Os youtubers de ciência que o Brasil escuta em tempos de coronavírus
Milhões
de pessoas acompanham os vídeos em que o microbiologistaAtila Iamarino e
o médico Drauzio Varella analisam a pandemia, dão conselhos e desmentem
notícias falsas
Naiara Galarraga Gortázar
São Paulo - 11 abr 2020 - 12:43 BRT
A crise do coronavírus fez surgir uma nova estrela no concorrido universo youtuber do Brasil. Atila Iamarino,
microbiologista de 35 anos, formado na Universidade de São Paulo e com
pós-doutorado em Yale, é uma das vozes que os brasileiros ouvem para
tentar entender a pandemia e o que está por vir nestes tempos tão
incertos. Informar e orientar de maneira rigorosa nas redes sociais é um
desafio ainda maior quando o presidente da República, Jair Bolsonaro,
insiste em minimizar a ameaça à saúde e em promover um medicamento que
não conta com o aval inquestionável da comunidade científica. Mas esse
biólogo não está sozinho. Compartilha a missão com um médico veterano, Drauzio Varella, 77 anos, também youtuber. Sempre baseados em evidências científicas, eles são um poderoso contraponto a Bolsonaro.
Iamarino, especializado em virologia, aborda a Covid-19 de maneira precisa e afável, sob diferentes ângulos. Explica por que não haverá uma vacina em breve,
esmiúça as últimas projeções sobre pessoas contagiadas feitas por
outros cientistas de todo o mundo ou analisa as mil variáveis na contagem do número de mortos.
As cifras da audiência de seus vídeos são impressionantes. O mais
recente, sobre os sintomas da doença, teve 43.300 visualizações nos
primeiros 48 minutos; a live de dois dias antes sobre o avanço do vírus
no mundo, um milhão. O esforço de divulgação de Iamarino nasceu “como um
serviço público”, como “uma maneira de devolver ao público em geral o
investimento público em ciência, incluindo minha formação”, declara a
este jornal. O biólogo já fazia divulgação científica na Internet havia
mais de uma década, tendo se dedicado às epidemias de H1N1, zika e ebola, na época do surto dessas doenças, mas é esta pandemia que o projetou.
No
entanto, o divulgador com letras maiúsculas em questões de saúde
pública no Brasil nas últimas três décadas é, sem dúvida, o
septuagenário Varella, que ainda tira as dúvidas dos telespectadores e
dá conselhos sobre como evitar contagiar alguém ou contrair o
coronavírus. Faz isso em todos os formatos imagináveis, incluindo
vídeos, artigos de jornal, podcasts... Varella, que possui 2,7 milhões
de inscritos no seu canal do YouTube e é famoso em todo o Brasil graças a uma seção fixa em um dos programas mais assistidos na TV Globo,
o Fantástico, agora está focado no vírus. Embora este médico
oncologista não tenha no início percebido a ameaça representada pela
Covid-19, ele está há semanas tentando fazer com que pessoas idosas como
ele se isolem para se proteger —além dos jovens, para não infectá-los—,
e também se empenha em desmentir muitas notícias falsas em decorrência
da pandemia.
Varella estreou no rádio com a epidemia da Aids —quando a doença causava pânico— e passou a abordar outras questões importantes, como a prevenção de gravidez na adolescência, a saúde mental ou a assistência médica nas prisões.
Como se expressa de um jeito simples e tem a aparência de um venerável
avô, muitos brasileiros o consideram alguém próximo, um sujeito em quem
se pode confiar.
Em um país mergulhado em redes sociais
infestadas de notícias falsas, com uma educação básica de baixa
qualidade e um presidente que não está convencido do isolamento social
—o principal instrumento que a ciência endossa para frear os
contágios—, a missão dessa dupla de youtubers é árdua. O terreno das
redes é vital no Brasil. Assim foi nas últimas eleições e vem sendo
agora, com uma parte dos cidadãos atemorizados e a outra, incrédula. Mas
são muitos os brasileiros, como tanta gente longe da Ásia, que
começaram a prestar atenção ao perigo representado pelas epidemias.
Embora
a Covid-19 tenha conseguido paralisar metade do mundo, como enfatizou
Iamarino recentemente em uma entrevista na televisão, o coronavírus não
está entre os vírus mais preocupantes. Quando afirmou que “esta não é
uma pandemia séria, do pior cenário”, a entrevistadora deixou escapar um
eloquente: “Não diga isso, pelo amor de Deus!”. O cientista
acrescentou: “Eu realmente espero que isto sirva para que nos preparemos
melhor para uma situação pior”, como um vírus como o da gripe, que se
propaga mais depressa, e com a letalidade da Sars, que é de 10%, explicou.
O microbiologista aproveita a conjuntura para insistir que existe uma relação direta entre o corte de recursos públicos para a ciência
—”que vem acontecendo no Brasil vem desde 2014″— e o grau de preparação
quando surge uma crise deste calibre. Esses cortes se traduzem nessas
deficiências. Cofundador do canal Nerdologia e da rede Scienceblogs Brasil,
Iamarino deixou seu trabalho de pesquisador na universidade em 2016,
quando descobriu, para sua surpresa, que poderia ganhar a vida
divulgando o que outros cientistas descobrem. Há semanas ele se
desdobra, como centenas de colegas, para atender a todos os que buscam
um cientista que os ajude a navegar nesta tempestade.
Fonte: El País
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