Medicamentos contra o coronavírus. Muita pesquisa, mas pouca ciência na aplicação
Estudos
básicos se aliam aos testes clínicos para demonstrar a eficiência e
segurança de remédios usados para outras doenças, mas que poderiam
servir para a Covid-19
Daniel Mediavilla
15 abr 2020 - 15:56 BRT

“Há muitas dúvidas. Cada vez temos mais claro que os antivirais poderiam ser úteis
nas fases iniciais. Não sabemos qual deles é eficaz, mas provavelmente
sejam pouco úteis em fases avançadas, quando prepondera uma resposta
inflamatória exagerada do hospedeiro. Nesse momento, em pacientes bem
selecionados, parecem ser mais necessários fármacos imunossupressores,
mas ainda não temos evidências clínicas sólidas.” Jesús Rodríguez Baño,
chefe de Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Virgem
de la Macarena, em Sevilha (Espanha), resume em uma mensagem a situação
que muitos médicos e pesquisadores enfrentam diante do novo coronavírus. Utilizam fármacos que já mostraram sua utilidade em outras infecções ou em determinadas doenças na qual é importante a regulação do sistema imunológico, mas que ainda não tiveram sua eficácia contra a Covid-19
testada em estudos mais amplos. Entre o estresse e a incerteza, esses
profissionais buscam acumular informação útil ao mesmo tempo em que
tentam salvar o maior número possível de vidas.?
envolvidos em pesquisa básica, que até recentemente não imaginariam que
suas descobertas pudessem chegar tão rapidamente aos hospitais. Mas os
tempos mudaram. Recentemente, uma equipe de pesquisadores liderada por
José Ordovás-Montañés, do Hospital Infantil de Boston e da Escola de
Medicina de Harvard, liberava o rascunho de um artigo que está em
revisão para ser publicado na revista Cell onde podem ser encontradas as chaves para tratar melhor milhares de pessoas afetadas pelo coronavírus no mundo.
“Estamos
vendo que muitas decisões sobre os tratamentos para esta doença se
baseiam, na melhor das hipóteses, em pouquíssima ciência. As pessoas
querem aplicar algo o quanto antes possível”, observa Ordovás-Montañés.
“É o caso da hidroxicloroquina,
que parecia funcionar observando resultados de um ensaio não controlado
em pacientes que de todas maneiras iriam melhorar”, continua. “Nós
queríamos entender como o vírus entra no organismo, que células ele pode
infectar e quais não, o que faz que alguns casos piorem a partir de
certo ponto, ou por que tem gente que se infecta, mas não tem nenhum
sintoma”, acrescenta.
Ao tentar desvendar os truques que o
SARS-CoV-2 utiliza para assaltar as células humanas, os cientistas
analisaram os locais onde se expressam mais as proteínas ACE2 e a enzima
TMPRSS2. Essas proteínas têm papéis imprescindíveis para nossa
fisiologia e o funcionamento dos pulmões, mas também servem ao novo
coronavírus para atacar o organismo. Em fevereiro deste ano, grupos de
todo o mundo averiguaram que o novo coronavírus tem uma técnica de sequestro das células similar ao vírus causador da SARS em 2003.
A
equipe de Ordovás-Montañés observou que os lugares onde havia uma maior
expressão das duas proteínas eram as células nasais, algumas do
intestino e sobretudo dos pulmões, algo que explica os sintomas da Covid-19.
Entretanto, a análise de células individuais mostrou que,
diferentemente da SARS e da gripe, que contagiam um maior percentual de
células, o novo vírus só afeta algumas poucas de cada tecido. “Isto
poderia explicar por que este vírus, ao contrário daqueles anteriores,
permite que você continue infectado, mas sem sintomas alarmantes durante
um tempo, contagiando mais gente”, afirma o pesquisador. Na opinião
dele, conhecer em detalhes quais células são infectadas e por que
poderia ajudar a escolher tratamentos mais específicos e eficazes.
A forma de infectar do novo coronavírus, mais seletiva que a gripe, permite que os doentes sigam com vida normal e contagiem antes de terem sintomas fortes
Além destes conhecimentos
fundamentais sobre a natureza da infecção pelo SARS-CoV-2, os resultados
de Ordovás-Montañés e seus colegas têm implicações pelo efeito dos
interferons sobre a ACE2 e sua coenzima. Os interferons, proteínas cruciais na reação imunológica às infecções,
são usados quando não existe uma vacina ou um antiviral. Serviam, por
exemplo, contra a hepatite C antes de haver tratamentos eficazes contra o
vírus, e foram usados também contra o novo vírus, mas na falta de
ensaios controlados não se sabe se ajudaram, pioraram ou não fizeram
nada. Os dados do estudo que a Cell está avaliando sugerem que administrar interferon a um paciente aceleraria a produção das duas proteínas que servem de porta de entrada ao coronavírus, facilitando a invasão, mas também protegendo o tecido, numa autêntica corrida armamentista.
A
5.500 quilômetros de Boston, no Hospital Universitário Ramón y Cajal,
de Madri, Luisa Villar, chefe de Imunologia da instituição, se alegra em
conhecer os resultados de Ordovás, porque corroboram sua experiência
das últimas semanas. “Os interferons tipo 1, como o alfa e o beta, têm
um possível efeito antiviral e se considera seu uso em infecções como
esta, mas nossos dados indicavam que os resultados não eram os
esperados”, explica. “O interferon induz o receptor do vírus em muitas
células que não o expressam e o aumenta em células que já o expressam.
Assim se facilita a infecção, e é algo que obviamente não queremos”,
conclui.
Em 19 de março, Villar já avisou outros
hospitais sobre seus resultados, embora a evidência continuasse sendo
limitada “porque o número de pacientes era pequeno e podia haver
variantes de confusão”. África González, presidenta da Sociedade
Espanhola de Imunologia, observa que, a partir do trabalho de Villar, já
havia informação na comunidade médica sobre as dúvidas em relação aos
interferons. Por um lado “já há uma nota do ministério (da Saúde da
Espanha) dizendo que não são recomendados por serem usados para doenças
autoimunes”, aponta González. Como aconteceu com outros fármacos, o uso
de interferons para o coronavírus poderia pôr em perigo o fornecimento
para pacientes de doenças em que sua eficácia foi demonstrada, e é algo
que se deseja evitar. Resultados como os apresentados na Cell
“ampararam, junto com os dados clínicos, que não se deveriam utilizar
interferons nestes pacientes”, conclui González. Algumas poucas semanas
depois de terem topado com o novo coronavírus, médicos e investigadores
continuam estudando para enfrentá-lo com evidências e deixar de tratá-lo às cegas.
Fonte: El País
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