Boa notícia: um passo a mais para a detecção precoce do câncer com exame de sangue
Estudo publicado na revista ‘Science’ mostra as possibilidades de uma técnica para descobrir tumores assintomáticos
Daniel Mediavilla
30 abr 2020 - 13:01 BRT
Sabe-se que, se viver o suficiente, uma pessoa terá muitas chances de desenvolver um tumor. E também é conhecido que, se for detectado a tempo, quando ainda está localizado, as probabilidades de sobrevivência são imensamente superiores do que quando a metástase já colonizou órgãos além do de origem. Por isso, um dos principais esforços na luta contra o câncer é a melhora do diagnóstico precoce, que deve aspirar também a outro equilíbrio: não nos transformar a todos em doentes preventivos e evitar o tremendo estresse dos falsos positivos.
Nesta semana em que os testes de diagnóstico parecem uma necessidade humana básica, a revista Science
publica os resultados de um grande experimento que trata de melhorar o
diagnóstico de câncer através de exames de sangue. Pela primeira vez na
história, um grupo de pesquisadores dos EUA, liderados pelo Centro Oncológico Kimmel da Universidade Johns Hopkins,
em Baltimore, demonstrou ser possível utilizar um exame de sangue para
detectar tumores em pessoas assintomáticas e que nunca tiveram a doença
diagnosticada anteriormente. Em um estudo iniciado em 2016 e no qual
foram acompanhadas 9.900 mulheres, detectaram-se 26 tumores, em alguns
casos permitindo a aplicação de tratamentos com potencial curativo.
O
que fazem essas biópsias líquidas é procurar no sangue rastros de
mutações frequentes associadas a determinados tumores. Depois, para
confirmar de forma independente a existência de um tumor e sua
localização, os autores do trabalho aplicaram técnicas de diagnóstico
por imagem PET/TC. “Por exemplo, poderíamos detectar um câncer de pulmão
com a análise de sangue e depois [o PET/TC] nos diria em que pulmão se
encontra, seu tamanho e se há c. A análise de sangue por si só não nos
daria uma informação tão precisa”, diz Nickolas Papadopoulos, coautor do
estudo e oncologista da Johns Hopkins. Com esta comprovação, também se
reduziriam as chances de falsos positivos.
Os exames de
sangue permitiriam a detecção de tumores que hoje têm sistemas de
detecção precoce efetivos, como os de cólon ou mama, e outros que não
contam com este tipo de detecção adiantada, como os linfomas,
o câncer de apêndice, uterino, de tireoide, rim, ovário e os de origem
desconhecida. A sensibilidade, porém, permitiria detectar menos de um
terço dos tumores, algo que deixa este sistema ainda distante de sua
aplicação clínica, segundo Rodrigo Dienstmann, pesquisador principal do
Grupo Oncology Data Science (ODysSey) do VHIO de Barcelona, que não
participou do estudo.
“Nesse trabalho, estudam nove
proteínas associadas à presença de câncer e se uma está mais alterada,
repetem o teste para procurá-la com mais sensibilidade. Se voltam a
detectá-la, fazem a tomografia para identificar a origem da alteração.
Caso se comece diretamente com a tomografia, podem ser detectadas
alterações que não são câncer e não são importantes e é gerada uma
ansiedade desnecessária nas pacientes”, diz Dienstmann. O pesquisador do
VHIO destaca a qualidade do estudo, mas também aponta suas
deficiências. “É um trabalho que começou há 4 anos, a tecnologia não era
tão avançada e tem um programa de sensibilidade, porque deixa escapar
mais de dois a cada três tumores”, indica. “O CancerSEEK
[um estudo que começou depois, mas que era de menor tamanho e publicou
seus resultados antes, em 2018] tinha sensibilidade de 70%”, acrescenta.
A
aplicação dessa técnica na medicina ainda precisa de amplos estudos que
permitam demostrar que detecta uma porcentagem de tumores muito maior e
que essa detecção torna possível aplicar tratamentos que prolonguem a
vida dos pacientes. O potencial dessa tecnologia seria enorme do ponto
de vista terapêutico e empresarial, como evidencia a ampla declaração de
interesses dos autores, quase todos consultores e diretores de empresas
que pretendem explorar esses avanços.
Para tentar aumentar a sensibilidade de testes como o apresentado na Science,
Dienstmann afirma que já estão sendo feitos estudos que incorporam
outros sinais da presença de tumores como “marcadores de metilação e
aneuploidia, que avisam da presença de um câncer com pequena quantidade de DNA
no sangue”. Por enquanto, no dia a dia dos oncologistas, a aplicação da
biopsia líquida é útil para acompanhar pacientes que já se sabe que têm
câncer e que, pelo tamanho dos tumores já manifestados, podem ser
detectados com a tecnologia disponível. A presença de determinadas
mutações pode ajudar a ajustar o tratamento mais adequado e a ausência
de DNA tumoral pode ser o sinal de que uma cirurgia para extirpar um
câncer foi bem sucedida. Tecnologias como a desenvolvida pela equipe da
Johns Hopkins estão se aproximando do consultório médico, mas ainda não
chegaram.
Fonte: El País
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