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
Mesmo com a progressiva emancipação feminina, a transformação nada tem de óbvia. O avanço das mulheres nessas profissões tem sido muito mais lento e incerto que a conquista da igualdade de direitos entre os sexos. Trata-se de uma questão instigante para sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento, como o Brasil. As mulheres estão a caminho de se tornar a maioria entre os estudantes. Seria normal que se sentissem atraídas e bem-vindas para atuar em áreas-chave para a riqueza material de uma sociedade, aquelas que contribuem com grande parte da produção econômica, contam com menos profissionais do que necessitam e, como resultado, oferecem salários médios mais altos (leia o quadro ao lado).

No Brasil, vários indicadores mostram que a participação feminina nessas profissões está crescendo com força. Em 2012, pela primeira vez, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou, num relatório periódico sobre educação, quais eram as carreiras preferidas por meninas e meninos de 15 anos de idade. No Brasil, 4,2% das meninas e 16,2% dos meninos imaginam-se trabalhando com exatas quando tiverem 30 anos. Segundo o relatório, a manifestação de vontade das adolescentes brasileiras de entrar nessas áreas supera a registrada em vários países mais ricos, como Alemanha, Estados Unidos e Japão. Os países em que essa manifestação das meninas é mais forte são Indonésia e Israel.

O interesse crescente das adolescentes brasileiras pelas exatas passou a se manifestar nos números do vestibular. Em 2012, a parcela de candidatos do sexo feminino às carreiras de exatas na Universidade de São Paulo (USP) subiu para um terço. Em 2005, esse número era de um quarto. Superada a barreira de acesso, 30% dos alunos da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são mulheres, parcela muito superior à média na Europa, de 20%, e nos Estados Unidos, de 8%. Finalmente, as estatísticas de profissionais formadas confirmam a tendência de avanço feminino nesse território antes majoritariamente masculino. Entre 2000 e 2010, a parcela de mulheres entre os formandos cresceu 53% em engenharia eletrônica, 49% em ciências atuariais e 41% em engenharia de produção, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas da escola de negócios Insper.

O crescimento é relevante. Torna-se importante entender como vêm caindo as barreiras. Evoca-se frequentemente uma diferença biológica de aptidões. Isso não basta, porém, para explicar a dominação esmagadora de um dos sexos sobre o outro, em nenhuma carreira. No caso das ciências exatas, a baixa presença feminina, historicamente, não se devia à rejeição das mulheres a essas carreiras, mas sim ao fato de que elas não podiam ingressar nelas ou não as percebiam como uma possibilidade, por causa da falta de modelos, diz a pesquisadora Natalia Fontoura, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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O cenário começou a mudar por causa da educação recebida pelas meninas em casa. Hoje, os pais querem que elas se sintam satisfeitas e tenham prestígio profissional, seja em que área for, e tratam filhos de ambos os sexos de forma mais parecida. A profissional de estatística Cris Crisci, diretora da Lopes Inteligência de Mercado, diz que esse ambiente familiar foi decisivo para sua formação. “Tenho um irmão e uma irmã. Meus pais não diferenciavam brinquedos de menina e de menino. Brincávamos juntos com jogos de montar”, afirma Cris. Na escola, ela passou a gostar de matemática. “Tive uma professora muito boa no ensino fundamental, chamada Eunice.” A escolha da carreira foi uma consequência natural.

Um segundo fator que abriu as opções para as meninas foi a mudança no ambiente escolar. Aos poucos, as escolas passaram a mostrar mais claramente aos alunos as possibilidades profissionais a sua disposição. A engenheira mecânica Daniella Reis, executiva na Promon Engenharia, beneficiou-se dessa mudança. “No segundo grau (ensino médio), meu colégio já separava os alunos entre exatas, humanas e biológicas. Logo percebi qual era minha aptidão”, diz. De acordo com o estudo da OCDE, um sistema de educação precisa oferecer às alunas maneiras variadas e flexíveis de se empolgar com matemática e ciências.

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Quando estão no ensino superior, as mulheres se adaptam rapidamente à dureza dos cursos de exatas. A engenheira de materiais Nívea Boechat, formada pela UFRJ e hoje trabalhando na Shell Brasil, lembra com orgulho de como enfrentou o início do curso. “No segundo grau, só tirava 9 ou 10. Por isso me assustei nos primeiros anos de engenharia, quando minhas notas caíram.” Persistência e organização foram fundamentais para passar por essa fase. “Acho que as meninas chegam mais maduras à universidade. Elas lidam melhor com frustração e reprovações e, em média, vêm alcançando notas melhores”, diz Ericksson Almendra, diretor da Escola Politécnica da UFRJ.


No último vestibular da USP, um terço dos candidatos era de mulheres. Elas nunca foram tantas  
As mudanças no processo de formação foram acompanhadas por uma transformação no mercado de trabalho. Algumas carreiras antes masculinizadas passaram, nos últimos anos, a demandar muito mais profissionais. É o caso da engenharia civil. Por isso, diminuiu o sexismo nas avaliações, contratações e definição de salários. “O profissional formado nessas áreas é muito valorizado. A carência de pessoal é tão forte que as empresas não têm como segregar mulheres”, diz Fernanda Campos, diretora executiva da Mariaca Gestão de Capital Humano.

Chegar a esse mundo de possibilidades abertas demorou. O ensino formal de engenharia para homens no país começou em 1810, com a criação da Academia Real Militar pelo então príncipe regente, o futuro rei Dom João VI. Só em 1835 foi aberta a primeira escola para mulheres no Brasil, em Niterói, e apenas em 1919 – quase um século depois dos homens – formou-se a primeira mulher engenheira, Edwiges Maria Becker, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

O fato de as mulheres se sentirem livres e estimuladas a seguir carreiras em áreas de exatas acarreta benefícios econômicos de longo prazo para elas mesmas, para sua família e para a sociedade. Os países em que as mulheres não podem ou não querem assumir essas funções contam com apenas a metade da reserva de inteligência de que a sociedade dispõe. O prejuízo ou o lucro recaem sobre toda a população. “Capacitar as mulheres traz ganhos maiores para todos os cidadãos”, afirma Ivan de Souza, da consultoria Booz. A empresa calculou em 2012 a importância do acesso feminino a todas as carreiras. Segundo a consultoria, se 100% das mulheres entrassem no mercado de trabalho, o PIB do Brasil poderia crescer 9%.

A Booz trata esse conceito sob o lema “Terceiro Bilhão”, em referência aos três grandes contingentes humanos que ganham poder econômico – os chineses, os indianos e as mulheres. A lógica é demográfica. Conforme um país se desenvolve, como o Brasil, sua população cresce mais vagarosamente. Nessa situação, torna-se mais importante aproveitar todos os recursos humanos existentes da maneira mais eficiente possível e derrubar quaisquer barreiras entre o gênero do cidadão e o trabalho que ele gostaria de fazer (o mesmo vale para os homens).


Fonte: Revista Época

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