A importância da sociedade civil para evitar tragédias ambientais
Nádia Pontes
05.06.2019
A instalação de uma nova mina em Grão Mogol, no norte de Minas Gerais, espalhou preocupação pela cidade. Chamado de Bloco 8, o projeto proposto pela Sul Americana de Metais, subsidiária de uma empresa chinesa, prevê duas barragens de rejeitos para produção estimada em 120 milhões de toneladas por ano de minério de ferro.
Para conseguir mais detalhes sobre o empreendimento e informar a população, ainda abalada com as mais de 300 mortes causadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro deste ano, as organizações locais tiveram que vencer uma batalha.
"Por causa de novas regras, a nossa entidade, que tem uma atuação na cidade, não podia solicitar uma audiência pública", explica Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica.
Foi preciso pedir ajuda para outras entidades maiores no sul do estado. Só assim, a comissão em Grão Mogol conseguiu pedir formalmente um encontro público com a mineradora, em que os moradores possam fazer perguntas. A audiência ainda não tem data marcada.
Uma lei implantada em 2016 no estado pelo governo de Fernando Pimentel está por trás da dificuldade encontrada por Gonçalves. Promulgada pouco depois de o colapso da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton em Mariana ter causado a maior tragédia ambiental do país, em novembro de 2015, a lei 21.972 dificultou e diminuiu a participação da sociedade civil em conselhos decisórios.
"A consequência disso nós vimos em Brumadinho", comenta Maria Teresa Corujo, conselheira da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Ambiental de Minas Gerais. Questionando a pressa e a falta de informações suficientes sobre a segurança do projeto, ela foi a única a votar contra a licença que autorizou a ampliação do complexo da Vale em Brumadinho, em dezembro de 2018. Um mês depois, o estouro da barragem 1 de rejeitos matou mais de 300 pessoas.
Assinado uma semana antes do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira (05/06), um decreto do presidente Jair Bolsonaro é visto como "repeteco" do que aconteceu em Minas Gerais.
O texto, publicado em 29 de maio, reduziu a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), responsável por regras para licenciamento ambiental, multas, controle da poluição e da qualidade do meio ambiente em geral. O número de cadeiras do conselho foi reduzido de 96 para 23. Apenas quatro serão ocupadas por representantes da sociedade civil – antes eram 21.
Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), que já fez parte do Conama, o extinção de assentos para o Ministério da Saúde é um dos aspectos mais graves do decreto.
"A definição de parâmetros de qualidade ambiental do ar, da água, por exemplo, estão diretamente ligadas à saúde. Por outro lado, foram incluídos ministérios que estão ligados ao desenvolvimento e desconsideram a questão da saúde", argumenta.
Segundo a nova configuração do Conama, além do Ministério do Meio Ambiente, as decisões do conselho ficarão agora nas mãos da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional.
"As decisões que serão tomadas neste conselho seguirão quais interesses? É uma distorção grave", questiona Ramos.
A tentativa de exclusão da sociedade das decisões em torno das políticas públicas também é vista com gravidade por Jaime Gesisky, do WWF. Ele foi um dos primeiros a denunciar, em 2017, a manobra do governo de Michel Temer para liberar a chamada Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) para exploração, no meio da Floresta Amazônica. A tentativa mobilizou celebridades como Gisele Bündchen, e com a repercussão, Temer voltou atrás.
"Quando a população não tem acesso aos dados de forma transparente, os tomadores de decisão ficam muito confortáveis para fazer o que bem entendem, sem levar em consideração questões mais amplas da sociedade", comenta Gesisky.
Wagner Ribeiro, geógrafo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), acumulou várias experiências como membro do conselho municipal de meio ambiente. Numa das vezes em que se opôs a uma usina de incineração de lixo hospitalar, ainda na década de 1990, chegou a receber ameaças.
"É extremamente importante que diversas vozes estejam representadas", afirma sobre a composição de conselhos. "E a sociedade civil tem um papel importante, que é de fiscalização das ações do governo", adiciona.
Segundo a análise de Ribeiro, medidas do governo Bolsonaro tem tentado criminalizar entidades da sociedade civil, ou torná-las invisíveis. "Essa diminuição do Conama exclui do debate várias vozes importantes e é uma afronta à Constituição, que diz no artigo 225 que temos que usar bem o meio ambiente e pensar nas gerações futuras."
O artigo 225 da Constituição afirma que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Em Mariana, o promotor Guilherme Meneghim, que busca reparação para os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos em 2015, observa as mudanças no cenário com atenção. "Sem medidas de respeito ao artigo 225 da Constituição não vamos conseguir evitar desastres como o que aconteceu em Mariana", pontua.
"A participação social é muito importante, a sociedade pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento sustentável, sobretudo as comunidades afetadas por empreendimentos. Quando isso não acontece, os riscos de tragédias, sem dúvida, aumentam", opina.
Fonte: DW
Nádia Pontes
05.06.2019
Publicado às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente,
decreto de Bolsonaro reduziu participação da sociedade civil no Conama.
Para especialistas, medida pode resultar em novos desastres, como os de
Mariana e Brumadinho.
A instalação de uma nova mina em Grão Mogol, no norte de Minas Gerais, espalhou preocupação pela cidade. Chamado de Bloco 8, o projeto proposto pela Sul Americana de Metais, subsidiária de uma empresa chinesa, prevê duas barragens de rejeitos para produção estimada em 120 milhões de toneladas por ano de minério de ferro.
Para conseguir mais detalhes sobre o empreendimento e informar a população, ainda abalada com as mais de 300 mortes causadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro deste ano, as organizações locais tiveram que vencer uma batalha.
"Por causa de novas regras, a nossa entidade, que tem uma atuação na cidade, não podia solicitar uma audiência pública", explica Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica.
Foi preciso pedir ajuda para outras entidades maiores no sul do estado. Só assim, a comissão em Grão Mogol conseguiu pedir formalmente um encontro público com a mineradora, em que os moradores possam fazer perguntas. A audiência ainda não tem data marcada.
Uma lei implantada em 2016 no estado pelo governo de Fernando Pimentel está por trás da dificuldade encontrada por Gonçalves. Promulgada pouco depois de o colapso da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton em Mariana ter causado a maior tragédia ambiental do país, em novembro de 2015, a lei 21.972 dificultou e diminuiu a participação da sociedade civil em conselhos decisórios.
"A consequência disso nós vimos em Brumadinho", comenta Maria Teresa Corujo, conselheira da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Ambiental de Minas Gerais. Questionando a pressa e a falta de informações suficientes sobre a segurança do projeto, ela foi a única a votar contra a licença que autorizou a ampliação do complexo da Vale em Brumadinho, em dezembro de 2018. Um mês depois, o estouro da barragem 1 de rejeitos matou mais de 300 pessoas.
Assinado uma semana antes do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira (05/06), um decreto do presidente Jair Bolsonaro é visto como "repeteco" do que aconteceu em Minas Gerais.
O texto, publicado em 29 de maio, reduziu a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), responsável por regras para licenciamento ambiental, multas, controle da poluição e da qualidade do meio ambiente em geral. O número de cadeiras do conselho foi reduzido de 96 para 23. Apenas quatro serão ocupadas por representantes da sociedade civil – antes eram 21.
Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), que já fez parte do Conama, o extinção de assentos para o Ministério da Saúde é um dos aspectos mais graves do decreto.
"A definição de parâmetros de qualidade ambiental do ar, da água, por exemplo, estão diretamente ligadas à saúde. Por outro lado, foram incluídos ministérios que estão ligados ao desenvolvimento e desconsideram a questão da saúde", argumenta.
Segundo a nova configuração do Conama, além do Ministério do Meio Ambiente, as decisões do conselho ficarão agora nas mãos da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional.
"As decisões que serão tomadas neste conselho seguirão quais interesses? É uma distorção grave", questiona Ramos.
A tentativa de exclusão da sociedade das decisões em torno das políticas públicas também é vista com gravidade por Jaime Gesisky, do WWF. Ele foi um dos primeiros a denunciar, em 2017, a manobra do governo de Michel Temer para liberar a chamada Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) para exploração, no meio da Floresta Amazônica. A tentativa mobilizou celebridades como Gisele Bündchen, e com a repercussão, Temer voltou atrás.
"Quando a população não tem acesso aos dados de forma transparente, os tomadores de decisão ficam muito confortáveis para fazer o que bem entendem, sem levar em consideração questões mais amplas da sociedade", comenta Gesisky.
Wagner Ribeiro, geógrafo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), acumulou várias experiências como membro do conselho municipal de meio ambiente. Numa das vezes em que se opôs a uma usina de incineração de lixo hospitalar, ainda na década de 1990, chegou a receber ameaças.
"É extremamente importante que diversas vozes estejam representadas", afirma sobre a composição de conselhos. "E a sociedade civil tem um papel importante, que é de fiscalização das ações do governo", adiciona.
Segundo a análise de Ribeiro, medidas do governo Bolsonaro tem tentado criminalizar entidades da sociedade civil, ou torná-las invisíveis. "Essa diminuição do Conama exclui do debate várias vozes importantes e é uma afronta à Constituição, que diz no artigo 225 que temos que usar bem o meio ambiente e pensar nas gerações futuras."
O artigo 225 da Constituição afirma que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Em Mariana, o promotor Guilherme Meneghim, que busca reparação para os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos em 2015, observa as mudanças no cenário com atenção. "Sem medidas de respeito ao artigo 225 da Constituição não vamos conseguir evitar desastres como o que aconteceu em Mariana", pontua.
"A participação social é muito importante, a sociedade pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento sustentável, sobretudo as comunidades afetadas por empreendimentos. Quando isso não acontece, os riscos de tragédias, sem dúvida, aumentam", opina.
Fonte: DW
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