Pare de falar em vício em Internet
A única conduta viciante estudada como um problema e que é praticada na Internet é o jogo ‘online’
Eparquio Delgado
Suposto transtorno mental foi formulado por um prestigioso psiquiatra, que o inventou para fazer uma brincadeira. Agora muitos profissionais prometem curar essa ‘doença’. Mas se fizemos da Rede nosso modo de vida, quer dizer que somos todos viciados?
A empresária e pesquisadora foi a responsável por divulgar a nova síndrome em escala planetária através de seus livros e materiais e, sem esconder o conflito de interesse, patenteou sua própria terapia para o tratamento do suposto transtorno e possui seu próprio programa de recuperação. Muitos profissionais viram nessa nova síndrome a possibilidade de ampliar o negócio. Conforme o número de usuários crescia começaram a surgir clínicas em todos os países do mundo, da China à Espanha. Por sua vez, a imprensa irresponsavelmente ajudou na difusão da nova doença. Ao chegar a esse ponto, o vício em Internet ficou constituído como um novo transtorno mental. Um diagnóstico com muitas falhas.
A Associação Americana de Psiquiatria, entretanto, decidiu não incluí-lo como tal na última versão do DSM, e essa associação não se caracteriza exatamente por ter melindres no momento de aceitar novos diagnósticos em seu manual. Um pouco de sensatez. Se usamos de forma coloquial a palavra vício não há problema, mas se queremos falar com rigor devemos fazê-lo nos casos em que corresponde. Quando as palavras deixam de se referir a algo concreto, então perdem seu significado. Menos mal que as mães e os pais parecem ser mais sensatos do que alguns profissionais, veículos de comunicação e juízes fãs de holofotes.
A maioria entende que o uso desmedido dos computadores, do celular e dos tablets pode ser problemático e é preciso abordá-lo, mas não como um problema clínico e sim educativo. Esses pais não levam seus filhos às consultas de psicologia porque passam muito tempo diante da tela e não planejam interná-los em clínicas de desintoxicação para “acabar com o vício”. Pelo contrário, entendem perfeitamente que se trata de um fenômeno cultural e que é preciso aprender a lidar com ele, como quando chegaram a televisão e os videogames. Felizmente, nem sempre as campanhas do medo levam a melhor contra o senso de realidade.
Fonte: El Pais
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