O Artigo 13 e o Artigo 11 são trechos de um projeto de lei discutido pela União Europeia desde 2016. A proposta tem como objetivo reformular o sistema de garantias de direitos autorais na internet. Mas, segundo seus principais críticos, pode colocar em risco os principais fundamentos da internet como a conhecemos hoje.
Mas que projeto é esse? O nome dele é "Directive on copyright in the Digital Single Market" (2016/0280/COD). Há várias propostas ali para facilitar a verificação de conteúdo protegido por direitos autorais e dar mais garantias aos donos desses direitos na web. Mas dois trechos do texto discutido pelos parlamentares europeus, os artigos 11 e 13, se tornaram os mais famosos.
Vamos entrar em detalhes sobre cada um nos parágrafos abaixo.
O que é o Artigo 13?
O Artigo 13 ficou conhecido como a lei do "filtro de uploads". O texto original dava a entender que qualquer plataforma que recebe uploads de usuários - como YouTube, Facebook, Twitter e fóruns em geral - pasaria a ser responsável por monitorar e filtrar os dados recebidos, para "identificar e prevenir" violações de direitos autorais.
"Os prestadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e facultam ao público acesso a grandes quantidades de obras ou outro material protegido carregados pelos seus utilizadores devem, em cooperação com os titulares de direitos, adotar medidas que assegurem o funcionamento dos acordos celebrados com os titulares de direitos relativos à utilização das suas obras ou outro material protegido ou que impeçam a colocação à disposição nos seus serviços de obras ou outro material protegido identificados pelos titulares de direitos através da cooperação com os prestadores de serviços."
Um trecho que vinha logo em seguida era especialmente perturbador: "Essas medidas, tais como o uso de tecnologias efetivas de reconhecimento de conteúdos, devem ser adequadas e proporcionadas". O Artigo 13, como foi escrito originalmente, dava a entender que qualquer empresa de tecnologia, independentemente do tamanho, deveria filtrar todo o conteúdo que os usuários postam e impedir o upload de material protegido por direitos autorais sem expressa autorização dos donos.
Após diversas reuniões e discussões entre parlamentares, lobistas e membros da sociedade civil, porém, o texto foi severamente modificado para acalmar as principais preocupações que o texto original levantava. Incluindo o temor de que seria criado um "filtro de upload" em toda a internet.
O texto atual declara exatamente o seguinte: "A aplicação das disposições deste artigo não implicará qualquer obrigação geral de monitoramento". O texto tem sido interpretado como a garantia de que nenhum site será obrigado a aplicar um filtro prévio por lei. Mas um outro trecho dá a entender que, embora não sejam obrigados, esse será um caminho incentivado.
"Os provedores de serviços de compartilhamento de conteúdo online serão responsáveis por atos não autorizados de comunicação ao público de obras protegidas por direitos autorais e outros assuntos, a menos que os provedores de serviços demonstrem que:
(a) realizaram os melhores esforços para obter uma autorização,
(c) e agiram prontamente, após receber uma notificação suficientemente fundamentada pelos titulares dos direitos, para remover dos seus sites ou para desabilitar o acesso às obras e assuntos notificados, e realizou os melhores esforços para impedir os seus futuros envios de acordo com o parágrafo (b). "
Estes são, portanto, os pontos mais polêmicos do Artigo 13.
O que acontece se o Artigo 13 for aprovado?
John Schranz, porta-voz do Parlamento Europeu, afirma que o Artigo 13 não prevê a criação de um filtro de upload prévio global. "O projeto estabelece um objetivo a ser alcançado: plataformas online não devem ganhar dinheiro com material criado por outras pessoas sem as compensar."
"A proposta de diretiva, no entanto, não especifica ou lista quais ferramentas, recursos humanos ou infraestrutura podem ser necessários para evitar que material não remunerado apareça no site. Portanto, não há exigência de filtros de upload", completa Schranz.
Por outro lado, o porta-voz admite um ponto do texto que tem sido alvo de muitas críticas. "Uma plataforma é legalmente responsável se houver conteúdo em seu site pelo qual seu criador não foi devidamente pago". Ou seja, se você subir um conteúdo protegido por direitos autorais num site como o Facebook sem autorização, quem poderá ser processado é o Facebook, não você.
"Estas são tarefas difíceis para qualquer plataforma que permite que um grande número de usuários faça upload de conteúdo, e apenas os sites mais sofisticados e bem financiados poderão desenvolver a tecnologia para impor essas regras", declarou a Wikimedia em um manifesto contra o Artigo 13.
Sites que dependem de conteúdo gerado por usuários, como Facebook, YouTube, Google, Twitter, Instagram e a própria Wikipédia, além de outras redes menores e fóruns online, como o Reddit, seriam os principais prejudicados pelo Artigo 13, tornando-se legalmente responsáveis por tudo o que cada usuário publica lá dentro.
Memes serão proibidos?
Há também o medo de que o Artigo 13 acabe proibindo os memes. Aquelas imagens, fotos e vídeos, compartilhadas nas redes sociais com propósito de comentar, criticar ou tirar sarro de alguma coisa, geralmente se apropriam de conteúdo protegido por direitos autorais, como cenas de filmes, séries, programas de TV e músicas, sem autorização dos donos.
Quem defende o Artigo 13? E por quê?
De modo geral, os mais favorecidos pelo Artigo 13 seriam os donos de direitos autorais, como gravadoras e estúdios de cinema. Nem todos são a favor da mudança na lei europeia, mas poucos se mostraram publicamente contra a Copyright Directive.
A Sociedade dos Autores, Compositores e Distribuidores de Música da Europa (Sacem, na sigla em inglês), por exemplo, é a favor do Artigo 13. Eles dizem que o filtro de uploads é uma ferramenta "que permitiria aos detentores de direitos autorais recuperar dinheiro de empresas da internet que lucram com seu trabalho".
Ele também afirma que a tese de que o Artigo 13 é uma ferramenta de censura é "injustificada, excessiva, objetivamente errada e desonesta". Voss também destaca o fato de que ferramentas de filtro de upload estão em uso por plataformas da internet há anos, como o já citado caso do YouTube, sem jamais terem gerado uma "campanha anti-censura".
O que é o Artigo 11?
Outro ponto polêmico do projeto de reforma das leis de direitos autorais da Europa é o Artigo 11. Esse trecho trata especificamente da distribuição de conteúdo jornalístico, produzido por sites de notícias, jornais e emissoras de TV, através da internet.
"Os Estados-Membros devem conferir aos editores de publicações de imprensa os direitos previstos no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2001/29/CE relativos à utilização digital das suas publicações de imprensa."
A diretiva a que o texto se refere, por sua vez, diz o seguinte:
(a) para os autores de seus trabalhos;
(b) para artistas intérpretes de suas performances;
(c) para os produtores de fonogramas, dos seus fonogramas;
(d) para os produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes;
(e) para organizações de radiodifusão, das fixações das suas transmissões, independentemente de essas transmissões serem feitas por fio ou sem fio, por cabo ou satélite."
E também isso:
(a) para artistas, de suas performances;
(b) para os produtores de fonogramas, dos seus programas;
(c) para os produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes;
(d) para organizações de radiodifusão, das fixações das suas transmissões, independentemente de essas transmissões serem feitas por fio ou sem fio, por cabo ou satélite."
Apesar de tudo, no texto original, era o complemento do Artigo 11, o Artigo 12, o que deixava as pessoas preocupadas.
Ou seja: aquela plataforma que reproduzir reportagens ou notícias pode ser obrigada a pagar uma taxa para o veículo original. Essencialmente, o medo é de que empresas como o Google e o Facebook tenham que pagar a cada site de notícias por cada link de um desses sites que aparecer na página deles. Por exemplo: se você compartilhar o link desta matéria que você está lendo agora no Facebook, a rede social deveria pagar ao Olhar Digital pelo compartilhamento. Se você encontrar esta matéria numa busca do Google, o Google também teria de pagar ao nosso site.
No texto atual, porém, houve uma série de mudanças que tornam a interpretação um pouco menos agressiva e minam a tese do "imposto de link". O projeto agora diz que a garantia de pagamento aos veículos de mídia "não se aplica a atos de hiperlink" e em casos de "uso de palavras individuais ou extratos muito curtos de uma publicação de imprensa".
"O acordo permitirá que os agregadores de notícias continuem a exibir trechos sem precisar de uma autorização dos editores da imprensa. Isso será possível desde que o trecho seja um 'extrato muito curto' ou 'palavras individuais', e que o agregador de notícias não seja pego abusando desse recurso", diz o porta-voz europeu.
O que acontece se o Artigo 11 for aprovado?
O texto atual não impede que o Google mostre notícias nos resultados de busca, nem que o Facebook permita a postagem de links para notícias de outros sites. Mas pode, em tese, minar os esforços dessas duas empresas de hospedar internamente o conteúdo dos sites de notícias.
Já o Facebook possui os Instant Articles, uma plataforma semelhante. Sites podem hospedar no próprio Facebook a íntegra de suas matéria, mas em versão HTML mais simples. Assim, a notícia vai abrir mais rapidamente no celular do usuário que chegou até ela pelo feed de notícias do aplicativo da rede social.
Nesse caso, o Facebook e o Google têm a vantagem de manter os usuários dentro dos seus respectivos aplicativos o tempo todo, já que eles não precisam sair ou ir até o site original da notícia para ler o texto. Em geral, perdem os sites de notícias, que exibem uma versão com menos anúncios para o usuário final em troca de uma melhor colocação no índice de Facebook e Google.
E com o texto atual, os programas Google AMP e Instant Articles, do Facebook, ficariam ameaçados. Alguns veículos de informação, porém, são a favor da medida. Um grupo formado por nove jornais e agências de notícias da Europa emitiu uma carta pública defendendo o Artigo 11 como uma forma de subsidiar a distribuição de notícias pela internet, evocando o conhecido conceito de que "não existe almoço grátis".
"Aqueles que se beneficiaram desproporcionalmente das receitas de publicidade deveriam repatriar uma parcela significativa dessas receitas para a mídia que financia a produção de conteúdo", dizem os defensores do Artigo 11, lembrando que o acesso às notícias continuaria gratuito para o usuário, e somente as empresas como Google e Facebook teriam que pagar para indexar links.
Mas se a lei é europeia, o que o Brasil tem a ver com isso?
Se a proposta de reforma nas leis de direitos autorais da Europa for aprovada, só serão atingidos diretamente pelos artigos 11 e 13 os países que fazem parte da União Europeia e as divisões das empresas de tecnologia que atuam nesses países. O Google do Brasil, portanto, não é obrigado a seguir a mesma lei que o Google da França, por exemplo.
Em 2018, o mesmo Parlamento Europeu aprovou uma lei de proteção de dados pessoais conhecida como GDPR. A legislação fez com que os principais serviços de internet do momento - incluindo Netflix, Spotify, Facebook, Instagram, Amazon e muitos outros - atualizassem seus termos de uso, incluindo para usuários brasileiros.
Além disso, a aprovação do GDPR na Europa movimentou diversos países a fazerem algo semelhante. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), inspirada na legisção europeia e com basicamente os mesmos intuitos e mecanismos, entrou em vigor também em 2018. Ou seja, no que diz respeito à internet, o que mexe com a Europa também mexe com o Brasil.
O que acontece agora? Quando a lei entra em vigor?
O projeto de lei começou a tramitar no Parlamento Europeu em 2016 e passou por uma série de debates entre os políticos do Velho Continente. Isso inclui conversas com lobistas e acordos com representantes da sociedade civil incomodados com o texto original.
A última etapa da tramitação é o debate e a votação no plenário geral do Parlamento Europeu. Essa votação final está marcada para acontecer no dia 26 de março de 2019 (próxima terça-feira) e pode definir o futuro da internet como a conhecemos. Resta saber exatamente como será esse futuro.
Fonte: OlharDigital
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