De morcegos a pangolins: como vírus chegam até o ser humano?
Estudos apontam pangolins como o elo mais provável
entre o Sars-Cov-2 e humanos. Mas, assim como no caso de outros
patógenos, a provável origem do novo coronavírus está em morcegos.
Charli Shield (fa)
31.03.2020
O pangolim, cobiçado pela medicina tradicional chinesa, é um dos animais mais traficados no planeta
Enquanto diversos países lutam para conter a pandemia do novo
coronavírus, o Sars-Cov-2, que já matou dezenas de milhares de pessoas,
provocou o fechamento de fronteiras e uma crise mundial, cientistas
tentam descobrir como exatamente o surto começou.
Um estudo publicado no dia 26 de março pela revista científica Nature
sugere que o pangolim – um mamífero que se assemelha ao tatu-bola e é
vítima do tráfico ilegal de animais selvagens – seria o elo mais
provável entre o Sars-Cov-2, morcegos e humanos.
Enquanto as
especulações iniciais apontavam para frutos do mar, cobras e morcegos da
província de Yunnan, no sudoeste da China, pesquisadores de Hong Kong,
da China e da Austrália descobriram que as sequências genéticas de
coronavírus em pangolins são 85,5% a 92,4% idênticas ao novo
coronavírus. Isso significa que, antes de chegar aos seres humanos, o
vírus provavelmente foi transmitido de morcegos para o pangolim.
Mais
de 39 mil pessoas já morreram em decorrência do novo coronavírus,
detectado pela primeira vez em dezembro de 2019 em Wuhan, na China.
O que os morcegos têm de diferente
Não
é a primeira vez que o mundo testemunha um surto de um vírus
transmitido por morcegos. Acredita-se que o ebola tenha se originado em
morcegos, assim como dois outros tipos de coronavírus – o Sars-Cov, que
surgiu na Ásia em 2003 após ser transmitido de morcegos para civetas e
depois para humanos, e o Mers-Cov, que infectou cerca de 2.500 pessoas
desde 2012, após ser transmitido de camelos para humanos.
Considerando
o tamanho e a disseminação da população de morcegos, o papel do
mamífero em tais surtos não é necessariamente surpreendente, comenta Yan
Xiang, professor de virologia da Universidade do Texas. O morcego é o
segundo mamífero mais comum depois dos roedores, representando quase 20%
de todas as espécies de mamíferos. Existem mais de 1.300 espécies de
morcegos, e alguns deles podem viver até 40 anos.
Especialistas acreditam que a particularidade do sistema imunológico do morcego o permite abrigar tantos vírus
Especialistas
acreditam que o peculiar sistema imunológico do morcego faz com que ele
seja capaz de abrigar tantos vírus. Xiang afirma que os cientistas
"ainda não têm uma visão completa" do sistema imunológico dos morcegos e
aponta dois elementos-chave para a resposta imune do mamífero, a
chamada "imunidade inata": as altas temperaturas corporais e os altos
níveis da proteína interferon, que induz um estado de resistência
antiviral.
O morcego é o único mamífero com capacidade de voar, o
que aumenta a temperatura corporal e a taxa metabólica do animal,
colocando-o em constante estado "febril". Alguns cientistas acreditam
que os morcegos suprimiram o seu sistema imunológico para compensar
isso, o que os tornaria tolerantes a mais vírus.
Hospedeiros intermediários
Os
coronavírus são doenças virais zoonóticas, ou seja, que podem se
espalhar entre animais e humanos. O vírus passa por uma série de
mutações genéticas no animal, o que o permite infectar seres humanos e
se multiplicar. Embora haja evidências de que o novo coronavírus tenha
se originado em morcegos, isso não significa que foi transmitido
diretamente de morcegos para humanos.
Os pesquisadores envolvidos no estudo da Nature sugerem
que as diferenças biológicas entre morcegos e humanos indicam que é
provável que o novo coronavírus precise passar por outro mamífero para
se multiplicar ou sofrer mais mutações antes de chegar aos seres
humanos.
"O vírus provavelmente não foi capaz de infectar
humanos diretamente através de morcegos, então, teve que passar por um
animal intermediário para sofrer mais mutações e infectar humanos",
disse Xiang à DW. No caso de coronavírus anteriores, civetas e camelos
atuaram como os hospedeiros intermediários.
A ligação entre o
novo coronavírus e os pangolins foi sugerida anteriormente por um estudo
realizado no início de fevereiro por pesquisadores da Universidade
Agrícola do Sul da China, que analisaram mais de mil amostras de animais
selvagens.
Xiang comenta que as evidências para essas alegações
já existiam em um artigo publicado em outubro de 2019, que afirma ter
detectado a presença de coronavírus em sequências genômicas de pangolins
doentes contrabandeados da Malásia para a China.
Embora exista
uma forte semelhança entre os coronavírus encontrados nos pangolins e o
Sars-Cov-2, mais pesquisas são necessárias para estabelecer exatamente
como o vírus foi transmitido do animal para os seres humanos.
Mecanismo de defesa humana
Embora
seja difícil prever a devastação que tais pandemias podem causar,
Stuart Neil, diretor de virologia do King's College London, na
Inglaterra, diz que surtos como esse "não acontecem com muita
frequência".
"Provavelmente estamos expostos a vírus de outras
espécies com muito mais frequência do que novos vírus vindos de
animais e essas epidemias sustentadas", disse ele à DW.
A razão
para isso, explica Neil, são nossos "mecanismos de defesa intrínsecos".
Ele explica que não existe um vírus inerentemente mortal, porque o que
pode ser inofensivo para uma espécie, como provam os inúmeros
coronavírus que circulam em morcegos, pode ser mortal para outra.
"Depende
inteiramente dos mecanismos de defesa das espécies hospedeiras e se
elas podem viver em harmonia com o vírus ou não", comenta Neil.
Porém, epidemias
estão se tornando mais prováveis à medida que o ser humano invade os
habitats de animais selvagens, aponta o pesquisador. "Os humanos são
expostos a vírus como este pela maneira como se comportam e interagem
com os animais."
Fonte: DW
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