Brasileiro de 20 anos cria sistema de comunicação com pessoas em coma
Luiz Fernando
da Silva Borges desenvolveu um sistema capaz de traduzir pensamentos que
será testado na Santa Casa de Campo Grande (MS)
5 out 2018, 10h07 - Publicado em 4 out 2018, 20h45
São Paulo — Com apenas 20 anos, o jovem cientista brasileiro Luiz Fernando da Silva Borges está desenvolvendo um sistema de comunicação com pessoas que estão em coma. Dentro de seu quarto em Aquidauana, interior do Mato Grosso do Sul, Borges criou um computador capaz de ler as mentes dos pacientes.
O brasileiro venceu na
categoria engenharia biomédica em 2016 e 2017 o Intel International
Science and Engineering Fair, prêmio promovido pela multinacional de
tecnologia Intel e que destaca projetos em ciência e engenharia.
O reconhecimento ajudou
Borges a encontrar investidores. Em 2017, ele recebeu um investimento de
150 mil reais para desenvolver um computador que, quando conectado ao
cérebro de pacientes em coma, consegue detectar e traduzir sinais para
que a pessoa possa se comunicar.
O patrocínio veio de
Ricardo Nantes, fundador do Portal Educação, presidente da startup
Empodera e investidor-anjo. “É uma aposta. Pode ter um retorno alto, mas
também tem um risco alto”, afirma Nantes.
Entusiasta de projetos
relacionados à ciência e educação, Nantes vê futuro na ideia de Borges.
“Percebi que ele tinha uma capacidade de empreender muito grande. Com 17
anos, sem recursos e sem acesso, ele já começou a fazer ciência sem se
importar com as dificuldades”, conta o investidor.
Na adolescência, Borges
criou um novo método de controle de próteses. Seu sistema visava para
recuperar a sensibilidade tátil de pessoas que perderam o antebraço. Sua
prótese venceu o prêmio da Intel em 2016.
No ano seguinte, o jovem
apresentou o projeto Hermes Braindeck. “Existe uma técnica que mostra
que pessoas em coma podem se comunicar, mas até hoje não existia uma
tecnologia portátil para isso”, afirma.
Inspirado em uma pesquisa
do neurocientista britânico Adrian Owen publicada na revista Science em
2006, Borges desenvolveu um equipamento portátil que poderia traduzir os
sinais de quem estivesse em coma. Em sua pesquisa, Owen mostrou que é
possível se comunicar com pessoas em coma usando um aparelho de
ressonância magnética.
Borges pegou o conceito e
tornou-o portátil. “Quis tornar esse tipo de comunicação possível ao
lado do paciente”, diz. Borges criou um computador que lê as reações do
cérebro do paciente ao ouvir perguntas.
O paciente usa uma touca
com vários fios conectados a sensores e um fone de ouvido para receber
instruções. Pede-se ao paciente para imaginar o movimento da mão direita
e o da mão esquerda. Cada pensamento ativa uma parte diferente do
cérebro. A máquina de Borges traduz esses padrões em respostas positivas
(sim) ou negativas (não). Dessa forma, o paciente consegue responder
perguntas dos médicos e dos familiares.
“Nos hospitais, não existe
ferramenta para medir a resposta da pessoa em coma sem ser a ressonância
magnética, que não tem como ser usada no dia a dia”, afirma Borges.
Em testes com pessoas
saudáveis, seu sistema teve 80% de precisão em reconhecer os dois
padrões de resposta. Borges testou o Hermes Braindeck em 50 voluntários.
Até o fim deste ano, o
jovem espera poder testar o aparelho portátil em pacientes da Santa Casa
de Campo Grande com ajuda de profissionais da Universidade Católica Dom
Bosco, no Mato Grosso do Sul.
Esperança
“O coma é a perda do
sistema de alerta”, explica o neurologista Ivan Okamoto, do Hospital
Albert Einstein, em São Paulo, que não está envolvido no projeto de
Borges. Diferentes tipos de lesão podem levar uma pessoa ao coma:
traumáticas, inflamatórias, infecciosas, sistêmicas, tumoral, vascular.
Existem várias fases do
coma. O estado mais grave é o vegetativo. “Continua funcionando coração,
a respiração, o intestino, mas não tem consciência. É como se a máquina
funcionasse no automático”, diz Okamoto. Durante um coma, no entanto, o
cérebro continua na ativa. A possibilidade de sair do estado varia da
gravidade do caso. “O coma não é uma sentença, é um sintoma”, afirma.
Quem sobrevive à situação,
às vezes relata momento de consciência, conta Borges. O neurologista
afirma que, por conta desse tipo de relato, há uma orientação aos
médicos de não comentar sobre a situação do paciente perto dele.
Para os familiares de um
paciente em coma, o momento também é delicado e exige cuidado. Com sua
invenção, Borges espera entregar aos parentes a possibilidade de ouvir
novamente o ente querido.
“Quero que pessoas
irresponsivas possam ter a dignidade de se comunidade ou de ter suas
últimas palavras. Têm histórias de pessoas, que, mesmo conscientes, não
conseguiram se despedir dos familiares”, diz Borges. “É uma questão de
humanidade.”
Fonte: EXAME
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