quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Onde estávamos há cem anos?

Onde estávamos há cem anos?


O Brasil enfrentava problemas com a educação, com a saúde, bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, as eleições eram fraudadas e a população mantinha-se apática
Copacabana e Leme, Rio de Janeiro, nos anos 1920.
Copacabana e Leme, Rio de Janeiro, nos anos 1920. Arquivo Nacional

O Brasil começava o ano de 1918 com a expectativa de eleições presidenciais, que seriam realizadas em 1° de março. Melhor: não o Brasil como um todo, mas aquela pequena parcela de homens maiores de 21 anos e alfabetizados, cerca de 6% da população de 28,9 milhões de pessoas — o voto era proibido aos menores de 21 anos, analfabetos, mulheres, religiosos e militares. Ainda assim, apenas 395 mil eleitores (1,4% do total) compareceriam às urnas, sufragando a eleição do advogado paulista Rodrigues Alves, numa coalizão do Partido Republicano Paulista (PRP) com o Partido Republicano Mineiro (PRM), naquela que se convencionou chamar de política do café com leite.
Rodrigues Alves já havia sido presidente do Brasil, entre 1902 e 1906, num período de bonança econômica. Com a entrada de divisas provenientes da exportação de café e borracha, o país remodelou as estradas de ferro, comprou da Bolívia o território do Acre e, principalmente, promoveu a reforma da capital, então o Rio de Janeiro. O objetivo era, além de dotar a cidade de um planejamento urbano, combater a peste bubônica, a febre amarela e a varíola que grassavam por ali. Instigados pela oposição, o povo se revoltou contra a vacina obrigatória antivariólica e alguns militares aproveitaram para tentar um golpe de estado, rapidamente sufocado.
Com o prestígio adquirido naquele primeiro mandato, Rodrigues Alves venceu o pleito de 1918 com 99% dos votos. É bom lembrar que na época o voto não era secreto e quem determinava o resultado das eleições era o poder dos coronéis, título genérico que se dava às lideranças políticas ou militares regionais. Mas Rodrigues Alves não chegou a tomar posse. Os soldados que lutavam na Europa, na carnificina denominada I Guerra Mundial, começaram a ser dizimados por uma nova doença, a gripe espanhola. Os primeiros casos surgem em abril, e em setembro a epidemia já aportava no Brasil, acarretando mais de 300 mil mortes, incluindo o presidente recém-eleito.
No dia 15 de novembro, data marcada para a posse, assume o cargo interinamente o vice-presidente eleito, na época votava-se para ambos os cargos, o mineiro Delfim Moreira. Nas novas eleições, realizadas em 13 de abril daquele ano, saiu vitorioso o paraibano Epitácio Pessoa, apoiado pelo PRM. Detalhe curioso é que Epitácio Pessoa venceu o pleito, contra o jurista baiano Ruy Barbosa, estando fora do Brasil, chefiando a delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, na França. Ele só voltou ao país um mês antes da posse, ocorrida no dia 28 de julho...
O fim da I Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro de 1918, deixou como saldo, após quatro anos de batalhas, cerca de nove milhões de mortos, entre civis e militares, o mapa-múndi redesenhado, o surgimento de uma nova potência, os Estados Unidos, e problemas econômicos e políticos não resolvidos, que iriam desencadear a Grande Depressão da década de 1930 e provocar o reinício dos conflitos que redundariam na II Guerra Mundial, apenas 21 anos depois. Com um novo e fundamental componente: o aparecimento das ideologias totalitárias, o fascismo, o nazismo e o stalinismo.
Benito Mussolini, sargento “por mérito em guerra”, após lutar por nove meses e ser ferido por uma granada, volta para seu país e funda em 1919 o Fasci Italiani di Combatimento, origem do partido fascista, que a partir de 1922 assume com poderes absolutos o governo da Itália. O austríaco Adolf Hitler, cabo do exército alemão, esteve todo o período da guerra em frentes de batalha. Em 1919, toma a liderança do Partido dos Trabalhadores Alemães, origem do partido nazista, que a partir de 1933 alcançaria o poder absoluto na Alemanha. O georgiano Josef Stálin, durante a I Guerra Mundial, amargava o exílio no Círculo Polar Ártico, por conta de suas atividades como membro do comitê central do Partido Comunista. Em 1917, é libertado, e em 1924, com a morte de Lênin, assume com poderes absolutos o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Há cem anos, o Brasil enfrentava problemas com a educação (a educação de qualidade era privilégio da elite), com a saúde (epidemias grassavam, causando pânico), bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, os militares planejavam golpes de estado, as eleições eram fraudadas, a população mantinha-se apática, e nasciam, com força, os ideólogos das doutrinas totalitárias, alimentando-se da frustração, da ignorância e da desesperança...

Fonte: El País

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