sexta-feira, 10 de maio de 2019

O último dia dos dinossauros

O último dia dos dinossauros


Encontrou-se finalmente uma prova fóssil do final do Cretáceo?

Dinosaurios
Imagem de vários peixes fossilizados, de 65 milhões de anos, em Tanis.


A história é suficientemente conhecida. Há 66 milhões de anos, um enorme asteroide atingiu a costa de Yucatán, perto do que hoje é a cidade de Chicxulub, no golfo do México. O violento choque levantou uma montanha de material fundido, mais alta que o Everest e mais quente que a superfície do Sol, liberando mais energia que um bilhão de bombas como a de Hiroshima. O terreno se elevou em milhares de quilômetros ao redor, e uma chuva de rocha incandescente caiu sobre o Hemisfério Ocidental, calcinando 70% das matas. A poeira acumulada na atmosfera impediu durante meses que as plantas terrestres e o fitoplâncton marinho fizessem a fotossíntese, paralisando as cadeias tróficas e o ciclo do carbono na terra e no mar. A falta de luz congelou o planeta, e o oxigênio praticamente desapareceu da atmosfera, substituído por monóxido e dióxido de carbono, metano e enxofre, que provocaram chuvas ácidas durante meses. Como consequência, 75% das espécies foram aniquiladas, 99,9% de todos os organismos vivos pereceram, e o ecossistema planetário foi destruído e precisou se reinventar. Depois do impacto, a Terra mudou de era geológica: terminou o Cretáceo, e com ele a era mesozoica, e começou o Cenozoico.
Mas esta história sempre teve um ponto frágil. Se em um só dia, que é um instante em termos geológicos, pereceram bilhões de seres vivos, incluindo todos os dinossauros, não deveria existir um estrato geológico absolutamente saturado dos restos destes animais e plantas? E não deveria estar espalhado por todo o mundo? Realmente, o limite estratigráfico entre o Cretáceo e o Cenozoico (limite K-T) está bem determinado, entre outras coisas, porque nele abunda o irídio, um metal escasso na crosta terrestre, mas muito abundante nos meteoritos. Portanto, o impacto está bem registrado e datado, e o tempo em que ocorreu também, assim como sua localização estratigráfica em todo o planeta. Mas neste estrato não se encontraram fósseis, e muito menos evidência alguma de uma matança planetária de dinossauros. Até agora.
Robert DePalma, da Universidade de Kansas (e, sim, primo do cineasta Brian DePalma), publicou em 23 de abril as descobertas que fez num sítio arqueológico de Dakota do Norte, datado exatamente no limite K-T. O local, chamado Tanis, fica a 3.000 quilômetros de Chicxulub. Há 66 milhões de anos, se encontrava à beira de um mar interior que inundava o atual Meio-Oeste dos EUA. O impacto originou uma série de ondas sísmicas de grande magnitude, que provocaram um enorme tsunami nesse mar interior, com ondas de até 10 metros, as quais amontoaram uma infinidade de animais e plantas num sedimento caótico e repleto de restos fósseis. É esta a primeira evidência de que o impacto de Chicxulub dizimou a biosfera terrestre?

O impacto originou uma série de ondas sísmicas de grande magnitude, que provocaram um enorme tsunami neste mar interior, com ondas de até 10 metros
Os fósseis de Tanis são espetaculares: peixes de água doce e água salgada misturados, troncos de árvores, dinossauros, pétalas de flores, equinodermos, pequenos mamíferos, penas… incluindo mais de uma dúzia de plantas e animais até agora desconhecidos. Além disso, os fósseis de Tanis estão conservados em diversas orientações ao acaso, incluindo peixes na posição vertical, o que prova que sua deposição foi o resultado de um processo violento e muito rápido, que os capturou numa massa de barro quase instantaneamente. Alguns dos restos de dinossauros estão na parte superior da sequência estratigráfica, o que leva a crer que seus cadáveres ficaram flutuando na água antes que o terreno voltasse a secar. O metro e meio de espessura desse sítio arqueológico está saturado de microesferas de vidro, chamados tectitos, um produto conhecido da chuva de rocha fundida decorrente de impactos meteoríticos fortes. E o local está coberto por um estrato de 2 centímetros rico em irídio. Portanto, Tanis reúne todos os elementos necessários para se tornar o sonho realizado de qualquer paleontólogo.
DePalma trabalha em Tanis desde 2012, e alguns colegas a quem convidou para participar de suas escavações qualificaram seu trabalho como “extremamente meticuloso”. Entretanto, outros pesquisadores põem em dúvida algumas de suas conclusões. Por exemplo, embora DePalma tenha dito à imprensa que há fósseis de dinossauros em Tanis, isso ainda não foi publicado em nenhuma revista científica, e portanto essa possível conclusão não foi submetida por enquanto ao escrutínio de outros cientistas. DePalma promete publicar esses resultados em breve.
Além disso, DePalma tem uma reputação a recuperar: em 2015, encontrou uma espécie nova de dinossauro, o Dakotaraptor, mas ao reconstruir seu esqueleto incluiu um osso que afinal era de tartaruga. Quando outros colegas apontaram o erro, ele se viu obrigado a publicar uma correção ao seu trabalho, e desde então não goza de grande reconhecimento entre a comunidade paleontológica.

Robert DePalma (à esquerda) examina um dos estratos do sítio arqueológico de Tanis.
Robert DePalma (à esquerda) examina um dos estratos do sítio arqueológico de Tanis.
Então dispomos finalmente de uma foto do dia em que os dinossauros morreram? A verdade é que falta confirmar alguns detalhes importantes. Tanis, portanto, seria uma das descobertas mais relevantes da história da paleontologia, ou novamente se exagerou a relevância de um achado que é no máximo relativamente substancial? Se tudo o que DePalma afirma estiver certo, será a primeira vez que teremos provas incontestáveis de que os dinossauros ainda perambulavam sobre a Terra ao final do Cretáceo. Assim, embora haja outras hipóteses para explicar a extinção no K-T (por exemplo, várias dezenas de milhares de anos de vulcanismo desenfreado na atual Índia, e que teria causado uma enorme diminuição na população mundial de dinossauros durante o Cretáceo tardio), Tanis proporcionaria a evidência necessária para afirmar sem dúvida que pelo menos alguns dinossauros continuavam vivos para serem testemunhas do último dia do Cretáceo.

Alberto González Fairén é pesquisador no Centro de Astrobiologia (CSIC-INTA) em Madri, e no Departamento de Astronomia da Universidade Cornell, em Nova York.

Fonte: El País

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