O último dia dos dinossauros
Encontrou-se finalmente uma prova fóssil do final do Cretáceo?
Alberto González Fairén
A história é suficientemente conhecida. Há 66 milhões de
anos, um enorme asteroide atingiu a costa de Yucatán, perto do que hoje é
a cidade de Chicxulub, no golfo do México. O violento choque levantou
uma montanha de material fundido, mais alta que o Everest
e mais quente que a superfície do Sol, liberando mais energia que um
bilhão de bombas como a de Hiroshima. O terreno se elevou em milhares de
quilômetros ao redor, e uma chuva de rocha incandescente caiu sobre o
Hemisfério Ocidental, calcinando 70% das matas. A poeira acumulada na
atmosfera impediu durante meses que as plantas terrestres e o
fitoplâncton marinho fizessem a fotossíntese, paralisando as cadeias
tróficas e o ciclo do carbono na terra e no mar. A falta de luz congelou
o planeta, e o oxigênio praticamente desapareceu da atmosfera,
substituído por monóxido e dióxido de carbono, metano e enxofre, que
provocaram chuvas ácidas durante meses. Como consequência, 75% das
espécies foram aniquiladas, 99,9% de todos os organismos vivos
pereceram, e o ecossistema planetário foi destruído e precisou se
reinventar. Depois do impacto, a Terra mudou de era geológica: terminou o Cretáceo, e com ele a era mesozoica, e começou o Cenozoico.
Mas
esta história sempre teve um ponto frágil. Se em um só dia, que é um
instante em termos geológicos, pereceram bilhões de seres vivos,
incluindo todos os dinossauros, não deveria existir um estrato geológico
absolutamente saturado dos restos destes animais e plantas? E não
deveria estar espalhado por todo o mundo? Realmente, o limite
estratigráfico entre o Cretáceo e o Cenozoico (limite K-T) está bem
determinado, entre outras coisas, porque nele abunda o irídio, um metal
escasso na crosta terrestre, mas muito abundante nos meteoritos.
Portanto, o impacto está bem registrado e datado, e o tempo em que
ocorreu também, assim como sua localização estratigráfica em todo o
planeta. Mas neste estrato não se encontraram fósseis, e muito menos
evidência alguma de uma matança planetária de dinossauros. Até agora.
Robert DePalma, da Universidade de Kansas (e, sim, primo do
cineasta Brian DePalma), publicou em 23 de abril as descobertas que fez
num sítio arqueológico de Dakota do Norte, datado exatamente no limite
K-T. O local, chamado Tanis, fica a 3.000 quilômetros de Chicxulub. Há
66 milhões de anos, se encontrava à beira de um mar interior que
inundava o atual Meio-Oeste dos EUA. O impacto originou uma série de
ondas sísmicas de grande magnitude, que provocaram um enorme tsunami
nesse mar interior, com ondas de até 10 metros, as quais amontoaram uma
infinidade de animais
e plantas num sedimento caótico e repleto de restos fósseis. É esta a
primeira evidência de que o impacto de Chicxulub dizimou a biosfera
terrestre?
O impacto originou uma série de ondas
sísmicas de grande magnitude, que provocaram um enorme tsunami neste mar
interior, com ondas de até 10 metros
Os fósseis de Tanis são espetaculares: peixes de água doce e
água salgada misturados, troncos de árvores, dinossauros, pétalas de
flores, equinodermos, pequenos mamíferos, penas… incluindo mais de uma
dúzia de plantas e animais até agora desconhecidos. Além disso, os
fósseis de Tanis estão conservados em diversas orientações ao acaso,
incluindo peixes na posição vertical, o que prova que sua deposição foi o
resultado de um processo violento e muito rápido, que os capturou numa
massa de barro quase instantaneamente. Alguns dos restos de dinossauros
estão na parte superior da sequência estratigráfica, o que leva a crer
que seus cadáveres ficaram flutuando na água antes que o terreno
voltasse a secar. O metro e meio de espessura desse sítio arqueológico
está saturado de microesferas de vidro, chamados tectitos, um produto
conhecido da chuva de rocha fundida decorrente de impactos meteoríticos
fortes. E o local está coberto por um estrato de 2 centímetros rico em
irídio. Portanto, Tanis reúne todos os elementos necessários para se
tornar o sonho realizado de qualquer paleontólogo.
DePalma trabalha em Tanis desde 2012, e alguns colegas a
quem convidou para participar de suas escavações qualificaram seu
trabalho como “extremamente meticuloso”. Entretanto, outros
pesquisadores põem em dúvida algumas de suas conclusões. Por exemplo,
embora DePalma tenha dito à imprensa que há fósseis de dinossauros em
Tanis, isso ainda não foi publicado em nenhuma revista científica, e
portanto essa possível conclusão não foi submetida por enquanto ao
escrutínio de outros cientistas. DePalma promete publicar esses
resultados em breve.
Além disso, DePalma tem uma reputação a recuperar: em 2015,
encontrou uma espécie nova de dinossauro, o Dakotaraptor, mas ao
reconstruir seu esqueleto incluiu um osso que afinal era de tartaruga.
Quando outros colegas apontaram o erro, ele se viu obrigado a publicar
uma correção ao seu trabalho, e desde então não goza de grande
reconhecimento entre a comunidade paleontológica.
Então dispomos finalmente de uma foto do dia em
que os dinossauros morreram? A verdade é que falta confirmar alguns
detalhes importantes. Tanis, portanto, seria uma das descobertas mais
relevantes da história da paleontologia, ou novamente se exagerou a
relevância de um achado que é no máximo relativamente substancial? Se
tudo o que DePalma afirma estiver certo, será a primeira vez que teremos
provas incontestáveis de que os dinossauros ainda perambulavam sobre a
Terra ao final do Cretáceo. Assim, embora haja outras hipóteses para
explicar a extinção no K-T (por exemplo, várias dezenas de milhares de
anos de vulcanismo desenfreado na atual Índia, e que teria causado uma
enorme diminuição na população mundial de dinossauros durante o Cretáceo
tardio), Tanis proporcionaria a evidência necessária para afirmar sem
dúvida que pelo menos alguns dinossauros continuavam vivos para serem
testemunhas do último dia do Cretáceo.
Alberto González Fairén é
pesquisador no Centro de Astrobiologia (CSIC-INTA) em Madri, e no
Departamento de Astronomia da Universidade Cornell, em Nova York.
Fonte: El País
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