quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Funcionários da Boeing criticam 'arrogância' da empresa

Funcionários da Boeing criticam 'arrogância' da empresa


 
AFP/Arquivos / Jason Redmond Logo da Boeing em fábrica de Renton, Washington, em 12 de março de 2019

Desdém pelos reguladores, companhias aéreas e seus próprios colegas, desprezo pela segurança: mensagens embaraçosas dos funcionários da Boeing oferecem um retrato pouco lisonjeiro da fabricante de aeronaves e de uma cultura interna marcada pela "arrogância" e a preocupação de reduzir custos.
Essas comunicações apresentadas na quinta-feira mostram que as dificuldades atuais da Boeing vão além do 737 MAX, destacando falhas inimagináveis em uma empresa que fabrica o avião do presidente americano, o Air Force One, e que democratizou o transporte aéreo.
As mensagens mostram como a Boeing minimizou a importância do sistema de estabilização MCAS para evitar o treinamento de pilotos em um simulador devido ao custo mais alto desse procedimento e à alta probabilidade de prolongar o tempo para certificação do MAX.
No entanto, foi este software que esteve envolvido nos dois acidentes, da Lion Air e da Ethiopian Airlines, que mataram 346 pessoas e causaram a imobilização dos 737 MAX.
"Precisamos nos manter firmes de que não haverá treinamento em simulador. (...) Vamos lutar contra qualquer regulador que tente torná-lo um pré-requisito", escreveu um funcionário a seu colega em março de 2017, pouco antes da certificação do MAX.
Alguns meses depois, o mesmo funcionário, piloto de testes, se orgulhou de ter "permitido (a Boeing) economizar montanhas de dólares".
Suas mensagens foram incluídas nos documentos, que datam de 2013 a 2018, transmitidos aos legisladores americanos pela Boeing e consultados pela AFP.
Com poucas exceções, a maioria dos nomes dos funcionários foi excluída.
- Corte de custos -
Em 2018, vários funcionários que trabalharam nos simuladores do MAX manifestaram preocupação com as dificuldades técnicas encontradas.
"Você colocaria sua família em um simulador MAX? Eu não faria isso", escreveu um deles em fevereiro, oito meses antes da primeira tragédia. "Não", respondeu um colega.
Dois outros funcionários denunciaram que seus gerentes pareciam obcecados com a idéia de equiparar-se ao Airbus A320Neo, de acordo com os documentos.
"Todas as mensagens falam de cumprir prazos e fazem pouca menção à qualidade", lamentou um deles.
"Entramos nessa confusão por conta própria, escolhendo um subcontratado de baixo custo e impondo prazos insustentáveis. Por que o subcontratado de baixo custo menos experiente ganhou o contrato? Simplesmente porque era uma questão de dólares", continuou seu colega.
"Pedir desculpas não será suficiente", disse Robert Clifford, advogado das famílias de vítimas da Ethiopian Airlines.
- "Ridículo" -
Os documentos também mostram que os funcionários da Boeing tinham dúvidas sobre as habilidades dos engenheiros da empresa. "Este avião é ridículo", disse um em setembro de 2016.
No entanto, a Boeing é sinônimo há décadas de inovação em engenharia. Fama devida, sobretudo, ao 747, apelidado de "a rainha do céu", bem como uma participação no programa Apollo que enviou o primeiro homem à Lua.
O gigante de Seattle e sua rede de terceirizados são gigantes da economia americana.
"É um problema cultural. Levará entre 5 e 12 anos para mudar a cultura", escreveu um funcionário em maio de 2018. "É sistêmico", disse outro um mês depois.
"Temos uma equipe de gerentes que entendem muito pouco sobre o setor, mas impõem objetivos irrealistas", acrescentou.
Michel Merluzeau, especialista da Air Insight Research, acredita que "a Boeing precisa reexaminar uma cultura operacional de outra época".
"Esses documentos não refletem o melhor da Boeing. O tom e a linguagem das mensagens são inadequadas, especialmente quando se trata de questões tão importantes", disse Greg Smith, diretor interino da empresa, em uma carta aos funcionários e consultada pela AFP.
As comunicações também afetam os reguladores, começando pela Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA), que aprovou o MAX.
"Não há certeza de que a FAA entenda o que aprova", ironizou um funcionário em fevereiro de 2016.
Mostrando sinais de lucidez, outro concluiu em fevereiro de 2018: "Nossa arrogância será nossa queda".

Fonte: AFP

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