'Biblioteca do Futuro' cresce em floresta de Oslo
28/06/2017
AFP
Bjorvika Utvikling/AFP / Kristin von Hirsch
Uma das árvores que irão compor a biblioteca
Ano após
ano, escritores de diferentes países enriquecem a chamada "Biblioteca do
Futuro". Os primeiros deles nunca conhecerão a reação de seus leitores,
porque este conjunto de obras inéditas será publicado apenas no próximo século.
Até
agora, o único elemento visível dessa empreitada estilística e
internacionalmente diversa é o conjunto de cerca de mil pequenas árvores, que,
plantadas há três anos, crescem na periferia verde de Oslo.
Em 2114,
quando forem centenários, esses abetos serão cortados e transformados no papel
onde serão escritas as antologias que reunirão todos os escritores convidados a
contribuir até a conclusão do projeto.
A
canadense Margaret Atwood foi a primeira convidada a se juntar à iniciativa, em
2015, seguida do romancista britânico David Mitchell, em 2016. Este ano, foi o
poeta islandês Sjon que apresentou seu manuscrito.
"Algo
que um escritor sempre enfrentará é a existência de leitores que não conhece.
Estão, talvez, em outro continente, ou distante no tempo, mas, é muito especial
saber que ninguém lerá seu texto, enquanto você estiver vivo", admite esse
escritor, autor das letras de algumas das canções da cantora islandesa Björk.
Saber que
não verá as reações a seu trabalho "aprofunda muito minha relação com o
texto", comenta.
"Eu
me dei conta de que muitos dos mecanismos que eu dou como certos quando escrevo
meus textos são, na verdade, algo sobre que devo pensar o tempo todo: a
precisão das palavras, o uso de termos antigos... Escrever em islandês também
foi uma das questões, com as quais tive de me confrontar, porque não sei onde
meu idioma estará em 100 anos", completou.
- A
árvore se faz livro
Se antes
era a folha branca que esperava a inspiração do autor, agora serão, de certo
modo, as palavras que terão de esperar o tempo necessário para que a árvore se
faça livro.
Essa
longa espera pela "Biblioteca do Futuro" é apenas a última de uma
série de iniciativas na Noruega em celebração à "slow life" e à
posteridade.
Campeão
da "Slow TV", o país nórdico acolhe a Reserva Mundial de Sementes,
uma espécie de Arca de Noé vegetal destinada a preservar a diversidade genética
de eventuais catástrofes futuras.
A ideia
da biblioteca nasceu na imaginação da artista escocesa Katie Paterson e pôde-se
materializar graças a um encontro com promotores imobiliários noruegueses em
busca de um projeto cultural.
"Espero
que os autores de hoje e das próximas décadas digam algo de sua época",
explica Paterson.
"Acho
que será interessante para aqueles que puderem ler as obras daqui a 100 anos,
porque poderão refletir, remontando no tempo. Porque, daqui a 100 anos, quem
sabe como será a civilização?", acrescenta.
- 'Voto
de confiança'
Ainda se
lerá livros em 2114? Ainda haverá impressoras para colocá-los em papel?
A
"biblioteca do futuro" é "um voto de confiança no futuro da
cultura", afirmou David Mitchell no ano passado.
"Umberto
Eco dizia que a forma do livro não pode melhorar. É como a roda. Não tem como
ser aperfeiçoada", disse Paterson.
"Mas,
claro, a tecnologia avança tão rápido que vamos para o desconhecido. Hoje
falamos de livros eletrônicos, mas ignoramos totalmente que forma os livros
tomarão depois. Pode ser algo inimaginável. Talvez, então, os livros de papel
sejam uma antiguidade, ou talvez sejam a norma. O futuro decidirá",
acrescenta.
Pagando
800 libras esterlinas (cerca de 1.000 dólares), os bibliófilos mais ansiosos já
podem comprar um certificado que dá direito a alguns dos mil exemplares da
antologia que serão publicados e vendidos em galerias de arte.
Até a
publicação, os manuscritos ficarão guardados em uma sala especialmente
projetada para eles na nova biblioteca pública de Oslo, que deve ser aberta em
2020.
"Se
tivéssemos tido de fazer uma avaliação de riscos dessa obra cultural, ela nunca
teria acontecido", reconhece Anne Beate Hovind, responsável pelo projeto e
presidente do comitê de seleção de escritores.
"Mas,
hoje, rivalizamos com os Nobel", comemora Anne.
Fonte: AFP
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