Por que empresários como Bill Gates defendem a cobrança de impostos sobre robôs
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Por que empresários como Bill Gates defendem a cobrança de impostos sobre robôs
DW
18/06/2019
Direito de imagemGetty ImagesRobô humanoide Sophia participa de conferências e já ganhou até cidadania saudita
"A automação
prejudicou as cidades industriais. Nesses lugares, o número de novos
matrimônios está caindo, o crime está aumentando, há um crescimento nas
mortes relacionadas a drogas, álcool e nos suicídios", diz Carl Frey.
O
pesquisador da Universidade de Oxford pinta um cenário deprimente do
que já foi o coração da indústria dos Estados Unidos, uma região
conhecida como "Rust Belt" ("cinturão da ferrugem"), que engloba
cidades como Flint, Detroit e Cleveland, consideradas em um passado não
tão longínquo as pontas de lança do crescimento da economia americana. Frey diz que os trabalhadores desses municípios estão perdendo a
guerra pelo emprego para os robôs, que se espalharam pelas linhas de
montagem e têm, cada vez mais, substituído a mão de obra humana. O
impacto do avanço da tecnologia sobre o mercado de trabalho e a
possibilidade de desemprego em massa como consequência da expansão da
automação nas fábricas e no setor de serviços tem levado políticos e
empresários como o cofundador da Microsoft Bill Gates a defender que o
Estado intervenha para evitar o pior.
Quais os argumentos contra e a favor nesse debate?
Duplo impacto sobre as contas públicas Trabalhadores
sem emprego não pagam os impostos que incidem sobre a folha e, em
muitos países, também têm direito a receber benefícios como seguro
desemprego. Ou seja, têm peso duplo sobre as finanças públicas. Nos
EUA, para se ter ideia, 48% da arrecadação federal vem da cobrança de
impostos sobre a renda e 35%, de contribuições sociais. Apenas 9% vêm da
tributação de pessoa jurídica. É por isso que, para compensar a
perda de receita decorrente do desemprego estrutural causado pela maior
automação da indústria americana, muitos especialistas defendem a
criação de um "imposto sobre robôs".
Os dois lados do avanço tecnológico
Se,
historicamente, o avanço da ciência e da tecnologia deu origem a ganhos
de produtividade que elevaram os salários e tornou mais fáceis serviços
pesados nas fábricas e nas residências, ele também contribuiu para o
desaparecimento de funções que passaram a ser desempenhadas pelas
máquinas. Direito de imagemGetty ImagesCaminhões autônomos vêm sendo testados em algumas regiões da China
A primeira Revolução Industrial, por exemplo,
permitiu que a humanidade dependesse menos da energia da tração animal.
Já a segunda consistiu no uso massivo de eletricidade e da produção em
larga escala. A era dos computadores, por sua vez, proporcionou a
difusão mais rápida da informação e possibilitou a adoção de ferramentas
mais eficientes pelas empresas. A quarta Revolução Industrial -
associada à inteligência artificial e a robótica - tem potencial para
transformar completamente os sistemas de produção, de gestão e
governança das organizações. O escopo, a velocidade e a intensidade das mudanças não têm precedentes na História.
Efeitos adversos
Segundo
os cálculos de Frey, em 2013, quase 50% dos postos de trabalho nos
Estados Unidos estariam em risco nos 30 anos seguintes devido ao avanço
da robótica e da inteligência artificial. Essas seriam vagas
perdidas não apenas da indústria, mas também no setor de serviços, em
posições que vão de escriturários a motoristas de caminhão. "Nós
ainda não sentimos os efeitos adversos da automação, assim como já
observamos os impactos negativos da globalização, por exemplo.
Motoristas de caminhão não podem ser terceirizados na China, mas podem
ser automatizados", disse o especialista no programa Business Daily, da
BBC World Service. Um imposto "sobre robôs" poderia eventualmente driblar esses efeitos negativos?
Da ideia à prática
Dois
anos atrás, o bilionário e cofundador da Microsoft Bill Gates comentou,
em entrevista para o site Quartz, sobre a ideia de se tributar a
automação. Direito de imagemGetty ImagesOs robôs já substituíram mão de obra humana em fábricas em todo o mundo
"Certamente haverá algum tipo de imposto relacionado
à automação. Hoje, um trabalhador que receba, digamos, US$ 50 mil em
uma fábrica, paga impostos sobre a renda, paga contribuição social,
essas coisas. Se um robô começa a desempenhar a mesma função, seria
natural se pensar que ele seria tributado em um patamar semelhante",
afirmou o empresário. O bilionário da tecnologia Elon Musk também
já se manifestou a favor do imposto, sob o argumento de que os recursos
poderiam ser canalizados para a Saúde e Educação ou mesmo garantir uma
renda mínima para todos os cidadãos. Mas como cobrar um imposto como esse? Direito de imagemGetty ImagesOs robôs têm ficado mais inteligentes e criativos - como este da imagem, capaz de desenhar
"Você não precisa ir até as empresas para atestar a
presença física dos robôs. Você pode ter um tributo que incida sobre
automação e que seria pago especialmente por aqueles negócios com baixo
nível de geração de empregos. Em paralelo, o governo deveria reduzir a
tributação sobre o trabalho em si (para fomentar as contratações)",
defende Ryan Abbott, professor de Direito e Serviços de Saúde da
universidade britânica de Surrey. Como outros colegas, ele não
advoga apenas pela cobrança de impostos sobre os robôs humanoides - mas
pela tributação de forma mais ampla da inteligência artificial. Os
que defendem a criação do imposto afirmam que o incremento na
arrecadação poderia financiar, por exemplo, programas de requalificação
e, assim, reduzir as probabilidades de que haja uma ruptura mais
violenta na sociedade catalisada por uma situação de desemprego em
massa, por exemplo. "A competição é desleal. Os robôs hoje têm
uma grande vantagem em termos tributários. Quando as empresas decidem
adotar processos automatizados, eles economizam um volume enorme em
tributos. Isso por si só é um incentivo para eles substituírem mão de
obra humana por máquinas", acrescenta.
O exemplo da Coreia do Sul
É isso que a Coreia do Sul está fazendo. Em
2017, tornou-se o primeiro país a colocar um limite para dedução de
impostos para empresas automatizadas para tentar diminuir o ritmo do
impacto negativo do avanço da tecnologia sobre o mercado de trabalho. Direito de imagemGetty ImagesNão é apenas nas fábricas: avanço da tecnologia vem
criado robôs que substituem trabalhadores do setor de serviços, como
recepcionistas
Na União Europeia, uma proposta para instituir um
"imposto sobre robôs" foi recentemente derrotada no Parlamento Europeu.
Os legisladores preferiram trabalhar em um texto para regulamentar a
disseminação da automação no setor produtivo. O tema também vem
ganhando os holofotes nos EUA. O pré-candidato democrata às eleições
presidenciais Andrew Yang propõe, por exemplo, a tributação sobre
automação para financiar uma renda básica universal. "Cerca de 3%
da população trabalha no setor de transportes. O escopo potencial da
automação e dos veículos autônomos deve causar uma perturbação social
ainda maior. Requalificar e garantir benefícios sociais (àqueles que
serão negativamente impactados pelas mudanças) é algo necessário. Se o
governo não tiver recursos suficientes para financiar tudo isso, os
problemas serão ainda piores", afirma Ryan.
Incentivo para a 'terceirização'
Mas nem todo mundo concorda. Direito de imagemGetty ImagesRobôs também são empregados em trabalhos que envolve alto risco, como a retirada de minas terrestres
"Tributar robôs não é uma solução porque as grandes
empresas vão acabar levando suas unidades para outros lugares para
evitar pagar mais impostos. Apenas as pequenas e médias vão ser
prejudicadas", argumenta Janet Bastiman, da empresa de tecnologia Story
Stream. "As pessoas estão migrando para outras áreas, não
necessariamente no setor industrial. A rentabilidade das empresas está
aumentando e isso poderia ser tributado", acrescenta. Cobrar
impostos sobre robôs e sobre sistemas que funcionam com inteligência
artificial, ela diz, "vai impedir que as pessoas continuem fazendo
coisas novas". Ulrich Spiesshofer, ex-CEO da empresa suíça de
engenharia ABB, também não está convencido sobre a necessidade de se
tributar a automação. "Se você olhar para economias com os menores
níveis de desemprego no mundo e correlacionar esses indicadores com a
robótica verá que Alemanha, Japão, Coreia do Sul têm os maiores níveis
de robotização, com mais de 300 robôs para cada 10 mil trabalhadores, e
as menores taxas de desemprego", disse, em resposta à ideia de Bill
Gates. "Robotização e automação, riqueza e prosperidade andam lado a lado", acrescentou em entrevista ao canal CNBC em 2017. Críticos
afirmam, entretanto, que a tecnologia permitiu que as classes mais
privilegiadas acumulassem ainda mais patrimônio, enquanto dividiam uma
parcela marginal da riqueza gerada pelos avanços com as massas.
Destruição de empregos
Um
processo mais amplo de corte de vagas influenciado pelo avanço da
tecnologia ainda está por acontecer, mas nem tudo está perdido. Direito de imagemGetty ImagesO motor a vapor substituiu a tração animal na indústria
Embora Carl Frey mantenha a estimativa feita em
2013, uma projeção divulgada no ano passado pela consultoria PwC apontou
que, no Reino Unido, a destruição de postos de trabalho pela automação
será compensada pela criação de vagas em outras áreas. Um exemplo nesse sentido pode ser encontrado no mundo do esporte. Críquete
e futebol têm usando a tecnologia para esclarecer os lances que, até
pouco tempo, eram definidos apenas pelo julgamento do árbitro e de
outros profissionais em campo. O emprego da tecnologia contribuiu
para melhorar a qualidade das tomadas de decisão e eliminar o erro
humano - sem, entretanto, acabar com a função de bandeirinhas, árbitro e
juiz. Pelo contrário, esse movimento criou novas posições, de
árbitros que ficam fora do campo e a técnicos que configuram e fazem
manutenção nas máquinas. A eliminação de vagas no chão de fábrica, claro, é outra história. Não
há consenso político a respeito do impostos sobre robôs, mas políticos
têm cada vez mais considerado essa modalidade como um caminho para lidar
com as mudanças trazidas pelo avanço da tecnologia.
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