A jovem cientista da escola pública que chegou onde nenhum brasileiro chegou
Premiada
aos 19 anos, Juliana Estradioto desenvolveu um plástico a partir da
casca da macadâmia e ganhou um asteroide para chamar de seu. “Devemos
nos inspirar nas mulheres que estão à nossa volta, como amigas e
professoras", diz
Marina Rossi
São Paulo - 06 mar 2020 - 20:19BRT
Foi
graças à casca do maracujá que a estudante Juliana Estradioto, 19,
viajou de avião pela primeira vez. Em 2017, ela saiu de Osório, um
pequeno município de 45.000 habitantes no Rio Grande do Sul, para ir até
São Paulo apresentar seu projeto científico:
um plástico biodegradável feito a partir dos restos da fruta. Da
primeira viagem de avião para cá, Juliana desenvolveu outros projetos,
ganhou prêmios, viajou para a Suécia, onde participou da entrega do
prêmio Nobel, patenteou outra descoberta e entrou na universidade. Tudo
na velocidade de um asteroide. Talvez o seu próprio, já que ela é a
única brasileira a ter um asteroide com seu nome, fruto de um prêmio internacional que recebeu por suas descobertas.
Formada
no Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação do Rio Grande do
Sul (IFRS), ela acredita que sua trajetória numa instituição pública
de referência fez toda a diferença para chegar onde chegou. “Se eu não
tivesse estudado em uma escola que tem como pilares o incentivo à
pesquisa e à extensão, acho que talvez nem soubesse que dava para fazer
pesquisa no ensino médio”, disse, por telefone, ao EL PAÍS. “Tive
oportunidades lá que nem na escola privada eu acho que teria”, afirmou,
enquanto preparava a mudança para Porto Alegre. Na capital, ela dará
início ao curso de Engenharias de Materiais na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). “Sou apaixonada por laboratórios”, conta.
Sua
trajetória nas instituições públicas são parte da resistência formada
por estudantes e pesquisadores, frente a uma série de ataques à ciência e
à academia, além dos cortes em série dos últimos anos.
“Eu tinha muita esperança de quando eu fosse para a universidade as
coisas fossem melhorar, mas estamos vivendo uma globalização da falta de
valorização da ciência”, diz. Ainda assim, ela se diz otimista. “Meu
maior sonho é que todo jovem brasileiro tenha oportunidade de fazer pesquisa como eu tive. Espero, no futuro, fundar uma instituição só para mim.”
Por enquanto, ela se dedica, além dos estudos e descobertas, aos seus projetos próprios. O Meninas Cientistas,
uma rede dedicada a dar visibilidade para meninas que fazem pesquisa, é
um deles. “Quando eu ganhei o prêmio jovem cientista, em 2018, recebi
muitas mensagens de pessoas falando que não sabiam que meninas faziam pesquisa na escola”, diz. “E isso me incomodou muito, porque eu sei que elas existem, eu conheço muitas meninas que fazem pesquisa”.
Por isso, ela diz acreditar que se não fosse menina, tudo seria diferente. “Já no fundamental eu gostava de matemática,
mas sentia que faltava estímulo”, conta. “Quando entrei no ensino
médio, eu podia me inscrever no curso de informática ou administração,
mas escolhi administração porque achava que informática não era para menina.
Hoje vejo que teria sido muito útil estudar informática". Mas foi
também na escola que ela conheceu a professora que a incentivou por
todos os anos. "Na escola, me voluntariei num projeto de pesquisa ao
perceber a quantidade de resíduos que agricultores aqui do litoral
geravam para produzir geleias de frutas e vender nas feiras”. Foi então
que, da casca do maracujá que ia para o lixo, Juliana criou a resina
biodegradável que virou prêmio. “Minha professora, a Flávia Twardowski,
sempre me incentivou. Além da minha mãe, que sempre me inspirou”, conta.
“Devemos nos inspirar nas mulheres que estão à nossa volta, como amigas e professoras, não somente em nomes poderosos e conhecidos”.
Filha
de mãe professora e pai aposentado por invalidez, Juliana é a filha
caçula do casal, que tem mais um filho. Quando criança, preferia subir
em árvores a fazer experimentos científicos. “Quando eu era criança, não
me imaginava como cientista, porque tinha aquele estereótipo de que cientista é velhinho
de cabelo branco”, conta. Hoje, ela aguarda para saber qual é o
asteroide que enfim carregará seu nome, fruto de um prêmio para jovens
cientistas em parceria com do prestigioso MIT,
o Instituto de Tecnologia de Masachusetts . “Espero para saber onde ele
está localizado”, diz. “Mas eu já sei que ele não vai cair nos próximos
100.000 anos, então eu não vou ser a causa de nada”, conta, rindo.
Do maracujá à macadâmia
Após
o desafio do maracujá, foi graças a uma outra casca, desta vez a da
macadâmia, que Juliana foi ainda mais longe: ganhou uma viagem à Suécia,
onde participou, no ano passado, da entrega do prêmio Nobel.
Para chegar lá, ela uniu uma condição pessoal —ser vegetariana— a uma
demanda que partiu do Instituto Federal do Espírito Santo: pensar em uma
alternativa para o uso da casca da macadâmia, que normalmente vai para o
lixo. “Eu nem sabia direito o que era macadâmia, só sabia que tinha no
cookie do Subway, porque não é algo acessível”, conta. Mas, ao receber
da professora o pedido de uma solução, logo se colocou a pensar. “Sou vegetariana
e estava procurando uma alternativa ao couro que não fosse sintética.
Vi que existia uma jaqueta feita a partir de uma fibra produzida por
microrganismos e achei incrível”, diz. “Juntei então a casca da
macadâmia aos microrganismos, que se alimentam dela e produzem uma
membrana, parecida com o plástico”.
O projeto foi
patenteado no ano passado. De acordo com sua criadora, a membrana não
será usada somente para vestimentas, mas em outras áreas, como na medicina, sendo parecida com a pele e veias artificiais.
Além disso, a descoberta lhe rendeu a viagem internacional e uma
campanha inusitada no ano passado. Para participar da cerimônia do
Nobel, ela precisava de um vestido. “Eu não tinha uma roupa chique para
ir à entrega do Nobel. As pessoas então começaram a me escrever querendo
me ajudar”, lembra.
No final, ela ganhou um vestido de
uma loja da sua cidade, Osório, e foi. “Um dia antes da entrega do
Nobel, apresentamos nossos trabalhos a outros jovens. Aquele foi um dos
melhores dias da minha vida", diz. “No dia seguinte, na cerimônia, um
dos premiados com o Nobel disse que nós éramos o futuro da ciência. E
para fechar com chave de ouro, nevou. Eu nunca tinha visto a neve. É
claro que eu chorei, né?”.
Fonte: El País
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