Legião de vírus desconhecidos é descoberta nos oceanos
Expedição a bordo de veleiro identifica 200.000 novos patógenos para a ciência
Nuño Domínguez
Se todos os vírus
que vivem no oceano se colocassem em fila, poderiam chegar às 60
galáxias mais próximas da Terra. São a entidade biológica mais abundante
no mar e também uma das mais desconhecidas.
Uma
equipe de exploradores e cientistas publica nesta quinta-feira o mais
completo catálogo desses patógenos feito até hoje. Contém quase meio
milhão de espécies diferentes, 200.000 delas totalmente desconhecidas
até agora.
Toda vez que respiramos, a metade do oxigênio que entra nos
pulmões é produzida por micróbios do plâncton marinho. Os vírus são os
demiurgos desse universo microscópico. São dez vezes mais numerosos que
os micróbios do plâncton: nos oceanos há
1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de vírus, quase três vezes
mais que galáxias no universo. Seu tamanho é tão pequeno que
representam apenas 5% de toda a massa viva. Todos os dias esses
predadores ceifam a vida de um em cada quatro micróbios marinhos, o que
reduz algumas populações e alimenta outras com os restos. Também
introduzem novos genes nos seres unicelulares, o que modula sua
evolução.
“Os micróbios do oceano absorvem metade do dióxido de
carbono que os seres humanos lançam na atmosfera”, explica Matthew
Sullivan, microbiologista da Universidade Estadual de Ohio (EUA) e
principal autor do estudo, publicado hoje na revista científica Cell.
“Os vírus provavelmente controlam esse processo que mitiga o impacto
climático dos seres humanos. Precisamos entendê-los para não
curto-circuitar suas atividades”, enfatiza.
O trabalho se baseia nos dados coletados durante a
expedição Tara Oceans, realizada entre 2009 e 2013 a bordo de uma escuna
de casco de alumínio que percorreu todos os oceanos do planeta
recolhendo amostras de água em diferentes profundidades. Os resultados
apresentam 12 vezes mais vírus novos do que os identificados até agora,
precisamente durante uma expedição anterior do mesmo barco.
O trabalho mostra que os vírus marinhos estão distribuídos
em cinco áreas bem diferenciadas: o oceano Ártico, o Antártico, as águas
superficiais e temperadas próximas dos trópicos, as camadas
intermediárias de profundidades compreendidas entre 150 metros e 1.000
metros e, por último, as regiões mais profundas até chegar ao fundo
marinho. Os dados desta última zona provêm da expedição espanhola
Malaspina, realizada entre 2010 e 2011, que coletou micróbios e vírus a
até 4.000 metros de profundidade.
Entre essas cinco áreas, há dois verdadeiros viveiros de
vírus com uma diversidade de espécies muito maior do que o resto. A
primeira é a zona temperada, algo previsível, a segunda é uma grande
surpresa: o oceano Ártico. A diversidade de espécies da maioria dos
seres vivos é maior quanto mais perto se está do Equador e diminui em
direção aos polos. Os resultados da expedição Tara Oceans mostram que
essa teoria é válida para os vírus no oceano Antártico, onde existe
comparativamente menos diversidade do que nas regiões temperadas, mas
uma vez cruzado o Equador a diversidade continua aumentando e é quase
igual nas águas geladas que rodeiam o Polo Norte. Os autores destacam
que é precisamente este oceano que está mudando mais rápido devido à mudança climática.
Até 90% dos vírus encontrados são um mistério, pois se ignora que tipo de organismo infectam
Até 90% dos 488.130 vírus encontrados são um
mistério, pois se ignora que tipo de organismos infectam. A imensa
maioria dos outros 10% ataca de preferência os seres unicelulares:
bactérias e arqueas. Menos de 1% de todos esses patógenos foi cultivado
em laboratório para conhecer suas propriedades, reconhece Sullivan.
Ainda restam anos, se não décadas, de trabalho.
Essa aventura científica começou em 2006, quando a designer
francesa Agnès Troublé, criadora da marca de roupa agnès b., cedeu sua
escuna familiar Tara — a antiga Seamaster de Peter Blake — para a
primeira expedição. O Centro Nacional de Pesquisa Científica da França
apoiou o projeto, que agora envolve 150 cientistas de mais de 30 países.
Desde então os pesquisadores retiraram do mar 30 milhões de genes
desconhecidos.
Em fevereiro deste ano, cientistas do projeto descobriram
133 novas espécies de plâncton presentes em todos os oceanos do planeta.
Eram inclassificáveis de acordo com a clássica dicotomia entre plantas e
animais, pois
podiam se alimentar por fagocitose como fazem as células de muitos
animais e realizam fotossíntese como as plantas. “Um pulmão do planeta
são as florestas e o outro é plâncton, só que sobre este último não
sabemos quase nada”, explica Silvia G. Acinas, microbiologista do
Conselho Superior de Pesquisa Científica (CSIC na sigla em espanhol) que
viajou quatro vezes a bordo do Tara e coordena a análise de bactérias e
arqueas.
Um dos desafios de classificar essas formas de vida é que
elas não são regidas pelos padrões taxonômicos clássicos. É por isso que
os autores do novo estudo falam de “populações” novas de vírus, não de
espécies. “É o mesmo problema que temos com as bactérias”, reconhece
Acinas, que espera publicar nos próximos meses os primeiros resultados
sobre a distribuição das novas espécies bacterianas nos oceanos. “Entre
todas elas, cerca de 70% são completamente novas para a ciência”,
afirma.
Fonte: El País
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