Comentaristas da internet
estão silenciando a pesquisa, dizem cientistas
Por Kate
Kelland
18 de
Abril de 2019
LONDRES
(Reuters) - Os emails, tuítes e publicações na pasta “abuso” que Michael Sharpe
mantém em seu computador continuam se acumulando. Oito anos depois que ele
publicou os resultados de um ensaio clínico que descobriu que alguns pacientes
com síndrome da fadiga crônica podem apresentar melhoras com as terapias
corretas de conversação e exercícios, o professor da Universidade de Oxford é
submetido à intimidação quase diária e muitas vezes anônima.
Um
usuário do Twitter que se identifica como um paciente chamado Paul Watton
(@thegodofpleasur) escreveu: “Eu realmente estou ansioso pela sua morte
profissional e sua muito merecida humilhação pública.” Outro, Anton Mayer
(@MECFSNews), comparou o comportamento de Sharpe com “o de um agressor”.
Sharpe
nunca tratou da alegada síndrome de fadiga crônica de Watton e Mayer, uma
condição pouco conhecida que pode causar cansaço e dor esmagadora. Eles também
nunca conheceram o cientista, disseram eles à Reuters. Mas eles se opõem ao seu
trabalho, porque acham que a pesquisa de Sharpe sugere que a doença que afirmam
ter é psicológica.
No
entanto, Sharpe, professor de medicina psicológica, diz que não é o caso. Ele
acredita que a síndrome da fadiga crônica é uma condição biológica que pode ser
perpetuada por fatores sociais e psicológicos.
O
cientista é um dos cerca de uma dúzia de pesquisadores neste campo em todo o
mundo que estão sendo vítimas de uma campanha para desacreditar seu trabalho.
Para muitos cientistas, é o novo normal: das mudanças climáticas às vacinas, os
comentaristas da internet e a ciência estão se enfrentando. E as plataformas de
mídia social estão contribuindo para exacerbar a batalha.
A Reuters
contatou uma dúzia de professores, médicos e pesquisadores com experiência em
analisar ou testar possíveis tratamentos para a síndrome da fadiga crônica.
Todos disseram que tinham sido alvo de assédio online porque indivíduos que
afirmam ser ativistas se opuseram às suas descobertas. Apenas dois tinham
planos definidos para continuar pesquisando tratamentos.
Com cerca
de 17 milhões de pessoas em todo o mundo sofrendo de síndrome de fadiga crônica
incapacitante, a pesquisa científica sobre possíveis terapias deveria estar
crescendo, não diminuindo, dizem os especialistas. O que mais preocupa é que os
pacientes vão perder se a pesquisa para um tratamento for interrompida.
Um
porta-voz do Twitter disse que a plataforma “existe para atender o debate
público. Sua força está em fornecer às pessoas uma diversidade de perspectivas
em questões críticas - tudo em tempo real”. Quando alguém usa o anonimato para
fins negativos, o Twitter toma medidas imediatas, acrescentou o porta-voz.
A
síndrome da fadiga crônica, também conhecida como encefalomielite miálgica, ou
CFS/ME (na sigla em inglês), é descrita por especialistas como um “transtorno
complexo, multissistêmico e muitas vezes devastador”. Os sintomas incluem
cansaço esmagador, dor nas articulações, dores de cabeça, problemas de sono e
isolamento. Pode deixar os pacientes presos na cama ou em casa por anos. Os
Centros de Controle e Prevenção de Doenças, ou CDC, estimam que a condição
custa 17 bilhões a 24 bilhões de dólares anualmente em despesas médicas e renda
perdida. Acredita-se que isso afete cerca de 2,5 milhões de pessoas apenas nos
Estados Unidos.
Nenhuma
causa foi identificada, nenhum diagnóstico formal foi estabelecido e nenhuma
cura foi desenvolvida. Muitos pesquisadores citam evidências de que terapias de
fala e abordagens comportamentais podem ajudar em alguns casos. No entanto,
alguns pacientes e seus defensores dizem que isso equivale a uma sugestão de
que a síndrome pode ser uma doença mental ou psicossomática, uma noção que os
enfurece. Eles prefeririam que os esforços de pesquisa se concentrassem na identificação
de uma causa biológica ou diagnóstico.
Um dos
líderes da campanha contra a pesquisa em terapias psicológicas para a CFS/ME é
David Tuller, membro sênior em saúde pública e jornalismo do Centro de Saúde
Pública Global da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Tuller, um
ex-jornalista com um doutorado em saúde pública de Berkeley, descreve a si
mesmo como um investigador, não um ativista. Ele disse à Reuters que quer
ajudar os pacientes com CFS/ME.
Financiado
por um grupo global de portadores de CFS/ME formado por suas famílias e
pacientes ativistas, Tuller publicou desde outubro de 2015 mais de 140 textos,
somando dezenas de milhares de palavras, que atacam estudos de tratamentos
psicológicos e conferências que os apresentaram. Ele recentemente se queixou ao
CDC, à Universidade de Columbia de Nova York e à Netflix. Em 2018, a Netflix
publicou uma série documental sobre pacientes com CFS/ME. Ele disse que queria
mostrar as dificuldades dos pacientes “que sofrem de doenças incompreendidas”.
Tuller refere-se
a pesquisadores que exploram e testam tratamentos para a CFS/ME que apresentam
um elemento psicológico como insanos e sofrendo de delírio em massa. Eles estão
empenhados em buscar “pesquisas falsas e realmente terríveis”, disse ele à
Reuters.
Sharpe
não realiza mais pesquisas sobre tratamentos de CFS/ME, concentrando-se em
ajudar pacientes com câncer gravemente doentes. “É muito tóxico”, explicou ele.
Dos mais de 20 principais grupos de pesquisa que publicaram estudos de
tratamento em revistas científicas de alta qualidade há 10 anos, Sharpe disse
que apenas um ou dois continuam a fazê-lo.
A ideia
de críticos ou proclamados ativistas desafiando pesquisadores e questionando a
ciência sem realizarem seus próprios estudos rigorosos não é nova.
A maioria
dos pesquisadores diz que está feliz em se envolver em discussões. Mas com as
mídias sociais em quase todas as casas, a comunicação em massa dá aos
comentaristas da internet uma voz com poder sem precedentes. No campo da
pesquisa de CFS/ME, muitas vezes a discussão entra no nível pessoal. Aqueles
que ficam no centro das atenções dizem que a situação está for a de controle.
“A toxicidade disso permeia tudo”, disse Sharpe à Reuters.
No Reino
Unido, existem pelo menos 50 serviços especializados em síndrome da fadiga
crônica que tratam cerca de 8 mil adultos a cada ano sob as diretrizes do
governo, oferecendo terapias comportamentais e psicológicas. Uma pesquisa
publicada em julho de 2017 mostrou que cerca de um terço dos adultos afetados
pela doença que frequentavam essas clínicas especializadas relataram uma
melhora substancial em sua saúde. Na pesquisa, mais de mil pacientes foram
questionados sobre problemas de fadiga, função física, função geral, humor, dor
e sono antes e depois de obterem o tratamento.
Colin
Barton, presidente da sociedade de CFS/ME de Sussex e Kent - um grupo de
pacientes no sul da Inglaterra - disse que terapias de fala e exercícios
graduais o ajudaram a se recuperar ao ponto de levar uma vida quase normal. Ele
disse à Reuters que, em sua experiência, os pacientes que dizem terem sido
ajudados por terapias psicológicas ou graduais de exercícios são vítimas de
abuso, assim como os próprios pesquisadores. Eles enfrentam acusações de que
nunca estiveram doentes em primeiro lugar; que sua condição foi diagnosticada
incorretamente; e que a recuperação deles é, portanto, falsa, disse ele. Como
resultado, muitos pacientes se recuperando ou já recuperados de CFS/ME
sentem-se forçados a desistir do debate.
Tuller
começou sua ascensão como ativista em discussões sobre a Aids, na década de
1980. Agora, aos 62 anos de idade, ele escreve em blogs, envia centenas de
cartas e emails e viaja ao redor do mundo dando palestras e organizando
encontros, enquanto apoiadores o financiam por meio de doações e agradecimentos
por sua campanha sobre CFS/ME. Tuller não conduziu ou publicou qualquer estudo
clínico que tenha sido avaliado por outros cientistas sobre CFS/ME.
Fonte: Reuters
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