Egiptologia: a ciência que
passa pelos faraós... e pelos excrementos de burro
EFE Luxor
(Egito)
21 fev
2019
EFE/
cedida pela UFMG
EFE/
cedida pela UFMG
É possível
que uma relíquia dos faraós e excremento de burro, usado como combustível por
camponeses egípcios, possam dividir espaço em um museu? Uma missão de
arqueólogos brasileiros e argentinos, disposta a oferecer um olhar diferente da
egiptologia, acredita que sim.
"Fui
tratado como louco", conta o arqueólogo brasileiro José Roberto Pellini,
em referência à expressão de incredulidade de seus colaboradores egípcios no
início de sua campanha de exploração na paisagem desértica da necrópole de
Luxor, no sul do Egito, no fim de 2016.
Os
egípcios não davam crédito - segundo o arqueólogo brasileiro - quando o viram
ocupado recolhendo latas de conserva amassadas, sapatos velhos e bitucas de
cigarro ao invés de escavar a pedra para chegar o mais rápido possível à câmara
funerária do túmulo em que trabalha, pertencente a Amenenhet, um poderoso
sacerdote que viveu em torno de 1800 a.C. na corte do faraó Tutmés III.
Pellini
explica que, como é natural, o principal objetivo de sua expedição é encontrar
os tesouros escondidos no túmulo faraônico, que nunca antes foi escavado e, até
agora, oferece indícios promissores sobre as riquezas que esconde em seu
interior.
Mas
também pretende contar a história, menosprezada por muitos arqueólogos, dos
egípcios que viveram nesta região nos últimos 3.500 anos e que usaram os
antigos túmulos como moradia ou como templos cristãos.
Por isso,
os restos que para muitos egiptólogos são mero "lixo" representam um
tesouro para este grupo de arqueólogos brasileiros e argentinos.
"Tentamos
pensar de forma diferente uma egiptologia que foi retratada e escrita da mesma
forma há 300 anos, partindo de um olhar sul-americano", comentou Pellini,
professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O túmulo
de Amenenhet, como muitos outros na necrópole da antiga Tebas, foi utilizado
como residência, pelo menos desde o século 16 até o início do 20.
A casa
contava inclusive com um curral que ocupava a parte frontal do edifício
funerário, onde os burros pastavam entre hieróglifos e baixos-relevos que,
segundo Pellini, são de uma qualidade "incomparável".
A
antropóloga argentina Bernarda Marconetto relata que as paredes do túmulo, onde
os olhos de um egiptólogo europeu ou americano só veem arte, foram usadas pelos
moradores do lugar "para juntar estrume que se transforma em combustível
depois de secar".
"Para
nós, parece maravilhoso, o que para outros é um susto. Ver como o que para
alguns é arte, para outros é um espaço para suas necessidades de
combustível", comentou a professora da Universidade Nacional de Córdoba
(Argentina).
Os
arqueólogos egípcios que colaboram com a expedição, que no início olhavam com
desconfiança para o trabalho de seus colegas, começaram a entender o propósito
de sua pesquisa.
Segundo
Marconetto, a supervisora da escavação está "fascinada" com a ideia e
inclusive propôs criar um museu dedicado à ocupação "qurnawi", nome
com o qual designavam a si mesmos os moradores da necrópole de Tebas, a antiga
capital faraônica.
Marconetto
ressalta que sua equipe não pretende "ser a voz da verdade" nem
"mudar a ideia" de egiptologia de todo o mundo, mas apresentar uma
visão "de outros ângulos" que une a perspectiva da arte faraônica com
o estudo dos "vivos da necrópole".
Pellini
lembra que o governo egípcio retirou a população que vivia na necrópole entre
os anos 1990 e 2006 e assegura que, naquela época, "nenhum arqueólogo
levantou voz, ninguém se posicionou a favor ou contra o processo" de
expulsão.
"E
isso, para mim, deixa claro que a egiptologia, de forma velada, estava de
acordo com esse processo. Porque está preocupada só com o faraônico",
opinou Pellini.
Diante
dessa perspectiva, a equipe brasileira e argentina propõe, nas palavras de
Pellini, "quebrar as estruturas tão normativas da arqueologia
egípcia" e "colocar o dedo na ferida desse sistema" que expulsou
as populações modernas para "vincular o período faraônico com o turismo e
a capital".
Manuel
Pérez Bella.
Fonte: EFE
Comentários
Postar um comentário
Todas postagem é previamente analisada antes de ser publicada.