Alerta para um programa militar dos EUA que usa insetos para espalhar vírus
Gerar link
Facebook
X
Pinterest
E-mail
Outros aplicativos
Alerta para um programa militar dos EUA que usa insetos para espalhar vírus
Objetivo do projeto é a proteção de lavouras, mas cientistas europeus temem seu possível uso como arma biológica
Miguel Ángel Criado
Uma instância de mosca branca, em uma planta infetada.Auscape/UIG via Getty Images
Quatro equipes de cientistas dos EUA pesquisam vírus geneticamente
modificados para que possam alterar o DNA das lavouras. Para propagar o
vírus, seriam usadas várias espécies de insetos também modificadas. O
objetivo declarado do programa, financiado pelos militares,
é proteger as colheitas de uma seca repentina, geadas... ou um ataque
externo. No entanto, outros pesquisadores alertam agora que os insetos
com os vírus mutantes podem se tornar uma arma biológica descontrolada.
A Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa
(DARPA na sigla em inglês), que pertence ao Departamento de Defesa dos
EUA, divulgou sua ideia de transformar insetos nocivos em aliados em
2016, embora os quatro projetos selecionados para o programa Insect
Allies só tenham sido anunciados no fim do ano passado. Tudo neles é
ciência e tecnologias extremas, no limite da ficção científica. As quatro pesquisas ocorrem paralelamente e todas têm os mesmos três elementos: um vírus ou bactéria, um inseto
e uma planta-alvo. Na pesquisa conduzida por pesquisadores da
Universidade da Pensilvânia (Penn State), por exemplo, os cientistas
querem usar vírus do gênero Begomovirus, que ataca plantações
como a as de tomate, para proteger as plantas do mau tempo. A intenção
é, depois de neutralizar sua carga viral, adicionar-lhe um determinado
gene vegetal que expresse uma característica protetora, como maior
resistência ao frio, por exemplo. Para propagar o vírus, cogitam usar
uma das piores pragas do tomate, a mosca branca.
O programa é financiado pela DARPA, a agência de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA
“Hoje, um agricultor não pode fazer muito para salvar sua safra se as previsões meteorológicas
apontarem uma forte seca para o próximo mês”, disse o líder do projeto
da Penn State, Wayne Curtis, depois de ter sido um dos selecionados pela
DARPA. “Embora possamos desenvolver uma variedade da planta que aguente
um tipo de estresse, a natureza das novas doenças e pragas ameaça
suplantar as melhorias proporcionadas pela reprodução tradicional e as
modificações genéticas. Procuramos desenvolver uma tecnologia que dê uma
resposta rápida que permita a distribuição de genes que protejam as
plantas quando o necessitem, já plantadas”, acrescentou. Essa rapidez de reação é uma das grandes novidades do Insect Allies.
Até agora, as variedades de plantas com uma determinada melhoria
precisam de anos para se desenvolver e, uma vez obtida, acrescentá-la às
sementes para o próximo plantio. Aqui pretendem inseri-la em plantas já
adultas. Seria então uma transferência horizontal, não vertical. Outra
inovação é o uso da técnica de edição genética CRISPR
para modificar o gene vegetal alvo com a ajuda do vírus. Em relação à
manipulação de insetos, embora não tenham sido divulgados detalhes de
como seria realizada, já existem experimentos que conseguiram fazê-la em
um processo de evolução forçada chamado genética dirigida. “O programa Insect Allies tem pouco a ver com a genética dirigida,
pois propõe usar insetos para transmitir mutações às culturas, não aos
membros de sua própria espécie”, lembra o biólogo
do Instituto Max Planck de Biologia Evolutiva (Alemanha), Derek
Caetano-Anollés. “Qualquer um que tenha se preocupado com a genética
dirigida deveria estar muito mais preocupado com o Insect Allies”,
acrescenta. Junto com outros biólogos europeus, Caetano-Anollés publicou um artigo na revista Science
que alerta sobre os riscos do programa da DARPA. O documento é parte de
uma iniciativa maior que busca desmantelar o Insect Allies antes que
possa ter sucesso. Os autores reconhecem que esse tipo de tecnologia
pode ter muitos usos positivos, mas também um uso duplo: a guerra
biológica. “O que nos preocupa é que a tecnologia do Insect Allies pode ser
convertida facilmente em uma arma. Pior ainda, pode ser feita de uma
maneira extremamente encoberta e difícil de rastrear. Os insetos podem
ser projetados para infectar as culturas de um inimigo, matando as
plantas ou esterilizando suas sementes, e ninguém saberia o que teria
acontecido até o plantio seguinte”, diz Caetano-Anollés. Portanto, outra crítica que esses biólogos fazem aos planos da DARPA é
a sua fixação em que se usem precisamente insetos para propagar os
vírus. Para os autores do artigo, existem tecnologias de dispersão
mecânica tão ou mais eficazes e mais controláveis que a liberação de
milhares ou milhões de insetos com um vírus nas costas. Mas a principal
denúncia é que o Insect Allies pode ser a desculpa para outros países
desenvolverem seus próprios programas baseados no programa. Como diz o
biólogo do Max Planck: “No pior dos casos, isso já pode estar
acontecendo e os EUA já podem ter aberto a caixa de Pandora que mudará a
guerra para sempre, independentemente de o programa da DARPA funcionar
ou não”.
A grande vantagem do Insect Allies é que as mudanças genéticas nas plantas surtiriam efeito imediatamente
A agência norte-americana reconhece o risco de um possível duplo uso
da tecnologia, algo que, considera, sempre acompanha uma novidade como
essa. Ainda assim, o diretor do Insect Allies, o entomologista Blake
Bextine, defende seu programa do resto das críticas lembrando o objetivo
para o qual foi criado: “A DARPA criou o Insect Allies para oferecer
novas capacidades para proteger os EUA, especialmente a de responder
rapidamente às ameaças ao fornecimento de alimentos”, diz Bextine.
COMO TRANSFORMAR VÍRUS E PRAGAS EM ALIADOS
Praga do pulgão do milho, uma das que estão sendo pesquisadas.Meena Haribal
M.Á.C
O programa Insect Allies, iniciado no ano passado, selecionou quatro
projetos diferentes, dos quais participam cientistas de várias
universidades dos EUA. Não há praticamente nenhuma informação detalhada
sobre eles e apenas os diretores de dois projetos responderam às
perguntas deste jornal. Além do projeto com vírus e mosca branca no tomate da Penn State (ver
texto principal), dois outros trabalham com o milho, o principal
produto da agricultura norte-americana. Um deles, lançado por biólogos
moleculares e entomologistas da Universidade Estadual de Ohio, tem como
objetivo resgatar as plantas de milho uma vez que sejam atacadas por
patógenos mediante vírus manipulados. Para isso, o projeto ainda tem de
identificar os genes da planta a serem trabalhados. Apenas um dos projetos, o liderado pelo biólogo molecular da
Universidade do Texas em Austin, Jeffrey Barrick, não usa vírus para
modificar as plantas. Neste caso, a equipe pesquisa uma bactéria
hospedeira de um pulgão que ataca as vagens. No caso do Instituto Boyce
Thompson, os cientistas dispõem de quatro anos (atualmente três) e 10
milhões de dólares para o projeto VIPER. Estão trabalhando com
cicadélidos, insetos conhecidos como cigarrinhas, no cultivo do milho. Um elemento essencial do programa é a segurança. Cada um dos quatro
projetos tem de criar uma chave de segurança para cada elemento do
sistema (vírus, insetos e planta) que possa ser ativada em uma
emergência, ou que limite o alcance geográfico ou temporal de seus
efeitos. Entre as medidas está a liberação de insetos estéreis ou com um
período de vida mais curto. Inclusive estão trabalhando para que a
vantagem adquirida pela planta graças ao vírus seja temporária. Georg Jander, chefe do projeto VIPER, explica uma das possíveis
medidas de segurança: “Determinados genes nos vírus são necessários
apenas para a transmissão pelos insetos, mas não para sua replicação e
infecção das plantas. Se alguém obtém uma planta geneticamente
modificada que expressa esse gene, o vírus pode fazer uso da proteína
codificada e ser transmitido pelos insetos. No entanto, se o inseto
transmite o vírus a uma planta não projetada, por exemplo, em um campo
de milho, o vírus pode infectar a planta, mas não pode ser
retransmitido”.
Comentários
Postar um comentário
Todas postagem é previamente analisada antes de ser publicada.