Mike Elgan, Computerworld / EUA
25/10/2017 - 20h03
Cada vez mais especialistas apontam os
problemas da chamada "Crise dos Smartphones", que deixou as pessoas mais
viciadas e distraídas e menos produtivas.
Imagem: divulgação/Motorola
Outro ano, outra lista de smartphones incríveis. Os mais
recentes aparelhos de empresas como Samsung, Google e Apple incluem
processadores extremamente rápidos, câmeras de alta qualidade e uma
variedade cada vez maior de “truques”, como oferecer suporte para
Realidade Aumentada (AR).
Se você perguntasse aos consumidores se eles querem todo
esse poder e funcionalidades, eles provavelmente responderiam “Sim, com
certeza!”. Mas se você questionasse se os mais novos smartphones do
mercado resolvem os problemas das pessoas, a resposta provavelmente
seria que “Não”.
Na verdade, os smartphones estão deixando os nossos maiores problemas ainda piores.
A maioria dos profissionais com quem eu falo encontram
dificuldades para achar um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Eles sofrem de demandas espalhadas pela sua atenção. Eles querem
realizar mais nas suas vidas. Não apenas os smartphones estão falhando
em ajudar as pessoas a resolverem esses problemas. Eles estão, na
verdade, tornando-os piores.
A crescente crise dos smartphones
A cada dia, fica mais claro que os smartphones estão deixando as pessoas mais estúpidas. Essa é a maneira mais direta de falar.
De modo mais pontual, os smartphones são cada vez mais
viciantes e distrativos. Como resultado, está cada vez mais difícil as
pessoas prestarem atenção no que estão fazendo.
Por isso, está surgindo uma nova perspectiva no Vale do
Silício – a partir de engenheiros e especialistas, não das empresas –
sobre o que os smartphones estão fazendo conosco. Os celulares e, mais
ainda, os sites e aplicativos de redes sociais estão nos influenciando
de maneiras incontáveis sem que a gente perceba.
Entre as diferentes linhas de pensamento desses especialistas estão essas a seguir. Os smartphones nos dão um vício “tóxico” e estamos “desperdiçando nossas vidas” neles. A tecnologia está “sequestrando as nossas mentes”. Sites como o Facebook estão empreendendo uma guerra contra o livre arbítrio.
O The Guardian publicou recentemente
uma entrevista com um dos criadores do botão “Curtir” (“Like”) do
Facebook, Justin Rosenstein, em que o engenheiro admite que a sua
criação faz parte de um problema enorme.
Rosenstein revelou ao jornal britânico, por exemplo, que
não se permite usar serviços como Reddit ou Snapchat, e que restringe
até mesmo o seu uso do Facebook no dia-a-dia. E ele foi ainda mais
longe, já que, após comprar seu novo iPhone, configurou seu aparelho com
controles parentais para evitar que possa baixar novos apps.
Tudo isso que Rosenstein está fazendo é para tentar evitar
o que está se tornando cada vez mais o “novo normal” em termos de
estado mental. Os especialistas chamam esse fenômeno de “atenção parcial
contínua”. O engenheiro afirma que “todo mundo está distraído o tempo
todo”. Esse estado mental estaria diminuindo o QI e a produtividade e
surge até mesmo quando um smartphone não está sendo usado, mas está
próximo da pessoa
Essas afirmações estão indo longe demais? Talvez. Mas
vamos olhar essa comparação chocante. Um estudo realizado no ano passado
pela Voucher Cloud descobriu que as pessoas passam uma média de apenas 2 horas e 53 minutos por dia realizando trabalho produtivo.
Um estudo não relacionado da Dscout
aponta que o usuário padrão de smartphone passa nada menos do que 2
horas e 25 minutos do seu dia com a cara no aparelho – os chamados
‘heavy users’ passam uma média de 3 horas e 45 minutos no celular.
A quantidade de tempo gasto nos smartphones cresce a cada
ano. Enquanto que a quantidade de tempo trabalhando provavelmente cai a
cada temporada. Os smartphones estão impulsionando uma tendência em que a
banalidade está substituindo a produtividade.
Parte da culpa vai para os apps que nós usamos, é claro –
especialmente os aplicativos de redes sociais. Mas são os smartphones
que colocam essas plataformas nas nossas mãos o tempo todo.
O mecanismo por trás dessa Crise dos Smartphones é fácil
de entender. Nós vivemos em uma Economia da Atenção, e as empresas de
tecnologia estão em uma disputa forte umas com as outras para ver quem
consegue conquistar o nosso tempo e atenção. Nesse conflito Darwiniano,
os produtos e serviços mais viciantes e distrativos sobrevivem,
prosperam e chegam ao domínio.
Empresas como o Facebook se gabam para os seus acionistas
sobre o número crescente de horas que os usuários gastam em seus sites e
aplicativos. Todos os serviços de redes sociais estão tentando lutar
contra o domínio do Facebook sendo o mais viciantes possíveis.
O YouTube prende uma grande quantidade de atenção, e todos
os outros sites de vídeos também estão tentando lutar contra o domínio
da plataforma do Google.
E à medida que redes sociais, sites de notícias, games
apps de música e outros aprendem a ser mais distrativos e viciantes,
também vemos a chegada mais forte da Realidade Virtual, da Realidade
Aumentada e da chamada Realidade Mista.
A velocidade com que os smartphones e seus apps estão
ficando mais viciantes e distrativos continua aumentando. Mas a nossa
habilidade inata para resistir a esses vícios e distrações não cresce
realmente. Como afirma o ex-gerente de produtos do Google, Tristan
Harris, a tecnologia é “melhor em sequestrar os seus instintos do que
você é em controlá-los”.
Como resultado, os smartphones estão afetando as nossas
mentes. Os aparelhos estão chegando a ocupar o que é chamado de “espaço
de atenção privilegiado”, comparado ao som dos nossos próprios nomes. Em
termos de atenção, trabalhar com um smartphone perto é similar a
trabalhar enquanto seus colegas estão ao seu lado falando sobre você e
citando o seu nome. Fica difícil focar.
E o problema existe não apenas em nível individual, mas
também em uma escala massiva. Rosenstein e Harris acreditam que usuários
de smartphones distraídos estão coletivamente tomando decisões
políticas e corporativas piores, e acabando com a produtividade.
Em entrevista para a Wired,
Harris afirmou que “a tecnologia está guiando o que 2 bilhões de
pessoas pensam e acreditam todos os dias”, uma influência maior do que
uma religião ou um governo.
O que fazer sobre a Crise dos Smartphones?
A Crise dos Smartphones me lembra da atual crise de saúde
relacionada à alimentação. E a solução para esse problema também é
comparável. Antes da Revolução Industrial, uma porcentagem muito alta da
população passava fome, sofria com déficits nutricionais ou morria pela
ingestão de alimentos inseguros ou estragados.
Então nós industrializamos o sistema de alimentos, e por
um bom tempo foi algo benéfico. Mas então a industrialização foi longe
demais. A chamada ‘junk food’ ficou muito barata, fácil e viciante, e
agora nós temos uma crise de saúda por conta da dieta das pessoas.
De forma parecida, os smartphones inicialmente eram bons
na maior parte do tempo. Resolviam problemas e tornavam nossas vidas
melhores. Com o tempo, foi revelado a nós que o exagero de uma coisa boa
está danificando nossa saúde e nossa felicidade.
A indústria alimentícia respondeu à crise de saúda ao
evoluir e oferecer opções mais saudáveis. Do mesmo modo, precisamos que o
mercado de smartphones realize um trabalho melhor para oferecer
soluções contra distrações e o vício.
Assim como as empresas oferecem aos funcionários
benefícios, matrículas em academias e sessões de treinamento para
melhorar a saúde, elas também deveriam oferecer ajuda e orientação sobre
o vício em smartphones.
Adoraria ver novas regras ou políticas surgirem em
empresas tornando inaceitável o uso de smartphones em reuniões, por
exemplo. As reuniões de negócios deveriam oferecer um momento de atenção
em um dia de trabalho que normalmente é bastante distraído.
Prevejo que a próxima tendência no Vale do Silício será um
jejum de smartphone mais amplo – ficar sem o aparelho por variados
períodos de tempo.
Uma opção mais radical seria vender o seu smartphone e não
comprar um novo, em vez disso gastando esse dinheiro em uma câmera boa e
em um celular simples.
Outra abordagem mais simples é criar um cronograma de
conectividade: levar o smartphone com você durante o dia, mas só se
permitir ficar conectado algumas horas por dia.
Por fim, também é possível adotar uma solução mais
direcionada: apagar todas as suas contas em redes sociais (ou pelo menos
os seus apps móveis para começar) e remover assim uma das principais
fontes de vício em um smartphone.
As empresas vão (e deveriam) organizar jejuns voluntários
do uso de smartphone para o bem dos seus funcionários e a produtividade
da companhia, além de promover treinamentos e aconselhamentos para as
pessoas viciadas nos aparelhos e programas de prevenção para quem ainda
não sofre com isso.
Essas tendências estão chegando, e precisamos da ajuda das
empresas do Vale do Silício de forma geral e das fabricantes de
smartphones em especial.
Os dias de focar toda a energia em tornar os produtos tecnológicos mais viciantes estão contados
À medida que o vício e a distração causados pelos
smartphones atrapalha vidas e carreiras, o mercado precisa nos ajudar –
ou nós temos de fazer isso ao cancelar contas em redes sociais e nos
livrarmos dos produtos que estão causando esses problemas.
Vale do Silício: velocidade, feeds e câmeras são ótimos.
Mas comece a nos ajudar com nossos verdadeiros problemas ou vamos parar
de usar os seus produtos.
Fonte: IDGNow!
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