Um Governo que dissemina pânico entre quem produz pesquisa no Brasil
Alastra-se o temor de que o corte das bolsas se estenda em breve àquelas já concedidas. Tudo é incerto
Lucas Bulgarelli
Desde o anúncio do corte de bolsas futuras de pesquisa pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na
semana passada, a medida já tem gerado seus efeitos pretendidos. O congelamento de mais de 3.000 bolsas
foi eficaz em elevar o tom do pânico patrocinado pela atual
administração federal em relação à produção acadêmica do conhecimento no
Brasil.
A
promessa de enxugar gastos em diversos ministérios poderia até soar
atraente, mas merece desconfiança quando firmada por autoridades que se
esforçam mal ao disfarçar a existência de viés ideológico no anúncio
sobre o corte de repasse a apenas determinadas universidades, como a
UnB, a UFF e a UFBA.
Tem sido devastador acompanhar relatos de amigos que
perderam renovação de bolsas de pós-doutorado. Amigos que se desdobravam
para manter suas pesquisas enquanto esperavam por bolsas de mestrado e
doutorado que seriam concedidas em breve e que foram informados de que
não há mais bolsas.
Apenas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo,
onde realizo o doutorado, houve o corte de nove bolsas da noite para o
dia. São projetos de uma vida, daqueles que conheço de perto, dentre
colegas negros e indígenas que finamente haviam conseguido chegar à USP
por meio de políticas de inclusão. Soube há pouco que foram recuperadas
graças à rápida ação do Programa e de sua secretaria. Isto porque, como
em grande parte dos casos, não são “bolsas ociosas”, ao contrário de
como foram classificadas pelo Ministério da Educação,
pois aguardavam os trâmites burocráticos para serem transmitidas a
novos ingressantes assim que os atuais beneficiários concluíssem suas
pesquisas.
Alastra-se o temor de que o corte das bolsas se estenda em
breve àquelas já concedidas. Tudo é incerto. A vagueza das declarações
oficiais a e inexistência de indicadores de impacto das ações tomadas
incide negativamente no debate público, substituindo fatos e dados por
bravatas. Até agora, não houve qualquer esclarecimento sobre quais
atividades desenvolvidas nas universidades são entendidas como
“balbúrdia” pelo Ministro da Educação.
Caso ocorra um apagão geral na pós-graduação brasileira,
isso tiraria o sustento, na mesmo momento, de cerca de 200.000
pesquisadores e pesquisadoras. Chegam aos montes os anúncios de freelas e
bicos vindos de amigos com mais de 10 anos de dedicação à pesquisa e à
docência. Em algumas universidades, o cenário é ainda mais sensível.
Desde a semana passada as aulas noturnas foram suspensas na UFBA, pois
não se pode garantir o pagamento do salário dos seguranças.
O que era ameaça se concretizou. O aumento de debates sobre
depressão e suicídio na pós-graduação é apenas parte das consequências
do sufocamento da atividade de pesquisa e docência superior. A evasão de
graduandos e pós-graduandos em 2019 ainda está para ser mensurada.
Entre futuros estudantes de ciências humanas e sociais aplicadas cresce o
receio de obter um diploma que o habilitará a uma profissão que já
virou ou pode virar alvo de ataques do presidente da República.
Pesquisas na área da saúde, como vacinas para o vírus Zika, podem ser interrompidas já no mês que vem caso o cenário não seja revertido.
Para o Ministério incumbido de zelar pela educação
brasileira, nós profissionais do ensino e da pesquisa somos todos
custos contingenciados sem previsão. Nossa resposta contra o desmonte da
ciência brasileira se dará nas ruas, longe das salas, núcleos e
laboratórios. Caso contrário, logo não sobrarão nem seus tijolos.
Lucas Bulgarelli é bacharel em direito (USP), mestre e doutorando em Antropologia Social (USP).
Fonte: DW
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