"Reserva de água precisa ser adaptada às mudanças climáticas"
Sonya Angelica Diehn (rg)
Em entrevista à DW, Benedito Braga, que é presidente do
Conselho Mundial da Água e secretário de Saneamento e Recursos Hídricos
de São Paulo, aborda os desafios referentes à água e rebate críticas.
Reserva da Cantareira em São Paulo durante seca em 2014.
Para Benedito Braga, governos têm que melhorar infraestrutura
Realizado a cada três anos, o fórum é uma iniciativa do Conselho Mundial da Água, uma organização com sede na França e que envolve mais de 300 entidades de mais de 50 países. Fundado em 1996, o conselho procura influenciar os tomadores de decisão de alto nível quanto a políticas públicas referentes à água.
Nesta semana, Brasília também sedia o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama). Organizado por mais de 30 entidades da sociedade civil, ele se opõe ao evento principal, que considera ligado a governos e empresas.
Em entrevista à DW, Benedito Braga, que é presidente do Conselho Mundial da Água desde 2012 e Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, aborda os desafios referentes à água e rebate críticas.
DW: Quais são as principais questões sendo debatidas no 8º Fórum Mundial da Água?
Benedito Braga: O tema principal é o compartilhamento de água, visto que existem mais de 260 bacias hidrográficas que são compartilhadas por dois ou mais países. Mas há também outros tópicos, como mudanças climáticas, o financiamento da infraestrutura relacionada à água, a questão da urbanização, a forma como a água é gerenciada em centros urbanos, os ecossistemas, a questão do abastecimento de água e saneamento, o direito humano de ter acesso a esses serviços.
Quantas pessoas sofrem com a falta de água potável?
Nossos dados apontam que cerca de 1,5 milhão de pessoas vivem em bacias hidrográficas com capacidade de abastecimento insuficiente. Há, portanto, um número muito alto de pessoas afetadas pelo que chamamos de estresse hídrico [falta de água potável].
Em quais regiões esse problema é mais intenso?
Tradicionalmente em regiões como o Oriente Médio, onde a água já é escassa naturalmente e nas quais há um grande número de pessoas consumindo água. Mas recentemente também estamos vendo diversas partes do mundo em que variações climáticas geram situações de estresse hídrico.
Na África, vemos casos no Quênia e na África do Sul, na América temos o Nordeste brasileiro e a Califórnia, enquanto na Europa há Portugal, que está passando por uma seca severa. Há diferentes partes do globo em que o estresse hídrico está acontecendo.
Como consequência das mudanças climáticas, o impacto das secas provavelmente deve aumentar. Qual será a influência de tais impactos e o que os governos deveriam estar fazendo em relação à crise hídrica?
Governos precisam aumentar sua capacidade de se adaptar às mudanças climáticas. Nas últimas conferências das partes sobre o clima (COPs), a maior parte das discussões focou em energia e na mitigação e redução das emissões de gás carbônico. Mas, na verdade, os principais problemas estão diretamente relacionados à adaptação.
Eu acredito que os governos deveriam estar aumentando sua resistência a tais mudanças por meio da melhoria de suas infraestruturas. Isso porque, de acordo com a teoria acerca da mudança climática, teremos secas mais longas e enchentes mais intensas. E nessas situações será preciso armazenar água. Quando acontecerem inundações, armazena-se água. Quando vierem as secas, economiza-se água. Essa é a adaptação que é necessária. Nós, do Conselho Mundial da Água, temos proposto durante as COPs que seja dada mais atenção à água.
São Paulo passou por uma severa crise hídrica recentemente. Algo mudou como consequência?
A região metropolitana de São Paulo passou por uma seca intensa entre os anos de 2014 e 2015. Tivemos uma seca que não poderia ter sido prevista por ter sido tão severa. O governo de São Paulo começou a lidar com o problema por meio do desenvolvimento de infraestrutura que estava no planejamento – ela estava prevista para 2020. Portanto, o estado de São Paulo precisa aumentar sua segurança da água com aumento de sua infraestrutura.
Acadêmicos e ONGs têm criticado o Conselho Mundial da Água por dar prioridade aos interesses do setor privado, como empresas e fornecedores da indústria, promovendo a privatização das fontes de água. Como você responde a essa crítica?
A crítica não está correta porque o Fórum Mundial da Água é aberto a todos que quiserem trazer suas próprias perspectivas. Não há preferência entre privado e público. Nós nunca tomamos qualquer posição quanto a dizer que um ou outro seja melhor.
Qualquer um pode prestar um bom serviço – tanto o público quanto o privado – desde que os mais pobres sejam atendidos por uma boa companhia de abastecimento de água e de saneamento.
O que eu entendo como centro da crítica é o fato de que a água é uma necessidade humana básica e que a privatizar coloca um valor monetário em tal necessidade. Ou seja, a privatização de recursos dos quais as pessoas dependem para sobreviver. Você vê um problema nisso?
Não existe água privada – apenas no Chile, que eu acho que é um dos únicos países no mundo em que isso acontece. No restante, a água é um bem público. Nas constituições dos países isso é muito claro. Agora, os serviços de tratamento de água para torná-la potável e de saneamento, esses podem ser tanto públicos quanto privados, mas não a água.
Então fica à escolha de cada município se a prestação desses serviços será feito por uma empresa pública ou privada. O Fórum Mundial da Água não é a favor nem do privado nem do público – cada um tem suas desvantagens.
Fonte: DW
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