Coronavírus: as propriedades antimicrobianas do cobre e qual seu papel em tempos de pandemia de covid-19
Coronavírus: as propriedades antimicrobianas do cobre e qual seu papel em tempos de pandemia de covid-19
17/07/2020
Na unidade de terapia intensiva, os pisos, mesas e grades das camas são dourados, cor que revela a presença de cobre.
A
sala, no Hospital Clínico da Universidade do Chile, em Santiago, é um
dos locais onde cientistas daquele país analisaram as propriedades
antimicrobianas do cobre.
O metal já era usado para fins
medicinais há milênios, mas nos últimos anos seu poder antimicrobiano
foi objeto de novos estudos na América do Sul, na Europa e nos Estados
Unidos.
Gerald Larrouy-Maumus, pesquisador de doenças infecciosas
do Imperial College, de Londres, acredita que as superfícies de cobre
podem ajudar a combater o que ele descreve como uma "bomba atômica"
iminente — a crise de bactérias resistentes a antibióticos.
Todos
os anos, 700 mil pessoas morrem no mundo vítimas de patógenos que se
tornaram resistentes ao tratamento, segundo a ONU. "Se não fizermos
nada, em três décadas o número de mortes será de dez milhões por ano",
disse Larrouy-Maumus à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Muitas
dessas infecções resistentes são intra-hospitalares, ou seja, são
contraídas nos próprios hospitais. Porém, o uso do cobre em superfícies
de contato frequente reduziria a transmissão de doenças nesses locais,
segundo o cientista.
Outros
pesquisadores estudam a eficácia do cobre não apenas para bactérias,
mas também para vírus, incluindo o novo coronavírus que causa a
covid-19.
A reportagem da BBC Mundo, serviço em língua
espanhola da BBC, falou com cientistas do Reino Unido, dos Estados
Unidos e dos Chile em busca de respostas sobre o papel do cobre nessa
área.
Desde quando o cobre é usado na saúde? Quais evidências
existem para as propriedades antimicrobianas deste metal? E que papel
ele poderia desempenhar durante a pandemia de covid-19?
Cobre medicinal nos tempos antigos
"O
primeiro uso medicinal de cobre para o qual existem registros está
documentado no chamado Papyri Smith, um antigo texto médico egípcio
escrito entre os anos de 2600 e 2200 a.C.", explica Michael Schmidt,
professor de microbiologia e imunologia da Universidade Médica da
Carolina do Sul, nos Estados Unidos, que investigou o uso de cobre em
ambientes hospitalares.
"Esses papiros falam sobre o uso de cobre para desinfetar feridas no peito e tornar a água potável."
O pesquisador garante que as mulheres perceberam
muito cedo que, se armazenassem a água em vasos de cobre por um tempo,
"haveria menos episódios de diarreia em suas famílias".
Schmidt também cita vários outros exemplos do uso de cobre para fins de cura na história da medicina.
"Os
fenícios colocaram limalhas de cobre ou pedaços de espadas nas feridas
durante os combates. E Hipócrates recomendou cobre para tratar úlceras
nas pernas", explica o pesquisador.
Como o cobre funciona
Os
antigos usos medicinais do cobre foram baseados em observações, mas a
compreensão de como o metal trabalha exigiu séculos de avanço
científico.
Metais pesados como ouro e prata também são antibacterianos, mas a estrutura atômica do cobre fornece energia extra.
O cobre possui um elétron livre na órbita externa de seus átomos, configuração que facilita reações.
Essa peculiaridade não apenas explica por que o cobre é um bom condutor, mas também como ataca patógenos em várias frentes.
Os
íons ou partículas eletricamente carregadas do metal primeiro geram uma
espécie de "ataque" contra a membrana externa dos micróbios,
causando-lhe rupturas.
E, uma vez que essa membrana é quebrada, os íons destroem o material genético dentro do patógeno, explica Larrouy-Maumus.
"Basicamente,
o cobre gera radicais livres que danificam o DNA ou o RNA de bactérias
ou vírus, impedindo sua replicação", disse ele.
Esse ataque em várias frentes explica por que,
apesar do cobre ser usado há milhares de anos, os microrganismos não
conseguiram desenvolver estratégias para se defender dele, segundo o
professor Roberto Vidal, diretor do programa de microbiologia da
Faculdade de Medicina da Universidade do Chile.
"O cobre danifica
as bactérias antes que elas possam gerar resistência e se reproduzir,
transmitindo essa resistência para a próxima geração", disse o cientista
chileno.
"É muito difícil gerar resistência contra um produto que
tenha muitos efeitos sobre o organismo; o micro-organismo teria que
modificar muitos locais suscetíveis de serem afetados pela ação do cobre
para se tornarem resistentes, e fazer isso é muito difícil."
O que dizem os estudos nos EUA e na Europa
A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) registrou inúmeras ligas de cobre como antimicrobianas.
Em relação ao uso do material em hospitais, um dos estudos mais recentes foi publicado por Michael Schmidt em 2019.
Ele
e colegas compararam a presença de bactérias em dois tipos de leitos em
unidades de terapia intensiva de três hospitais: leitos com superfícies
de plástico, e outros com superfícies de cobre.
"Em média, as
camas de cobre abrigavam 94% menos bactérias do que as camas de plástico
e permaneciam com esse baixo nível durante toda a internação dos
pacientes", afirma Schmidt.
Como ele, o microbiologista Bill
Keevil, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, não tem dúvidas
sobre a eficácia do material.
Keevil estudou as propriedades
antimicrobianas do metal por duas décadas e testou sua eficácia com
diferentes patógenos, não apenas bactérias, mas também vírus.
Em 2015, o cientista britânico publicou um estudo sobre a sobrevivência em diferentes superfícies do coronavírus humano 229E, que causa infecções respiratórias comuns.
O
vírus permaneceu ativo por vários dias em vidro ou aço inoxidável, mas
"deixou de ser ativo em superfícies de cobre em uma média de 5 a 10
minutos", afirmou Keevil à BBC News Mundo.
O ponto de interrogação covid-19
Uma grande questão sobre o uso do cobre é sua eficácia contra o Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a covid-19.
Ainda
há muito a se pesquisar sobre esse novo vírus, mas um estudo publicado
em março pelo New England Journal of Medicine,e escrito por cientistas
da Universidade de Princeton, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças
Infecciosas dos EUA e de outros centros de pesquisa, comparou quanto
tempo o coronavírus dura em diferentes superfícies — o cobre também foi
mencionado.
O estudo observa que o novo coronavírus permanece ativo por três dias em superfícies de plástico e aço inoxidável.
No caso de superfícies de cobre, por outro lado, não foram encontradas partículas ativas do Sars-CoV-2 após quatro horas.
Keevil disse que espera publicar seu próprio estudo sobre o efeito do cobre no coronavírus em breve.
"Em nosso trabalho com o Sars-CoV-2, descobrimos que o cobre inativa o vírus em menos de uma hora."
Primeiras experiências no Chile
Já
em 2008, o Hospital Dr. Salvador Allende, na cidade de Calama, no norte
do Chile, participou de um estudo com superfícies de cobre.
O metal foi usado, por exemplo, em trilhos da cama e outras superfícies de alto contato.
A experiência mostrou que "nas superfícies de cobre,
o crescimento bacteriano cai visivelmente e praticamente se torna nulo
com o passar das horas", disse o pediatra Marco Crestto, vice-diretor
médico do hospital e responsável pelo estudo.
"Isso resulta em um
número menor de infecções associadas aos cuidados de saúde, o que, por
sua vez, está relacionado a uma menor mortalidade hospitalar de
pacientes e a menores custos associados para instituições de saúde."
Novo material testado no Chile
Em
um estudo pioneiro, o professor Roberto Vidal analisou a eficácia de um
novo material com cobre chamado Copper Armour (armadura de cobre),
desenvolvido pela startup chilena Atacama Lab.
Claudio Ramírez,
membro da empresa, explicou que o Copper Armour permite que o cobre seja
aplicado em seu estado líquido, como se fosse uma pintura, e em
temperatura ambiente.
O material consiste em "uma mistura especial de
nanopartículas e micropartículas de cobre e de outros materiais
suspensos em um polímero modificado de alta resistência".
A
vantagem, de acordo com seus criadores, é que o produto não é apenas 10
vezes mais barato que as chapas de cobre comuns, como também não
desenvolve a pátina usual ou a coloração verde que o cobre apresenta ao
longo do tempo quando se oxida.
O estudo foi financiado em parte
pela Corporação de Desenvolvimento (Corfo), uma agência do governo
chileno. As conclusões foram publicadas em 2019 na revista científica
Antimicrobial Resistance & Infection Control.
"Quando colocamos em contato com o cobre bactérias como Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Listeria monocytogenes,
patógenos predominantes nos serviços de saúde, percebemos que, depois
de duas horas, 99,9% delas haviam morrido. Isso ocorreu em testes de
laboratório", explicou Vidal.
Em um segundo estágio, experiências
piloto foram realizadas em hospitais. O produto de cobre foi aplicado em
pisos, suportes de soro e outras superfícies de alto contato na UTI do
Hospital Clínico da Universidade do Chile.
"O estudo também foi realizado na UTI pediátrica da Clínica Las Condes, em Santiago, e o resultado foi o mesmo", afirma Vidal.
"Fizemos
os testes de parede e piso e o nível de contaminação nas superfícies de
cobre caiu significativamente em comparação com o piso comum."
Os trilhos do leito com o material de cobre apresentaram, por exemplo, uma redução média de 88,9% na carga da bactéria Staphylococcus spp, em comparação com camas comuns.
"O
que me interessa agora é ver a eficácia desse polímero de cobre contra
um patógeno como o da covid-19, algo que ainda precisa ser feito", disse
Vidal.
"Para fazer um estudo com esse vírus, precisamos de um
laboratório de nível de biossegurança 3, feito para conter e não
permitir que patógenos escapassem no ar. A única alternativa seria
enviar as amostras para um laboratório especializado no exterior, e que
tenha essas medidas de segurança, para que ele nos envie a resposta",
explica o pesquisador.
Máscaras de cobre
Outras empresas chilenas já exportam produtos feitos com cobre durante a pandemia.
Uma
delas é o CoureTex, de Valparaíso, que produz máscaras feitas com
tecidos que contêm filamentos de cobre tão finos quanto fios.
O
tecido foi certificado por institutos no Chile e no Brasil como
antibacteriano, e as máscaras faciais eram destinadas a trabalhadores do
setor de alimentos.
Mas a demanda por essas máscaras aumentou
muito devido à pandemia, apesar do fato de não haver estudos científicos
que comprovem sua eficácia especificamente no caso da covid-19.
"Estamos
produzindo cerca de 500 mil unidade por mês e exportamos para o Brasil,
Argentina e Equador, entre outros países", afirmou Óscar Silva Paredes,
dono da empresa o proprietário da CoureTex. "Nós os vendemos por US$ 4
(R$ 21) para empresas clientes. Não tiramos proveito da pandemia".
Cobre e o futuro
Se tantos estudos demonstram as propriedades antimicrobianas do cobre, por que seu uso não é mais generalizado?
Um dos problemas, segundo Larrouy-Maumus, é o custo.
"Para mim, o cobre não é a solução universal, porque ele tem um custo que muitos hospitais não podem pagar", diz o cientista.
"Mas
é um produto eficaz que está disponível. Portanto, minha recomendação é
usá-lo para combater infecções hospitalares apenas em superfícies de
alto contato, como pisos, grades de cama e corrimãos."
Porém, outros materiais podem competir com o cobre no futuro.
Larrouy-Maumus
tem pesquisado em seu laboratório como as bactérias interagem com
diferentes superfícies, e procura projetar novos materiais
antimicrobianos com nanotecnologia.
O cientista também quer
desenvolver superfícies que não apenas capturem patógenos, mas que
também possam atraí-los como uma espécie de ímã quando suspensos no ar.
Por
sua vez, outros pesquisadores do Imperial College estão buscando
materiais mais baratos que possam imitar a ação antimicrobiana do cobre.
"Também
existem outros produtos promissores, como o óxido de titânio, mas ele
ainda está em desenvolvimento", diz Larrouy-Maumus.
O professor Roberto Vidal acredita que novas tecnologias baseadas em cobre, como a Copper Armour, serão mais usadas no futuro.
"Na minha opinião, com todos os estudos e o interesse que está sendo gerado, o uso de cobre se tornará massivo."
"Novas
tecnologias permitem que o cobre seja usado de maneira econômica e
esteticamente agradável, pois os pisos não ficam esverdeados ao longo do
tempo devido à oxidação."
Para o cientista chileno, o cobre terá um papel fundamental a longo prazo.
"Agora tudo está focado na covid-19, mas o problema das infecções hospitalares vai continuar."
"Sem
dúvida, o cobre e suas novas aplicações favorecem a melhoria da
qualidade da infraestrutura em hospitais. É uma questão de projeção para
o futuro."
Fonte: BBC
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