Protestos por educação marcaram o dia em todos os Estados; saiba o que já é verdade e o que ainda é ameaça sobre os cortes
Protestos por educação marcaram o dia em todos os Estados; saiba o que já é verdade e o que ainda é ameaça sobre os cortes
Em
reação aos cortes de gastos anunciados pelo governo em universidades e
institutos federais, ocorreram na quarta-feira (15/5) protestos em todos
os Estados do país, em capitais e cidades menores, por convocação de
entidades estudantis e também movimentos sindicais (que protestam contra
a reforma da Previdência).
Algumas das maiores aglomerações foram
registradas em Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro; em São Paulo,
houve atos na USP e nos arredores da Universidade Mackenzie pela manhã,
e à tarde ocorreu um protesto no vão do Masp, na avenida Paulista.Segundo um levantamento do portal G1, houve protestos em pelo menos 220 cidades no país.
Por volta das 19h, algumas destas movimentações chegavam a seus pontos finais. No Rio, houve confronto entre a polícia e manifestantes.
Em Dallas (EUA), onde recebeu uma homenagem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as manifestações são obra de "idiotas úteis" que não sabem nem "a fórmula da água" e estão sendo usados politicamente por uma "minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais".
O estopim dos atos foi o anúncio do congelamento de verba de universidades federais anunciado por Bolsonaro e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Desde então, houve um intenso debate sobre o valor total bloqueado e que programas serão afetados.
Mas o que houve de fato até agora?
Congelamento de verbas
O
governo efetuou, no total, um bloqueio de R$ 7,4 bilhões sobre todo o
Orçamento de 2019 do Ministério da Educação, que é de R$ 149 bilhões e
engloba despesas para custear todos os níveis educacionais, da educação
básica ao ensino superior. Desse total congelado, cerca de R$ 2 bilhões são ligados a instituições federais de ensino superior. O restante, de R$ 5,4 bilhões, atingiu outras áreas que ainda não foram detalhadas pelo ministério.
O Orçamento federal é sempre definido no ano anterior com base em diversas premissas, como por exemplo o crescimento da economia do país, perspectiva de arrecadação e a cotação do dólar.
Atualmente, o governo federal gasta mais do que arrecada - uma diferença negativa prevista de R$ 139 bilhões (o chamado déficit fiscal) e, em razão da piora da economia, tem duas alternativas principais: pedir ao Congresso para mudar a meta (ou seja, permitir um déficit maior) ou suspender temporariamente o gasto de verbas enquanto a situação do país não melhora.
Caso o governo termine o ano com um déficit maior do que o previsto no Orçamento sem autorização do Congresso, os governantes podem responder por crime de responsabilidade fiscal.
"Um corte orçamentário é algo tido como definitivo, uma verba que não seria resposta. Em um contingenciamento, se hoje ou amanhã ou depois a situação fiscal melhorar, o governo pode flexibilizar o congelamento e liberar gastos. Não seria a primeira vez, já que o início do ano se faz um contingenciamento mais duro, dependendo do comportamento das receitas e das despesas", explica Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas,
O ministro Abraham Weintraub foiconvocado pela Câmara para se explicar na tarde desta quarta-feira (15) sobre o contingenciamento na educação. Na Casa, ele foi questionado pelos parlamentares sobre quais programas irão perder dinheiro e se a educação básica, apontada como área prioritária por Bolsonaro, será afetada.
Corte de recursos das universidades federais
As reações mais fortes aos bloqueios no Orçamento têm partido das universidades federais. Toda a polêmica teve início quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que cortaria 30% dos orçamentos da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) porque elas estariam promovendo "balbúrdia" nos seus campus e não teriam apresentado os resultados acadêmicos esperados.
Mas essas três universidades estão entre as 50 melhores da América Latina, segundo rankings internacionais, e melhoraram suas notas em 2018, na comparação com 2017.
Dias após o anúncio do ministro, o secretário de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de Lima Junior, informou que o ministério estendeu o bloqueio a todas as universidades federais. "Será 30% de forma isonômica para todas as universidades", disse.
Para aumentar a confusão, Weintraub depois disse que não se tratava de corte, mas sim de um contingenciamento (congelamento) de 3,5% do orçamento total de todas as universidades. Segundo ele, o congelamento era necessário diante da situação econômica do país e o dinheiro pode ser liberado ainda neste ano.
"A gente está pedindo para segurar, contingenciar, postergar (esses gastos) até setembro", disse o ministro da Educação.
30% ou 3,5%?
O
tamanho do contingenciamento causa bastante divergência. Quando se fala
em 30% de bloqueio, considera-se não o orçamento total das
universidades, mas as chamadas despesas discricionárias - ou seja, as
não obrigatórias.O governo não pode deixar de realizar compromissos garantidos por lei, como pagamento de salários de servidores, previdência, assistência social e seguro desemprego, por exemplo.
Já as despesas discricionárias, que podem ser bloqueadas, englobam investimentos (construção de salas, laboratórios, renovação, bolsas para pesquisas, custeio de projetos científicos, por exemplo), contratação de serviços, além de pagamentos de terceirizados, luz e energia.
Em um primeiro momento, governo deu a entender que cortaria 30% do orçamento total da pasta. Depois, afirmou que haveria um contingenciamento, e não um corte definitivo, de 3,5% das verbas. Neste caso, considera-se não apenas as despesas que podem ser cortadas, mas o Orçamento total para o setor, que é de R$ 49,6 bilhões.
Com a redução dos recursos, as universidades passaram a anunciar cortes em auxílios-moradia, alimentação e em pesquisas de campo; algumas disseram estar sem dinheiro para pagar contas de água, energia elétrica ou de fornecedores, como os de limpeza e segurança. Também disseram não saber se poderão funcionar plenamente no segundo semestre de 2019.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, afirmou que já opera em deficit de R$ 170 milhões por conta de cortes prévios e que "a não reversão da medida (cortes) trará graves consequências para o desempenho das atividades da universidade, comprometendo a rotina de atividades acadêmicas antes do segundo semestre".
Cortes de bolsas de pós-graduação
Outra
medida que já saiu do plano do discurso para a prática é a suspensão de
novas bolsas de mestrado e doutorado pela Coordenação de Pessoal de
Nível Superior (Capes), uma das principais entidades de fomento a
pesquisas em nível de pós-graduação no Brasil.Instituição ligada ao Ministério da Educação (MEC), a Capes perdeu R$ 819 milhões do total de R$ 4,1 bilhões de verba não obrigatória, e anunciou que congelaria bolsas "ociosas"- ou seja, bolsas que ainda não foram liberadas para alunos que passaram nos editais de pesquisa científica.
A medida está no bojo do corte de 30% sobre despesas discricionárias de instituições federais de ensino superior. De acordo com a Capes, 3.474 bolsas foram retidas.
O órgão tem atualmente 92 mil bolsas ativas de pós-graduação, nos valores de R$ 1.500 para mestrado e R$ 2.200 para doutorado. Segundo a Capes, estudantes que já estão recebendo as bolsas e trabalhando nos seus projetos de pesquisa não serão afetados.
O Brasil está entre os 15 países com maior número de estudos científicos no mundo, e 95% da pesquisa é realizada em universidades públicas.
Há temor de que os cortes possam inviabilizar essa produção, já que bolsistas de pós-graduação são tidos como motores da pesquisa científica nas universidades, com forte impacto em todas as áreas.
"Esses cortes que atingem o pior orçamento da década para esses setores consolidam um projeto de governo que fere de morte o ensino superior, a pós-graduação e a ciência nacional, enterrando qualquer possibilidade de retomada do desenvolvimento brasileiro e de futuro", disse em nota a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Menos investimentos em ciências humanas
Outra
fonte de polêmica é a intenção do governo Bolsonaro de reduzir verbas
especificamente nas áreas de ciências sociais e humanas. Neste caso,
diferentemente do bloqueio de 30% do orçamento discricionário das
universidades e instituições federais de pesquisa, o anúncio continua no
plano da "ameaça"- ainda não foi efetivado. No dia 26 de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou pelo Twitter que o ministro da Educação "estuda descentralizar investimentos em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)", com o objetivo de "focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina".
Não está claro, porém, como seria feito o corte específico nas áreas de humanidades e ciências sociais, já que a Constituição Federal garante autonomia às universidades para gerenciar os recursos repassados pelo governo federal e distribuí-los aos respectivos departamentos.
Segundo o professor Paulo Calmon, diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), os repasses do governo federal para cada universidade atualmente seguem critérios objetivos que levam em conta, por exemplo, a relação professor/aluno, o tamanho do campus, número de cursos oferecidos, custo de vida do local e o oferecimento ou não de mestrados e doutorados.
"Por exemplo, uma universidade pode estar desenvolvendo um programa de pesquisa relacionada a dengue e Zika, que leve à construção de um novo laboratório e que receba recursos extras por complementar uma política pública do governo de combate a epidemias. Ou um programa do governo na área de agricultura pode justificar repasses em pesquisas nessa área", exemplifica.
Há ainda recursos orçamentários extras para projetos específicos das universidades que possam ser vinculados a determinadas políticas públicas.
É possível, diz o professor, que esses recursos extras acabem sendo direcionados, no governo Bolsonaro, para projetos de departamentos de medicina e exatas.
Procurado pela BBC News Brasil, o MEC se limitou a dizer que "os recursos destinados a quaisquer áreas do conhecimento serão estudados de forma a priorizar aquelas que, no momento, melhor atendem às demandas da população".
Números levantados pela BBC News Brasil junto ao Inep mostram que os cursos de ciências sociais e humanas são os que mais concentram diversidade racial tanto em universidades públicas quanto privadas.
Citados especificamente pelo presidente Jair Bolsonaro como áreas que devem perder investimentos, os cursos de sociologia e filosofia têm 1 negro para cada 3 e 4 brancos respectivamente.
Já cursos de medicina e veterinária, mencionados pelo presidente como áreas que devem receber recursos por trazerem "retornos imediatos à sociedade", têm uma proporção de um negro para cada 16 brancos.
Para a diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Andreza de Souza Santos, o eventual corte de investimentos em cursos de ciências sociais e humanas traria como efeito de curto prazo um "embranquecimento" das universidades federais.
Fonte: BBC
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