'Baía de Guanabara ainda não está sepultada': documentarista mostra vida marinha em palco de Jogos
Há 7 horas
‘Baía de Guanabara ainda não morreu’: documentarista mostra vida marinha em palco de Jogos
Às vésperas dos Jogos
Olímpicos Rio 2016, um biólogo marinho carioca quer chamar a atenção
para a urgência da despoluição da baía de Guanabara, palco das
competições de vela e windsurf. Mas para isso, ao invés de ressaltar a
sujeira e a degradação, ele optou por destacar o que ainda há de vida
remanescente nas águas poluídas.
Ao longo do último ano Ricardo
Gomes, de 42 anos, acumulou mais de cem horas de gravações para o
documentário "Baía Urbana", em fase final de edição. Com apoio das
Nações Unidas, o filme deve ser lançado em novembro e exibido em mais de
166 países. "Acordar para a urgência de salvar a baía é acordar também para a realidade de preservação de todos os oceanos. A baía não é só dos cariocas nem dos brasileiros, é de todo o mundo, e o que está acontecendo aqui acontece também em diversos pontos do planeta", diz.
Ele espera que o documentário sirva como alerta e que as imagens de moreias, polvos, lulas, raias-borboletas, tartarugas e peixes das mais diversas espécies e cores ajude a sensibilizar a sociedade, para que exerça mais pressão sobre as autoridades.
Em 2009, em seu dossiê de candidatura apresentado ao Comitê Olímpico Internacional (COI), o Rio de Janeiro se comprometeu com a meta de tratar 80% do esgoto que chega à baía de Guanabara até a realização dos Jogos. Sete anos depois, a promessa não foi cumprida e o Governo do Estado do RJ diz que elevou de 11% para 51% a taxa de tratamento dos dejetos que chegam às águas.
As ações de despoluição e de saneamento básico nas localidades no entorno da baía são de responsabilidade do governo estadual fluminense. O legado ambiental incluía ainda a despoluição das lagoas da Zona Oeste e da Lagoa Rodrigo de Freitas, também não aconteceram.
"É difícil preservar o que está invisível. A baía é uma verdadeira Amazônia Azul, uma Floresta Amazônica submersa. É muito mais fácil preservar árvores e matas que podem ser vistas. Para isso há leis, fiscalização e pressão pública. Para a vida marinha é mais complicado", afirma.
Floresta da Tijuca
Ele compara a situação da baía com a da Floresta Nacional da Tijuca, que havia sido devastada para o plantio de café, e que há cerca de 150 anos foi reflorestada. "Ainda há tempo. Estamos agora num ponto limite, em que ainda é possível retomar e reconstruir. Se foi feito com a Floresta da Tijuca, também pode ser feito com a baía de Guanabara. Eu acredito nisso", indica.Formado em biologia marinha pela UFRJ, Gomes mergulha nas águas do Rio de Janeiro desde 1991. Trabalhou como pescador na baía durante dois anos, e já filmou a vida marinha nas praias de Copacabana e do Leblon, anos atrás, quando lançou o documentário Mar Urbano.
"Muitos dos peixes e crustáceos que chegam aos restaurantes do Rio vêm da baía de Guanabara. Não há ainda pesquisas suficientes sobre o grau de metais tóxicos nestes peixes, mas muitas pessoas comem sem nem saber", diz.
Ricardo acredita que as campanhas e reportagens que destacam a baía como "esgoto" e "latrina" dão a sensação de caso perdido à sociedade. "Eu sei que a baía está poluída. É uma das baías mais poluídas do mundo, não se pode negar. Mas eu quis olhar o copo meio cheio. Cheio de vida. Acredito que assim há mais chances de conseguir o apoio da população para lutar pela despoluição".
Embora admita que já haja "áreas mortas", em que o oxigênio já não chega mais e cujo fundo está coberto de sacolas plásticas e lixo, o biólogo diz que a baía "não está morta, nem sepultada".
"Salvar a baía é simples. Basta que o governo faça o trabalho para o qual se propõe há anos e que já consumiu bilhões e bilhões. Impedir que esgoto não tratado chegue às águas e fiscalizar e multar as dezenas de indústrias que jogam metais pesados e outros resíduos na baía, de forma impune, sobretudo a indústria do petróleo", diz.
'Latrina'
Um dos ativistas que encabeçam campanhas e apelos pela despoluição e recuperação da baía de Guanabara e do sistema de lagos do Rio de Janeiro há quase 30 anos, o biólogo Mario Moscatelli concorda que ainda há vida nas águas mas engrossa o coro de que a baía é uma grande "latrina"."Geralmente não se consegue extinguir totalmente a vida de uma baía, a não ser em catástrofes ambientais de proporções bíblicas, como o que aconteceu no Rio Doce, em Mariana. Quando a gente diz que as águas estão podres ou que a baía está em estado terminal, é comparando com a enorme biodiversidade de 50 anos atrás", diz.
Questionado sobre as espécies encontradas por Gomes em suas imagens submarinas, Moscatelli, que há anos faz imagens aéreas da baía e das praias do Rio de Janeiro e identifica manchas de esgoto e dejetos, admite que há vida remanescente mas relativiza a "boa notícia".
"Não se pode dizer que a baía está 100% morta. Agora, as espécies remanescentes são as últimas, prestes a apagar as luzes antes de saírem da festa. Do ponto de vista ecológica, da variedade e da biodiversidade, está praticamente morta, sim. A cada tentativa da natureza de se restabelecer ela toma mais porrada de lixo, esgoto, e produtos químicos", avalia.
Apesar de conduzir um trabalho justamente na linha contrária, de ressaltar a degradação, Moscatelli vê com bons olhos a iniciativa do documentarista. "Eu acho maravilhoso, até porque todos os trabalhos em favor da baía e das lagoas são bem-vindos e é fundamental que mais pessoas se interessem por isso", indica.
Moscatelli cobra há anos as autoridades fluminenses pela concretização dos planos de maior tratamento de esgoto e fiscalização das indústrias do entorno da baía. "Houve melhora? Pode ter havido, mas é insuficiente e a promessa não foi cumprida. E depois da Olimpíada? O que reina é o clima de impunidade na área ambiental no Brasil. Sempre foi assim. Estamos no século 21 com a mentalidade exploratória do século 17", diz.
Outro lado
Consultado pela BBC Brasil, o Governo do Estado do RJ frisou que, apesar de não cumprir a meta de 80% de tratamento do esgoto que chega à baía, houve elevação de 11% para 51%.Já a Secretaria de Estado do Ambiente fluminense disse que desde o dia 20 de julho passou a conduzir análises e monitoramento diários das águas da baía onde acontecerão as regatas olímpicas e paralímpicas e que 12 ecobarcos e 17 ecobarreiras estão prontas para a remoção do lixo flutuante.
Sobre o tratamento de esgoto, a secretaria ressaltou que a baía tem 380 quilômetros quadrados e banha 15 munícipios com 8,5 milhões de habitantes em seu entorno, e que desde 2007 o Governo do Estado investiu R$ 2,7 bilhões com a ampliação e ativação de estações de tratamento de esgoto, e que atualmente são sete em funcionamento.
Em nota, a secretaria também indicou que após as Olimpíadas deverá entrar em operação a estação de tratamento de Alcântara, atualmente em obras, que terá capacidade de tratar 1.200 litros de esgoto por segundo. Com isso, 17 mil novas residências deverão ser ligadas à nova rede e cerca de 30 mil casas que já possuem rede de esgoto também deixarão de jogar os dejetos não tratados nos rios Mutondo e Alcântara, que desaguam na baía.
Outra obra destacada é a do tronco coletor Cidade Nova, que deverá tratar esgoto de seis bairros cariocas, evitando que os dejetos de 160 mil casas cheguem à baía de Guanabara sem tratamento.
Fonte: BBC
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