É possível avançar em educação no Brasil sem aumentar os gastos. Os exemplos do exterior mostram isso
É possível avançar em educação no Brasil sem aumentar os gastos. Os exemplos do exterior mostram isso
O país está na lanterninha nos quesitos motivação e profissionalização; exemplo de Portugal é inspirador
Márcia Pinheiro
São Paulo
O debate sobre os gargalos no ensino médio no Brasil
ficou estagnado por décadas, algo que acabou distanciando a educação
brasileira da realidade do restante do mundo. Hoje, o país é o penúltimo
num ranking de educação, elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) com 34 países, que levou em conta os critérios do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA).
No exame são considerados itens como o desempenho em leitura,
matemática e ciências, a média de anos que os alunos passam na escola e o
percentual da população no ensino superior.
O número de alunos universitários no Brasil é baixo:
pouco mais de 8 milhões, segundo o Censo da Educação Superior de 2016,
feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep). Mas é antes dele, no ensino médio, que começa uma
cruel seleção natural que desvia os alunos de uma formação mais
consistente na universidade. O foco mais acadêmico do curso, que por ora
tem currículo único, mas já começa a mudar por iniciativa de alguns
Estados, acabou tornando-se um obstáculo, inclusive, para que os
estudantes tenham a opção de se profissionalizar e encarar o mercado de trabalho com melhor formação, avaliam especialistas.
Para muitos, esse labirinto do ensino se dá porque faltariam recursos para a educação do Brasil, algo que teria sido agravado com o congelamento de gastos públicos nos próximos 20 anos, aprovado em 2016.
O Brasil, na verdade, não investe pouco na formação de seus jovens.
Segundo Andreas Schleicher, diretor do Departamento Educacional da OCDE,
e um dos idealizadores do PISA, o Brasil gasta 4,9% do seu Produto Interno Bruto (PIB)
na educação do primário à universidade. Esse percentual está longe de
ser ruim: é ligeiramente inferior aos 5,2% da média da OCDE. “Para
sermos justos, entre 2008 e 2014, o país aumentou seus investimentos em
educação por aluno em 18%”, afirma. Para ele, o desafio não é apenas ter
mais dinheiro, “que claramente é importante”, mas também gastá-lo de
forma mais eficiente. Muito embora as cifras brasileiras sejam
superlativas, colocando o país entre as dez nações mais ricas do mundo
com um PIB de 6,6 trilhões de reais em 2017 (ou 2 trilhões de dólares), o
abismo social coloca qualquer cifra em perspectiva. Um levantamento da
OCDE, divulgado em setembro de 2017, mostra que o país gasta anualmente
3.800 dólares por aluno no ensino fundamental e médio. Enquanto isso, a
média nos países da OCDE nos últimos anos foi de 10.500.
Antes de elevar o patamar de investimento, entretanto, é possível trabalhar por alguns consensos, como fez Portugal nos últimos anos.
O ex-ministro da Educação do país ibérico, Nuno Crato, que participou
na última semana do II Encontro de Estados Parceiros do Itaú BBA, em São
Paulo, contou que até o início de sua gestão, entre 2011 a 2015,
Portugal estava abaixo da média da OCDE pelo exame PISA. Em meio a uma
crise econômica que devastou o país, o Governo de Pedro Passos Coelho
decidiu elevar a autoestima nacional investindo em inovações
educacionais que não exigissem os recursos que não existiam.
Para início de conversa, na gestão de Crato o ensino médio foi
universalizado sem que isso resultasse em queda de desempenho. Pelo
contrário, o ensino melhorou. Além disso, após batalhas jurídicas, o
ministério conseguiu tornar públicos os resultados das escolas, que não
eram divulgados. Não havia ainda provas finais até o nono ano do ensino
básico. Passou-se a ter avaliações anuais e isso ajudou a aprimorar o
currículo da etapa seguinte.
O Governo português aumentou, também, a carga horária de
português e matemática, porque, sem essas disciplinas, “o aluno não
entende o que lê nem sabe analisar gráficos”, explica Crato. Foram
criadas, ainda, metas a serem atingidas pelos jovens. Depois, ampliou-se
o tempo de estudo de ciências, história e geografia, e o inglês passou a
ser obrigatório. “Tudo isso foi feito em meio a uma série crise
econômica. Nem tudo é dinheiro”, diz o ex-ministro.
Por fim, o ensino profissionalizante passou a ter empresas
como parceiras, o que propiciou o acesso a máquinas e laboratórios de
ponta para acompanhar as evoluções tecnológicas que o setor privado
proporciona. Todas essas reformas garantiram que Portugal se
transformasse no grande destaque de 2015, ao ter superado o marco da
PISA. Em comparação à primeira edição do exame, em 2000, o país subiu 42
pontos, ocupando a 22ª posição, em um total de 70 países e economias
analisados.
O essencial, segundo Schleicher, da OCDE, é ter em mente
que o ensino médio deve ter como objetivo promover lideranças. “Isso
envolve design thinking [abordagem
que busca a solução de problemas de forma coletiva e colaborativa] e
inclui imaginar o mundo de perspectivas múltiplas, conectando problemas e
soluções.”
Enquanto isso, o Brasil só agora começa a flexibilizar o currículo do ensino médio, tornando-o mais maleável, ainda assim sob críticas, a maioria delas sobre a maneira como a reforma foi conduzida. Ana Inoue, assessora de assuntos educacionais do Itaú BBA, diz que a instituição, em parceria com o argentino Centro de Implementación de Políticas Públicas para la Equidad y Crescimento (CIPPEC),
realizou um amplo estudo do ensino médio em 10 países e uma região
(Ontário, Canadá). “O Brasil é o único país dos estudados sem
flexibilização”, diz. Agora, a reforma do ensino médio tenta corrigir
essa dificuldade.
Foco na trajetória dos alunos
A canadense Ontário também se tornou referência, na visão
de Inoue, por ter desenvolvido uma escola centrada no aluno, com
flexibilidade curricular, em que o estudante compõe a sua carga horária
com as disciplinas de seu interesse. São 18 créditos em matérias
obrigatórias, 12 em optativas e 40 horas de serviço comunitário.
Além disso, complementa Belén Sanchez, coordenadora de
Educação do CIPPEC, há acompanhamento constante das trajetórias
escolhidas pelos alunos. “O eixo está em o aluno construir seu projeto de vida.”
Os professores, por sua vez, também são parte importante dessa
dinâmica. São formados em duas ou mais especializações, como história e
ciências, por exemplo, ou matemática, mecânica e computação.
O foco na formação profissional está presente ainda na
Austrália, onde há quatro matérias básicas (inglês, matemática, ciências
e história). As
demais são definidas pelos Estados e ou territórios. A formação técnica é
opcional – se escolhida, é oferecida em parceria com empresas
certificadas locais. Mas existe um forte trabalho de orientação
vocacional e incentivo ao empreendedorismo.
Não se trata de uma filosofia de países mais desenvolvidos. Simon Schwartzman, associado do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), chama a atenção para o fato de o Brasil estar aquém dos demais países latino-americanos quando o assunto é ensino médio.
Os sistemas mais eficientes, prossegue o especialista, são de alguns países europeus e dos Estados Unidos.
“Nos EUA, termina-se o ensino chamado de intermediário e faz-se dois
anos de college [curso de, em média, dois anos, a maioria de caráter
profissionalizante], o que capacita os estudantes para o trabalho.”
Ricardo Paes de Barros,
economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper,
explica que o Brasil está, em termos do ensino médio, abaixo do Chile,
México, Colômbia e Cuba, por exemplo. E muito próximo de Bolívia,
Honduras e Guatemala.
Um dos grandes problemas aqui, diz, é a falta de
atratividade das escolas. “O ambiente não pode ser inflexível e
repressivo. O aluno precisa estar livre para escolher o que quer
estudar”. E não se trata de um milagre. Ele cita o exemplo de Brejo Santo, pequena e pobre cidade do interior do Ceará, onde o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é o mais alto do Brasil.
De todo modo, o país está atrasado nessa discussão. Para
Lara Simelli, professora do Departamento de Gestão Pública da FGV, o
ensino médio é foco de reforma no mundo todo desde a década de 1970.
Aqui, a discussão começou no fim dos anos 1990. Segundo ela, não é
possível “transplantar”, simplesmente, experiências de fora para cá. “Os
contextos são muito diferentes. A organização do ensino está muito
ligada a raízes históricas.”
Para Ana Inoue, a grande preocupação é não tentar
“reinventar a roda” e, nesse sentido, as experiências internacionais
servem para trazer descobertas já realizadas para que, no nosso processo
de construir um novo modelo para o ensino médio, não repitamos erros
básicos, considerando as nossas especificidades.
Como sintetiza Montezuma Dumangane, pesquisador da Comissão Europeia,
o momento é desafiador, porque “todos têm expectativas – os alunos, os
pais e o Estado”. E a flexibilização do ensino precisa ser um processo
contínuo, para não ficar defasada e engolida pelos avanços sociais e de
comportamento que a tecnologia promove.
Fonte: El País
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