Por que sabemos que se conseguirá a vacina contra a covid-19, se nunca conseguimos contra a Aids?
O
coronavírus tem uma taxa de mutação muito mais baixa que o HIV, mas só
dentro de alguns meses conheceremos a eficácia das vacinas que estão
sendo criadas
Nuria Izquierdo-Useros
14 may 2020 - 19:07 BRT
Haverá vacinas?
Isto é certeza. Serão eficazes? Isto não sabemos. Por exemplo, para o
HIV (o vírus que causa a Aids) também foi feita uma vacina, o que nunca se conseguiu é que fossem eficazes. Em relação às vacinas para o SARS-Cov-2 (o vírus que provoca a covid-19), já estão sendo feitas
e, quando forem testadas, saberemos se funcionam ou não. O que sabemos
hoje em dia é que nenhuma pessoa infectada pelo HIV se curou de forma
natural graças ao seu sistema imunológico, e, entretanto, no caso da
infecção por coronavírus, muita gente o superou graças à ação de seu
próprio sistema imunológico, que é justamente o mecanismo que as vacinas
utilizam para combater os vírus.
Por que, do ponto de vista científico, podemos pensar que as vacinas contra o SARS-Cov-2 serão eficazes quando, por exemplo, as vacinas contra o HIV não funcionaram? A razão fundamental para o otimismo dos cientistas é que este vírus, diferentemente do que ocorre com o HIV,
tem uma taxa de mutação muito, muito, muito mais baixa. O vírus que
provoca a Aids muda tanto que se fala que uma pessoa infectada com ele
que não estiver sob tratamento tem milhões e milhões de vírus
diferentes, porque cada vírus no corpo dessa pessoa incorpora variações.
Não falamos de um tipo de vírus, falamos de múltiplos vírus muito
parecidos, mas com pequenas diferenças. E uma vacina teria que ser
eficaz contra cada uma dessas pequenas variações, que além disso vão
mudando ainda mais ao longo do tempo. Como sua taxa de mutação é tão
alta, a realidade é que necessitamos de uma vacina para milhões e
milhões de vírus diferentes.
Com o coronavírus,
essas variações são menores porque sua taxa de introdução de erros ao
se replicar é muito menor. E como é um vírus geneticamente muito mais
estável, achamos que será mais fácil. Isto não impede que com o tempo
não possa mudar. É algo que desconhecemos. Mas, dito isto, não parece
que o coronavírus venha a ter jamais as taxas de mutação do HIV, porque
são famílias de vírus diferentes, que têm mecanismos de replicação
diferentes. O HIV produz muitos erros porque precisa se
retrotranscrever, do RNA passa a DNA
para se integrar no genoma da célula. A retrotranscrição é um passo que
não está presente no coronavírus, que é um vírus de RNA que não se
integra no genoma da célula. A retrotranscrição é fundamentalmente o que
provoca a aparição de tantas mutações no caso do HIV. O mecanismo que o
coronavírus usa para se replicar não tem esse passo e introduz
muitíssimo menos erros. Por isso uma vacina preventiva contra o HIV
acabou sendo um dos maiores desafios da ciência, mas no caso do
coronavírus somos mais otimistas.
Que produza menos erros
que o HIV ao se replicar não quer dizer que o coronavírus não mude,
porque está mudando, mas essas mudanças são mais lentas e mais
previsíveis. E quando você pode predizer como um vírus vai mudar
tem mais probabilidades de desenhar vacinas e tratamentos que possam
ser úteis não só para o vírus que estamos vendo agora, mas também para
os que pensamos que poderão vir no futuro.
Mas o otimismo
não significa certeza. É claro que haverá vacinas, mas não sabemos se
serão eficazes. Quando saberemos? Levará meses.
Primeiro, temos que provar seu efeito em modelos animais.
Necessitamos desses dados pré-clínicos antes de saltar à clínica, ou
seja, ao seu teste em humanos. Na melhor das hipóteses, se supusermos
que as pesquisas foram iniciadas no começo deste ano, será preciso levar
em conta que o tempo mínimo necessário para provar a eficácia e a
segurança de uma vacina são dois anos, no mínimo. E isto é um tempo recorde,
pois normalmente as vacinas demoram de cinco a dez anos para chegar ao
mercado e serem utilizadas. É verdade que neste caso se está falando em
um ano ou um ano e meio, mas eu sou mais conservadora, parece-me que
antes de um ano e meio ou dois anos é praticamente impossível. Em alguns
casos, com vacinas com as quais já se trabalhou antes em modelos
pré-clínicos e se sabe que são seguras, alguns passos estão sendo
saltados, mas há uma fase que são a 1 e a 2, as fases em que se testa a segurança e a eficácia em humanos,
que exige um estudo em uma série de pessoas com o passar do tempo para
saber com certeza que são seguras. E não há forma de fazê-lo a não ser
deixar passar esse tempo de segurança. Pode-se reduzir, mas isso tem
seus riscos. Podemos como sociedade assumir esse risco, entendo que
estamos em uma situação muito complicada e provavelmente o faremos, mas
estas fases foram concebidas para que os tratamentos e vacinas que
cheguem às pessoas sejam os mais seguros possíveis, e eu acredito que
seja muito importante respeitar essa ordem e esse ritmo, dentro do qual
será preciso fazer o possível para ter uma solução o quanto antes. Mas
há tempos que não podem ser reduzidos, e fazê-lo não seria uma boa
ideia.
Nuria Izquierdo-Useros é doutora em biologia, chefa do grupo de agentes patogênicos emergentes da IrsiCaixa.
Pergunta envida via e-mail por Paula Martín.
Elas
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Fonte: DW
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