Bruno Patino: “Estar conectado o tempo todo será tão absurdo quanto fumar num avião”
Em
seu novo livro, o ensaísta retoma o tema da transição digital alertando
para os riscos de viver com uma capacidade de atenção cada vez mais
reduzida
Álex Vicente
Paris, 19 jul 2020 - 13:31 BRT
Nove segundos: a isso ficou reduzida nossa capacidade de
atenção. É o que sugere a tese desenvolvida por Bruno Patino
(Courbevoie, França, 55 anos) em seu novo ensaio, La Civilisation du Poisson Rouge (“a civilização do peixe-vermelho”, inédito no Brasil), em que adverte para os perigos desse alarmante déficit de concentração, praga da sociedade moderna provocada pelos gigantes da Internet
com sua perpétua difusão de links, imagens, likes, retuítes e outros
estímulos para nosso sistema nervoso. “O modelo de negócio das
plataformas se baseia na publicidade, e sua eficácia depende do tempo
que o usuário passe nelas. As redes se tornaram predadoras do nosso
tempo”, afirma Patino em uma entrevista por telefone. Os peixes
vermelhos a que o título alude têm uma memória limitada a oito segundos.
Os nativos digitais, segundo Patino, já ganham por apenas um segundo: a
partir do décimo, seu cérebro se desconecta e começa a procurar “um
novo sinal, um novo alerta, outra recomendação”.
Patino,
filho de pai boliviano e mãe francesa, cresceu num lar bilíngue onde
não havia televisão. Isso não impediu que esse reconhecido gestor, que
em junho foi nomeado presidente do canal de TV franco-alemão Arte, tenha
um dos currículos mais destacados na paisagem midiática do seu país.
Diretor editorial do Arte desde 2015, Patino se encarregou da transição
digital do Le Monde na década passada, antes de dirigir a rádio
France Culture e de ser nomeado chefe de programação e desenvolvimento
digital dos canais da televisão pública francesa. Tendo vivido de perto
os efeitos dessa transformação, Patino examina as consequências de uma
perda de atenção que, em escala individual, considera “patológica”.
“Milhões de pessoas, entre as quais me incluo, já são incapazes de se
desconectarem, de deixar de lado a tela 24 horas. Nós nos tornamos
dependentes e inclusive viciados”, afirma.
Em
um nível coletivo, lhe parece ainda pior: provocou “uma polarização do
debate social e um espaço público totalmente dominado pelas emoções”.
Longe ficou aquela rede igualitária a que muitos aspiraram nos anos
noventa, aquela “anarquia positiva” em que o próprio Patino acreditou
com convicção. “Chegou o tempo das lamentações”, admite no começo do
livro. Quando aquela utopia digital começou a dar errado?
“No momento em que a economia se convidou para a festa. Simples
assim…”, responde o autor, que cita o surrado adágio de Bill Clinton ―“É
a economia, estúpido”― na epígrafe do seu ensaio. “Somos
corresponsáveis pelo que está nos acontecendo, porque nos colocamos
voluntariamente neste aquário. Mas a responsabilidade do Facebook e dos
outros gigantes é ainda maior, por utilizar ferramentas que manipulam
nossas emoções”, pontua Patino.
Mesmo assim, o ensaísta
considera que há margem para esperança. “A resistência continua sendo
possível, embora já não baste a autorregulação e a autodisciplina. É
preciso criar momentos e lugares livres de conexão”, adverte o autor,
propondo “uma mobilização social e política” que termine originando uma
legislação específica. “No futuro, deixará de ser aceito consultar o
celular numa reunião profissional, em uma refeição familiar ou no
cinema. Estar conectado o tempo todo nos parecerá tão absurdo quanto
fumar num avião”, prognostica Patino. O autor observa que toda inovação
tecnológica sempre é sucedida por uma regulação mais ou menos rigorosa.
“Depois da invenção da imprensa, levou-se entre 50 e 60 anos até surgir a
noção de responsabilidade editorial e deixarem de serem publicados
panfletos difamatórios, um precedente das atuais fake news.
Regular a rádio levou 25 anos, e a televisão, 15”, recorda. No caso da
Internet, prognostica que o problema será resolvido “em uns dez anos,
cinco para tomar consciência do problema, e outros cinco para agir”.
Patino
assume a liderança do Arte em plena fase de expansão. Entre 2011 e
2019, a audiência do canal, até recentemente visto como elitista e
ultraminoritária, passou de 1,5 para 2,6 milhões de espectadores. Há
noites em que beira ou supera 10% de share graças a uma combinação de
documentários de produção própria, estreias cinematográficas e séries de
qualidade, como Borgen e Top of The Lake, que representam
uma alternativa ao modelo imposto pela Netflix. Em 2021, o Arte lançará
a estreia televisiva do dueto formado por Éric Toledano e Olivier
Nakache (Intocável), que leva a série Sessão de Terapia para o contexto das sequelas psicológicas pelos atentados terroristas de 2015 em Paris.
“Há uma demanda latente por qualidade acessível, por meios de
comunicação que apostem na inteligência do espectador sem renunciar a
alcançar um público maciço”, opina Patino.
Outra
chave será a expansão digital, que no caso do Arte é considerável.
Entre 2018 e 2019, o tráfego no seu site, onde muitos conteúdos podem
ser vistos uma semana antes de entrarem na grade, e até várias semanas
depois, aumentou mais de 70%, especialmente entre os usuários de 15 a 34
anos. “O posicionamento editorial tem que continuar sendo o mesmo, mas
deve se tornar cada vez mais europeu quanto à identidade e
distribuição”, disse o novo presidente de um canal que, além de
transmitir em francês e alemão, já propõe uma pequena parte de sua
programação on-line em inglês, italiano, polonês e espanhol. A ideia de
Patino é que seja cada vez menos minoritária.
Fonte: El País
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