Vacina da febre amarela pode proteger contra zika, indica estudo brasileiro
Enquanto cientistas do mundo correm em busca de uma vacina contra o vírus Zika,
pesquisadores no Rio de Janeiro constataram que a resposta pode estar
em uma vacina amplamente disponível, testada e adotada mundialmente: a
da febre amarela.
"Talvez a solução estivesse na nossa frente o
tempo todo", diz o médico Jerson Lima Silva, professor do Instituto de
Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um
dos coordenadores de estudo divulgado na segunda-feira. Conduzida por dezesseis pesquisadores da UFRJ e da Fundação Oswaldo Cruz, a pesquisa concluiu que a vacina da febre amarela protegeu camundongos da infecção do vírus em laboratório, reduzindo a carga do vírus no cérebro e prevenindo deficiências neurológicas.
"Apareceu como um ovo de Colombo", diz Silva, referindo-se à expressão que descreve uma solução complexa que, depois de demonstrada, parece óbvia.
"Nossa pesquisa mostra que uma vacina eficiente e certificada, disponível para uso há diversas décadas, efetivamente protege camundongos contra infecção do vírus Zika", diz o estudo, publicado online que ainda precisa passar pelo processo de revisão por pares exigido por periódicos científicos, que têm um trâmite demorado.
A corrida por uma vacina contra a zika começou em 2016, quando se comprovou a suspeita de que a doença recém-chegada ao Brasil, até então considerada inofensiva, era a causa do surto de bebês que nasciam com microcefalia e malformações neurológicas - conjunto de sintomas hoje designado como síndrome da zika congênita.
O surto levou o governo brasileiro e a Organização Mundial da Saúde a decretarem situações de emergência, posteriormente suspensas. Além dos graves defeitos que pode causar nos bebês durante a gestação, a zika é associada ao surgimento da síndrome de Guillain-Barré em adultos.
Vírus semelhantes
Tanto
a zika e quanto a febre amarela são transmitidos por vírus da família
dos Flavivírus. A estruturas biológicas dos vírus são semelhantes, o que
inspirou a equipe no Rio a testar os efeitos da vacina de febre amarela
sobre o vírus Zika. Além disso, diz o médico Jerson Lima Silva, a região que teve maior incidência de zika, o Nordeste do país, é também a que tinha a menor cobertura vacinal para febre amarela. "Então resolvemos testar essa hipótese", afirma o professor da UFRJ. O estudo foi coordenado por Silva, Andrea Cheble Oliveira e Andre Gomes, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem, e pelo professor Herbert Guedes, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.
A equipe realizou testes com dois grupos de camundongos, um composto por indivíduos saudáveis e outro por indivíduos com sistema imune comprometido, mais suscetíveis à propagação do vírus.
Nos dois grupos, parte dos animais foi imunizada com a vacina de febre amarela e outra recebeu apenas uma solução salina, sem nenhum efeito imunológico. Depois, todos receberam injeções intracerebrais do vírus da zika, de modo a simular infecções com alto índice de letalidade.
"Sem a vacina, os mais suscetíveis morreram e os normais desenvolveram sintomas da doença. Já entre os vacinados, os suscetíveis não morreram e todos apresentaram carga viral extremamente reduzida no cérebro", explica Silva. O vírus Zika consegue furar a proteção da placenta durante a gestação, e se alastra pelo cérebro do bebê, impedindo que se forme corretamente.
Próximos passos
A
pesquisa foi conduzida ao longo de dois anos. O grupo trabalha agora
para entender os mecanismos de proteção contra o vírus desenvolvidos a
partir da vacina da febre amarela. O médico diz que o próximo passo é
realizar testes em primatas. "Os resultados foram muito evidentes. A gente acredita que há uma grande chance de (a vacina da febre amarela) proteger humanos (contra a zika), já que os testes com animais demonstraram uma proteção tão forte", considera Silva. Ele espera que os próximos passos para determinar se a vacina pode ser recomendada à sociedade como uma proteção eficiente contra a zika não tardem. Por enquanto, entretanto, é preciso cautela. "Como todo estudo científico, este precisa ser reproduzido e confirmado", diz.
Se o efeito for comprovado para humanos, ressalta o pesquisador da UFRJ, haveria uma grande vantagem em poder contar com uma vacina licenciada, usada há décadas e disponível no mercado - e que poderia ser distribuída e aplicada prontamente no caso de um novo surto de infecções. Desenvolver uma nova vacina envolve passar por muitos testes, acertos e erros e etapas de segurança.
O estudo teve financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Saúde, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Fonte: BBC
Comentários
Postar um comentário
Todas postagem é previamente analisada antes de ser publicada.