Os pioneiros da dexametasona: uso se justifica em casos graves da covid-19, mas pode ser perigoso para o resto
Os pioneiros da dexametasona: uso se justifica em casos graves da covid-19, mas pode ser perigoso para o resto
Médicos espanhóis administram o medicamento em pacientes com mau prognóstico desde março
18 jun 2020 - 10:31 BRT
A maioria das mortes por covid-19 não se deve tanto ao coronavírus, mas à reação que provoca em alguns pacientes. O SARS-CoV-2
por si só não é suficiente para acabar com uma vida; é a reação às
vezes exagerada do sistema imunológico que pode causar uma inflamação
grave e esta, por sua vez, favorece a insuficiência respiratória que
acaba matando, principalmente os idosos e aqueles com patologias anteriores.
A primeira substância que pode evitar mortes por covid-19 ataca exatamente nesta fase. A dexametasona
é um anti-inflamatório que também inibe a ação do sistema imunológico e
é provavelmente por isso que sufoca a inflamação e consegue salvar
vidas dos dois grupos de pacientes mais graves: aqueles que necessitam de respiração assistida
e aqueles que precisam de oxigênio, de acordo com os resultados
preliminares de um grande teste clínico divulgado na terça-feira. A
dexametasona não combate o vírus, mas uma resposta imune exacerbada
contra ele.
Os médicos e cientistas espanhóis foram os
primeiros a alertar que o medicamento pode salvar vidas. No dia 11 de
março que os médicos do Hospital Puerta de Hierro, em Madri, começaram a
administrar dexametasona aos infectados que já estavam na UTI com
ventilação mecânica, explica Ana Fernández Cruz, especialista em doenças infecciosas do hospital. “Como vimos que estava funcionando, estendemos a casos menos graves, aqueles que só precisavam de oxigênio”.
Depois
de analisar cerca de 400 pacientes, a equipe publicou em 26 de maio que
o medicamento reduz a mortalidade em 41% em um estudo preliminar que
está prestes a ser publicado em uma revista científica. Até o surgimento
deste trabalho, diz Fernández, só tinham sido publicados estudos com um pequeno número de pacientes na China. Também indicaram que o medicamento reduz a mortalidade em pessoas gravemente infectadas.
A dexametasona não combate o vírus, mas uma resposta imune exacerbada contra ele
Esses
resultados confirmam o que foi anunciado agora pelos responsáveis por
um teste com mais de 6.000 pacientes em 175 hospitais do Reino Unido: o
medicamento reduz em um terço o risco de morte nos pacientes com
respiração assistida e em um quinto nos que precisam de oxigênio. Este é
o grupo mais ameaçado de morte por covid-19. “Com esses dados, o
medicamento já deve ser administrado a todos os pacientes que tenham
critérios semelhantes aos dos pacientes do estudo”, afirma Fernández.
“O que os responsáveis pelo teste britânico comunicaram é que o medicamento é capaz de salvar vidas e, em uma situação de pandemia
como a atual, isso significa que se justifica usá-lo nos casos
indicados”, explica Jesús Villar, pesquisador do CIBER de Doenças
Respiratórias no Hospital Universitário Doctor Negrín, em Las Palmas de
Gran Canaria. Villar coordena um teste clínico com dexametasona em
pacientes graves de covid-19 em 17 hospitais espanhóis. O estudo começou
depois que seu grupo publicou um estudo em março que mostrou que o
medicamento reduz a mortalidade por estresse respiratório agudo, uma
reação inflamatória grave que afeta os pulmões devido a infecções muito
semelhantes às produzidas pelo novo coronavírus. “Se esses resultados
forem confirmados, se deverá administrar o medicamento a todos os
pacientes aos quais for indicado; já não se poderá ter um grupo de
controle que não o receba”, destaca Villar.
A dúvida
agora é quando administrar o medicamento, porque é uma faca de dois
gumes. “Geralmente, a fase de inflamação máxima acontece 10 dias após o
início dos sintomas e não ocorre em todos os pacientes. Se essa resposta
inflamatória excessiva puder ser controlada, especialmente quando ainda
não destruiu grande parte dos pulmões, pode ser benéfica para o
paciente”, explica Fernández. Nos estudos espanhóis foi aplicada uma
dose mais alta do que no britânico, o dobro no Puerta de Hierro e uma
vez e meia maior no estudo coordenado por Villar.
Para
muitos médicos, essas notícias são especialmente boas pelo preço e pela
disponibilidade geral do medicamento. Na Espanha, o tratamento com
dexametasona custa entre um e dois euros por dia, segundo Cristina
Avendaño, farmacologista do Puerta de Hierro. Trata-se de um medicamento
descoberto no final da década de cinquenta e amplamente utilizado,
entre outras indicações, para tratar reações alérgicas —inflamatórias—
graves e distúrbios autoimunes.
Este medicamento pode provocar infecções, diabetes, osteoporose e hemorragias digestivas. Não pode ser usado indiscriminadamente
A descoberta acontece no momento de maior suspeita depois que vários estudos sobre possíveis tratamentos contra a covid-19
já publicados e teoricamente revisados por especialistas independentes
foram retirados porque seus dados não eram confiáveis. O exemplo mais
destacado é a hidroxicloroquina,
que no fim das contas não demonstrou ser eficaz contra esta doença.
Embora os resultados do teste britânico sejam preliminares, os
especialistas consultados por este jornal pensam que são confiáveis, em
parte porque se trata de um estudo apoiado pelo sistema nacional de
saúde do Reino Unido e também por ser randomizado —decide-se
aleatoriamente quais pacientes recebem a droga e quais não a recebem—e
com um grupo de controle que permite determinar que os benefícios
observados se devem ao medicamento e não a outra coisa. Este é o tipo
mais confiável de teste clínico.
“É muito possível que a
droga seja eficaz, mas é importante selecionar bem os pacientes, pois os
corticoides inibem o sistema imunológico, razão pela qual é necessário
buscar um equilíbrio adequado entre reduzir a inflamação e não aumentar a
carga viral”, afirma África González, presidenta cessante da Sociedade
Espanhola de Imunologia.
O medicamento funciona apenas
para os pacientes hospitalizados em estado grave e pode ser muito
prejudicial para o resto. “Assim como é um medicamento eficaz, com
grande poder anti-inflamatório, também possui muitos efeitos colaterais,
como infecções, diabetes, osteoporose e hemorragias digestivas. Não
pode ser usado indiscriminadamente”, adverte Fernández.
De qualquer forma, a droga traz apenas uma vitória momentânea. Enquanto não houver uma vacina que possa ser administrada à população em geral, a guerra contra a pior pandemia do século 21 não terá sido vencida, alerta a médica.
Fonte: El País
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