O jovem que tinha uma biblioteca de livros roubados em casa: “Eu lia todos, sobre tudo”

O jovem que tinha uma biblioteca de livros roubados em casa: “Eu lia todos, sobre tudo”


Menino detido com coleção de 384 exemplares de bibliotecas públicas atraiu romaria de doadores

São Paulo
Livros recuperados na casa do adolescente
Livros recuperados na casa do adolescente
Na biblioteca municipal de Itápolis, um modesto município no Estado de São Paulo, estavam desaparecendo livros. Tantos, e com tanta velocidade, que a direção resolveu instalar câmeras para encontrar os responsáveis pela sangria. Na sexta-feira, 17 de julho, a polícia municipal descobriu que na realidade era um só, um adolescente que vinha pegar dois livros emprestados enquanto levava outros quatro escondidos na mochila. Na delegacia, o jovem, Flávio Fernando de Oliveira, de 18 anos, confessou que tinha em sua casa os demais exemplares furtados. Mas quando os agentes foram confiscá-los na residência, uma moradia modesta nos arredores de Itápolis, encontraram muito mais. Havia montanhas de livros no quarto daquele garoto. Centenas de títulos, de dezenas de gêneros e temas, provenientes das cinco bibliotecas da cidade. No total, 384 exemplares furtados, organizados e cuidados com esmero, um acervo acumulado à base de incontáveis delitos, mas também um monumento à paixão pela leitura de um adolescente solitário que preferia as páginas à rua. Quando teve de responder o que fazia com semelhante coleção, que não tinha devolvido nem tampouco vendido, Flávio respondeu: “Eu lia todos, sobre tudo”.
Sua irmã, Maria de Oliveira, contou ao jornal O Estado de S. Paulo que o gosto pela leitura era algo que tinha definido a personalidade do irmão durante toda sua vida. “Ele gosta de ler desde pequeno e ficava horas trancado no quarto, folheando os livros”, explica. “Ele é bem eclético, lê de tudo. Eu o via sempre lendo. É melhor do que ficar fazendo coisa errada na rua. Itápolis não é nem de longe a região mais insegura do Estado de São Paulo, mas tampouco tem a segurança de um bairro nobre da capital. Em janeiro, um adolescente deu um tiro na cabeça de outro menor justamente na rua de Flávio.
Essa paixão pela leitura tinha escapado ultimamente das mãos do jovem. Havia terminado os estudos no colégio e pretendia estudar psicologia em alguma universidade: a mais próxima está a quase cem quilômetros. Flávio precisava de um trabalho e a oportunidade não aparecia. Com tanto tempo livre, a demanda por livros para preencher o dia disparou. Por isso começou a furtar das bibliotecas, incluindo as de escolas, como a menina Liesel Meminger de A Menina Que Roubava Livros. “Eu pegava para ler e ia devolver, mas acabei deixando em casa”, explica ao jornal. Quando lhe perguntam por que não o fez, ele se esquiva: “Desculpe, mas não estou passando bem. Tem muita gente ligando aqui, fazendo piadas, falando coisas. Ficou uma situação desagradável.” Sua irmã também insiste na versão mais inocente possível da história: “A gente não sabia que ele pegava os livros assim. Ele sempre dizia que eram emprestados ou ganhava.”
A polícia elabora uma teoria mais rebuscada. “Minha impressão pessoal é que ele pode ter algum problema psicológico, mas a família disse que ele é normal”, avalia o delegado de polícia Daniel do Prado Gonçalves. “Vou fazer o inquérito por furto simples e encaminhar ao juiz, a quem caberá decidir que andamento será dado”, acrescenta. Sua mãe, Lúcia, preferiu cortar todos os contatos com a imprensa e contatar um advogado para a defesa do jovem.
O jovem que tinha uma biblioteca de livros roubados em casa: “Eu lia todos, sobre tudo”
Por ora, Flávio ficou sem os livros. A polícia está com eles e os devolverá às bibliotecas de onde foram furtados. E aquele teria de ser o fim da história, até que, dias depois, quando a situação foi sendo conhecida, a rádio 104FM recebeu uma chamada. Era Lúcia e vinha com uma nova resolução final: “Ela disse que estava indo uma romaria de pessoas levar livros para o rapaz e ficou preocupada com essa situação”, explicou em seu nome o apresentador, Valcir Amaral. “Fez um apelo para que o povo não faça mais isso.”

Fonte: El País

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