Cacau, mudanças climáticas e Amazônia: qual será o futuro do chocolate?
Sensíveis às condições ambientais, amêndoas do cacau tem como desafio acompanhar a demanda mundial por chocolate
Responsáveis pelo redesenho,em diversas áreas, da distribuição agrícola e alimentícia no mundo todo, as mudanças climáticas podem atingir, de maneira mais abrupta, a cultura do cacau, responsável pela produção de um dos doces mais famosos e consumidos do mundo, o chocolate. O fato de exigir ambientes quentes e úmidos pode dificultar, ou ao menos modificar, a distribuição dos cacaueiros nas regiões produtoras.
Concentrada em países de clima tropical, a produção atual de amêndoas de cacau acompanha a demanda mundial, com cerca de 4,3 milhões de toneladas por ano, embora os números possam variar de acordo com as condições do ambiente. Em poucos anos, contudo, a demanda deve aumentar para 5 milhões de toneladas, enquanto a produção global aumenta em apenas 1,7% ao ano. Isso preocupa o futuro da amêndoa.
Para o diretor executivo da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Eduardo Bastos, o “chocolate não deve acabar”. Ele considera que, apesar de dificuldades que possam surgir, o setor tem se mantido estável no Brasil e projeta soluções para aumentar a produção, tanto nacional como global, da amêndoa nas próximas décadas.
“Quem é pessimista olha hoje as condições que temos, com aquecimento global e mudanças climáticas, os problemas de mão-de-obra e sucessão rural na África, além da dependência do governo e instabilidade política do continente, diz que ‘o chocolate vai acabar’”, avalia Bastos. “É importante se atentar para as ameaças, mas o potencial de crescimento da cultura ainda é muito grande”.
73% da produção mundial de cacau (mais de 3 milhões de toneladas) está, de fato, concentrada na África, principalmente em quatro países: Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões. Na Ásia, a Indonésia ainda é o maior produtor, embora tenha passado por uma queda nos últimos anos. Quem ascende como potencial player do mercado mundial é o Equador, que produz 300 mil toneladas ao ano.
O Brasil vem na sétima posição, girando em torno de 200 mil toneladas, o que é insuficiente para abastecer o mercado interno. A quantidade que falta costumava vir da Costa do Marfim, mas, depois de imposições sanitárias, passou a provir de Gana.
“Os quatro grande produtores africanos ficam muito próximos ao deserto do Saara. Com as mudanças climáticas, o clima desses locais, tradicionalmente úmido, pode ficar seco, o que, além das consequências diretas, permite a chegada do vento quente do norte da África. A produção de cacau, por ser sensível à temperatura e à umidade, pode ser posta em risco”, afirma Bastos.
De acordo com publicação do Centro para a Agricultura Tropical, de 2013, boa parte das lavouras dos dois maiores produtores mundiais de cacau, Costa do Marfim e Gana, estarão menos propensas à produção da amêndoa, caso as temperaturas médias globais subam em 2º C até 2050.
Já na América do Sul, em especial no Equador, por ter uma cultura irrigada, a secura não deve ser o principal fator prejudicial às amêndoas, mas sim a oscilação provocada pelos fenômenos El Niño e La Niña.
O potencial do Brasil e da Amazônia
Para o diretor da AIPC, o Brasil é um país-chave para a manutenção da oferta de cacau no mundo, já que possui uma grande área de expansão, não tem tanto problema com trabalho escravo como os países africanos e é o 5º maior consumidor de chocolate do mundo, o único país que “planta, processa e come”.
“Ou o Brasil cresce ou o mundo terá problemas. Embora eu não veja risco do chocolate acabar no curto ou médio prazo, é importante que nosso país cresça e volte a ser um player mundial, como foi no passado. É o fim do mundo para nosso país, com o tamanho que possui, ter de importar cacau”, analisa Bastos.
O estado da Bahia sempre dominou a produção brasileira de cacau, chegando a produzir 400 mil toneladas ao ano, antes da crise da vassoura-de-bruxa, doença provocada por um fungo. O predomínio em terras baianas sempre foi o do cacau crioulo, variedade de maior qualidade que, em contrapartida, é mais sensível a doenças e ao clima. Hoje, apesar de mostrar sinais de recuperação, a Bahia passou a contar com a concorrência de outro estado brasileiro.
O Pará tem aproveitado a maior estabilidade climática da região amazônica e a fácil adaptação do cacau, nativo da região, para se unir ao baianos no protagonismo nacional. De acordo com a AIPC, o estado do Norte do país já produz 45% do cacau nacional, enquanto estimativa do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) aponta que o cacau paraense representa 54% do total.
“Partindo de Altamira, são cerca de 200 quilômetros de plantações de cacau. No Pará, temos o solo e o clima perfeitos para a cultura, que quebra o ciclo da vassoura-de-bruxa. Além disso, possuímos uma variedade de cacau mais rica em gordura, cujo ponto de fusão é ideal para a produção do chocolate”, conta a produtora Eunice Gutzeit, proprietária da Fazenda Panorama, localizada em Uruará (PA).
Apesar de possuir menos hectares plantados, a produtividade em terras paraenses é quase o dobro da em terras baianas: 910 kg/hectare ante 500 kg/hectare do estado nordestino. Por outro lado, o fato de o cacau ser uma cultura de agrofloresta potencializa suas expectativas na Amazônia, além de favorecer a preservação ambiental.
“A saída está na Amazônia. A plantação na floresta é mais resistentes às mudanças, mantém certa umidade e possui maior estabilidade climática. Além disso, seria possível, com o cacau, restaurar áreas florestais degradadas, já que ele é nativo daquele ambiente”, conta Bastos.
“O futuro do chocolate está na floresta”, diz Eunice. “O cacau é um cultivo genuinamente amazônico, que recupera áreas de floresta, gera empregos e promove a sustentabilidade”.
A Cacauway, cooperativa localizada na cidade de Medicilândia (PA), é exemplo disso. Depois do incentivo à ocupação da região nos anos 1970, os produtores viram a produção crescer ao longo das décadas, ao mesmo tempo em que preservavam a floresta. Nos últimos anos, decidiram produzir seu próprio chocolate, que já é vendido em diversas regiões do país.
“Achamos que o mais difícil seria fazer chocolate. Fazer chocolate é fácil. O difícil é produzir amêndoas de qualidade”, afirma Hélia Félix, fundadora da cooperativa.
Além disso, a Cacauway produz embalagens artesanais, a partir das folhas do cacau, gerando mais emprego e renda para a região. “Importar embalagens do sul do país encarecia muito nosso produto”, conta Félix.
O setor de cacau no Brasil movimenta cerca de 25 bilhões de reais ao ano, considerando toda a cadeia, até a venda do chocolate, de acordo com a AIPC. Além do doce, também é possível usar a polpa branca para fazer sucos e geleias, além de rações e fertilizantes com a casca.
O objetivo da indústria processadora é dobrar a produção nacional em 10 anos, chegando a 400 mil toneladas em 2028, o que tornaria o Brasil o terceiro maior produtor do mundo. Para os cacaueiros, a ideia é melhorar a produtividade e rentabilidade, além de baixar os custos de mão-de-obra – hoje, uma família é capaz de cuidar, no máximo, de um plantação de 10 hectares.
Os produtores de chocolate mais fino desejam também a alteração da lei do país, em que pode ser definido como chocolate os compostos que tenham ao menos 25% de cacau. A solicitação é de que o percentual exigido aumente. Antes da crise da vassoura-de-bruxa, ele era de 32%.
“Queremos aumentar a demanda por um chocolate mais fino, para não ficar dependente das mesmas empresas que compram o cacau commodity. Além disso, é importante que o governo incentive a produção nacional, com uma melhor infraestrutura logística e distribuição das empresas de processamento”, avalia Eunice.
Tecnologia na lavoura
Diversas pesquisas científicas vêm sendo feitas com o intuito de auxiliar o desenvolvimento das lavouras de cacau. Para Sulamita Franco, doutora em biologia molecular, especialistas em cacau e consultora do CIB, é importante que a ciência trabalhe com os piores cenários, a fim de poder evitá-los.
“O fim do chocolate é um cenário muito extremo, mas, com as mudanças climáticas, temos de prever ameaças à produtividade”, avalia Sulamita.
Ela explica que a biotecnologia auxilia as lavouras de cacau desde os anos 1990, a partir do mapeamento do genoma da vassoura-de-bruxa. “Entender a relação doença-fungo permite direcionar a produção de moléculas para controlar a doença e modificar geneticamente o cacau, para que se torne mais resistente”, declara a especialista.
A ciência também pode indicar a melhor maneira de manejar a lavoura, já que a poda em determinadas épocas de reprodução do fungo podem facilitar a infestação.
Nos EUA, duas linhas de pesquisa apresentam possíveis recursos a serem utilizados pelos produtores de cacau. O primeiro é o “silenciamento” dos genes sensíveis à praga, através das técnicas de melhoramento genético e edição gênica.
A segunda é a introdução de genes que possam tornar o cacau menos sensíveis à região seca, por exemplo. Em Berkeley, pesquisadores estudam inserir parte do DNA da mandioca para este fim.
Fonte: EFE
Sensíveis às condições ambientais, amêndoas do cacau tem como desafio acompanhar a demanda mundial por chocolate
Foto: Pixabay
Responsáveis pelo redesenho,em diversas áreas, da distribuição agrícola e alimentícia no mundo todo, as mudanças climáticas podem atingir, de maneira mais abrupta, a cultura do cacau, responsável pela produção de um dos doces mais famosos e consumidos do mundo, o chocolate. O fato de exigir ambientes quentes e úmidos pode dificultar, ou ao menos modificar, a distribuição dos cacaueiros nas regiões produtoras.
Concentrada em países de clima tropical, a produção atual de amêndoas de cacau acompanha a demanda mundial, com cerca de 4,3 milhões de toneladas por ano, embora os números possam variar de acordo com as condições do ambiente. Em poucos anos, contudo, a demanda deve aumentar para 5 milhões de toneladas, enquanto a produção global aumenta em apenas 1,7% ao ano. Isso preocupa o futuro da amêndoa.
Para o diretor executivo da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Eduardo Bastos, o “chocolate não deve acabar”. Ele considera que, apesar de dificuldades que possam surgir, o setor tem se mantido estável no Brasil e projeta soluções para aumentar a produção, tanto nacional como global, da amêndoa nas próximas décadas.
“Quem é pessimista olha hoje as condições que temos, com aquecimento global e mudanças climáticas, os problemas de mão-de-obra e sucessão rural na África, além da dependência do governo e instabilidade política do continente, diz que ‘o chocolate vai acabar’”, avalia Bastos. “É importante se atentar para as ameaças, mas o potencial de crescimento da cultura ainda é muito grande”.
73% da produção mundial de cacau (mais de 3 milhões de toneladas) está, de fato, concentrada na África, principalmente em quatro países: Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões. Na Ásia, a Indonésia ainda é o maior produtor, embora tenha passado por uma queda nos últimos anos. Quem ascende como potencial player do mercado mundial é o Equador, que produz 300 mil toneladas ao ano.
O Brasil vem na sétima posição, girando em torno de 200 mil toneladas, o que é insuficiente para abastecer o mercado interno. A quantidade que falta costumava vir da Costa do Marfim, mas, depois de imposições sanitárias, passou a provir de Gana.
“Os quatro grande produtores africanos ficam muito próximos ao deserto do Saara. Com as mudanças climáticas, o clima desses locais, tradicionalmente úmido, pode ficar seco, o que, além das consequências diretas, permite a chegada do vento quente do norte da África. A produção de cacau, por ser sensível à temperatura e à umidade, pode ser posta em risco”, afirma Bastos.
De acordo com publicação do Centro para a Agricultura Tropical, de 2013, boa parte das lavouras dos dois maiores produtores mundiais de cacau, Costa do Marfim e Gana, estarão menos propensas à produção da amêndoa, caso as temperaturas médias globais subam em 2º C até 2050.
Já na América do Sul, em especial no Equador, por ter uma cultura irrigada, a secura não deve ser o principal fator prejudicial às amêndoas, mas sim a oscilação provocada pelos fenômenos El Niño e La Niña.
O potencial do Brasil e da Amazônia
Para o diretor da AIPC, o Brasil é um país-chave para a manutenção da oferta de cacau no mundo, já que possui uma grande área de expansão, não tem tanto problema com trabalho escravo como os países africanos e é o 5º maior consumidor de chocolate do mundo, o único país que “planta, processa e come”.
“Ou o Brasil cresce ou o mundo terá problemas. Embora eu não veja risco do chocolate acabar no curto ou médio prazo, é importante que nosso país cresça e volte a ser um player mundial, como foi no passado. É o fim do mundo para nosso país, com o tamanho que possui, ter de importar cacau”, analisa Bastos.
O estado da Bahia sempre dominou a produção brasileira de cacau, chegando a produzir 400 mil toneladas ao ano, antes da crise da vassoura-de-bruxa, doença provocada por um fungo. O predomínio em terras baianas sempre foi o do cacau crioulo, variedade de maior qualidade que, em contrapartida, é mais sensível a doenças e ao clima. Hoje, apesar de mostrar sinais de recuperação, a Bahia passou a contar com a concorrência de outro estado brasileiro.
O Pará tem aproveitado a maior estabilidade climática da região amazônica e a fácil adaptação do cacau, nativo da região, para se unir ao baianos no protagonismo nacional. De acordo com a AIPC, o estado do Norte do país já produz 45% do cacau nacional, enquanto estimativa do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) aponta que o cacau paraense representa 54% do total.
“Partindo de Altamira, são cerca de 200 quilômetros de plantações de cacau. No Pará, temos o solo e o clima perfeitos para a cultura, que quebra o ciclo da vassoura-de-bruxa. Além disso, possuímos uma variedade de cacau mais rica em gordura, cujo ponto de fusão é ideal para a produção do chocolate”, conta a produtora Eunice Gutzeit, proprietária da Fazenda Panorama, localizada em Uruará (PA).
Apesar de possuir menos hectares plantados, a produtividade em terras paraenses é quase o dobro da em terras baianas: 910 kg/hectare ante 500 kg/hectare do estado nordestino. Por outro lado, o fato de o cacau ser uma cultura de agrofloresta potencializa suas expectativas na Amazônia, além de favorecer a preservação ambiental.
“A saída está na Amazônia. A plantação na floresta é mais resistentes às mudanças, mantém certa umidade e possui maior estabilidade climática. Além disso, seria possível, com o cacau, restaurar áreas florestais degradadas, já que ele é nativo daquele ambiente”, conta Bastos.
“O futuro do chocolate está na floresta”, diz Eunice. “O cacau é um cultivo genuinamente amazônico, que recupera áreas de floresta, gera empregos e promove a sustentabilidade”.
A Cacauway, cooperativa localizada na cidade de Medicilândia (PA), é exemplo disso. Depois do incentivo à ocupação da região nos anos 1970, os produtores viram a produção crescer ao longo das décadas, ao mesmo tempo em que preservavam a floresta. Nos últimos anos, decidiram produzir seu próprio chocolate, que já é vendido em diversas regiões do país.
“Achamos que o mais difícil seria fazer chocolate. Fazer chocolate é fácil. O difícil é produzir amêndoas de qualidade”, afirma Hélia Félix, fundadora da cooperativa.
Além disso, a Cacauway produz embalagens artesanais, a partir das folhas do cacau, gerando mais emprego e renda para a região. “Importar embalagens do sul do país encarecia muito nosso produto”, conta Félix.
O setor de cacau no Brasil movimenta cerca de 25 bilhões de reais ao ano, considerando toda a cadeia, até a venda do chocolate, de acordo com a AIPC. Além do doce, também é possível usar a polpa branca para fazer sucos e geleias, além de rações e fertilizantes com a casca.
O objetivo da indústria processadora é dobrar a produção nacional em 10 anos, chegando a 400 mil toneladas em 2028, o que tornaria o Brasil o terceiro maior produtor do mundo. Para os cacaueiros, a ideia é melhorar a produtividade e rentabilidade, além de baixar os custos de mão-de-obra – hoje, uma família é capaz de cuidar, no máximo, de um plantação de 10 hectares.
Os produtores de chocolate mais fino desejam também a alteração da lei do país, em que pode ser definido como chocolate os compostos que tenham ao menos 25% de cacau. A solicitação é de que o percentual exigido aumente. Antes da crise da vassoura-de-bruxa, ele era de 32%.
“Queremos aumentar a demanda por um chocolate mais fino, para não ficar dependente das mesmas empresas que compram o cacau commodity. Além disso, é importante que o governo incentive a produção nacional, com uma melhor infraestrutura logística e distribuição das empresas de processamento”, avalia Eunice.
Tecnologia na lavoura
Diversas pesquisas científicas vêm sendo feitas com o intuito de auxiliar o desenvolvimento das lavouras de cacau. Para Sulamita Franco, doutora em biologia molecular, especialistas em cacau e consultora do CIB, é importante que a ciência trabalhe com os piores cenários, a fim de poder evitá-los.
“O fim do chocolate é um cenário muito extremo, mas, com as mudanças climáticas, temos de prever ameaças à produtividade”, avalia Sulamita.
Ela explica que a biotecnologia auxilia as lavouras de cacau desde os anos 1990, a partir do mapeamento do genoma da vassoura-de-bruxa. “Entender a relação doença-fungo permite direcionar a produção de moléculas para controlar a doença e modificar geneticamente o cacau, para que se torne mais resistente”, declara a especialista.
A ciência também pode indicar a melhor maneira de manejar a lavoura, já que a poda em determinadas épocas de reprodução do fungo podem facilitar a infestação.
Nos EUA, duas linhas de pesquisa apresentam possíveis recursos a serem utilizados pelos produtores de cacau. O primeiro é o “silenciamento” dos genes sensíveis à praga, através das técnicas de melhoramento genético e edição gênica.
A segunda é a introdução de genes que possam tornar o cacau menos sensíveis à região seca, por exemplo. Em Berkeley, pesquisadores estudam inserir parte do DNA da mandioca para este fim.
Fonte: EFE
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