sexta-feira, 31 de maio de 2019

Os truques psicológicos do design de aeroportos

Os truques psicológicos do design de aeroportos



30 maio 2019




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Pessoas caminham em corredor de aeroporto  
Os aeroportos são projetados para tranquilizar os passageiros dos estresses rotineiros de viagens e medos subconscientes

Em 1995, o antropólogo francês Marc Augé classificou o aeroporto como um "não lugar".
Encontrados em todo o mundo, os não-lugares são desprovidos de identidade (pense no Starbucks ou no McDonalds), são estruturas uniformes não importando onde estejam.
Por definição, os aeroportos são máquinas arquitetônicas projetadas com o propósito expresso de mover as pessoas eficientemente de um lugar ao outro.
E, como um Starbucks ou McDonalds, cada aspecto da estrutura e do layout de um aeroporto é estrategicamente projetado - porque, embora um aeroporto seja um "não-lugar", ele é profundamente único em um nível psicológico. Uma vez dentro do aeroporto, você perde seu anonimato, entrega sua identificação a oficiais e concorda com revistas de segurança.
Tranquilizar os passageiros em relação a esse medo subconsciente, sem mencionar o estresse causado pelos voos atrasados, pela bagagem perdida ou pela simples ideia de viajar de avião, é importante - da mesma forma que encorajar as pessoas a seguirem as regras e obedecerem a autoridade.

Para realizar essas duas tarefas, os designers de aeroportos em todo o mundo usam sinais sutis - ou nem tão sutis.
Um desses sinais é o chamado "wayfinding": sugestões visuais que guiam os passageiros de maneira rápida e eficiente até seus portões, sem que eles percebam que estão sendo conduzidos.
"O aeroporto perfeito seria aquele em que você naturalmente seria guiado pelo ambiente", diz Alejandro Puebla, planejador sênior de aeroportos da empresa de engenharia civil Jacobs.
Por exemplo, as cores e formas das sinalizações geralmente diferem de terminal para terminal; os padrões de carpete mudam e grandes peças de arte servem como marcadores para orientação.
Se você está andando por um aeroporto e, de repente, sente que está indo na direção errada, provavelmente está respondendo a pistas de orientação do subconsciente.

Segurança reforçada
Mais estressante até que a ideia de ir para o terminal errado é provavelmente a revista de segurança. E isso vem se intensificando progressivamente.
Na era pré-11 de Setembro, o aeroporto era, do ponto de vista psicológico, um lugar muito diferente. A segurança estava presente, mas a área além do posto de controle tinha uma mistura de passageiros e pessoas aleatórias vendo seus entes queridos nos portões.
Hoje, o terminal do aeroporto parece uma fortaleza apenas com viajantes verificados que passaram por testes de segurança ostensivos - checagens por vestígios de explosivos plásticos, passagens por enormes máquinas de raios-x que podem revelar sua anatomia interna a estranhos, respondendo a perguntas sobre sua bagagem e dando identificações.

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Pessoas passam por inspeção de segurança em aeroporto  
Hoje, muitos aeroportos parecem fortalezas
Isso transforma os passageiros em "trabalhadores de segurança civil adeptos à submissão eficiente da vigilância abrangente", escreve Rachel Hall, autora do livro The Transparent Traveller: The Performance and Culture of Airport Security (O Viajante Transparente: A Performance e a Cultura da Segurança do Aeroporto, em tradução livre).
Enquanto no passado os passageiros eram simplesmente clientes, hoje eles também devem atuar como oficiais civis que estendem o trabalho de segurança para além do posto de controle.
Isso também é realizado por meio de sinais (não tão sutis). Sinalizações nos aeroportos dos EUA sempre lembram aos passageiros que eles são "A Última Linha de Defesa Contra Terroristas" e que "Se Vir Algo, Diga Algo".
"Agora você voa e serve", escreve Hall.

Pouca eficácia
O aspecto mais notável da atual cultura de segurança aeroportuária é que ela é altamente ineficaz. Em testes feitos nos EUA, em 2017, os inspetores da Segurança Doméstica conseguiram passar armas, explosivos e facas falsos em 70% dos pontos de controle.
Isso representa uma leve melhora em relação a 2015, quando 95% dos aeroportos em todo o país falharam nos mesmos testes. Mas prova que mesmo as medidas de segurança dos aeroportos que parecem mais duras raramente fazem diferença.
"O terrorismo é raro, muito mais raro do que muitas pessoas pensam", diz o especialista em segurança Bruce Schneier em seu ensaio Beyond Security Theatre (Além do Teatro da Segurança, em tradução livre). "As melhores defesas contra isso são investigação, inteligência e resposta de emergência."
Infelizmente, as respostas ao terrorismo são praticamente invisíveis e contribuem pouco para que os passageiros se sintam seguros. É aqui que entra o "teatro da segurança".
Quando ocorre um ataque terrorista, a segurança do aeroporto tenta tranquilizar os clientes criando novos tipos de controle: pense em como a remoção de sapatos começou após a tentativa de atentado em 2001; ou como o confisco de líquidos se deu após a tentativa de explosão com líquido em 2006.
Essas medidas parecem tranquilizadoras, mas no final não fazem nada para prever como um terrorista pode se adaptar - elas são simplesmente respostas visuais a ameaças de ataques amplamente divulgadas.
Então, por mais surpreendente que pareça, os scanners faciais, as buscas aleatórias e uns guardas empunhando armas automáticas estão lá para fazê-lo voltar ao aeroporto, e não para afastá-lo.

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Um funcionário da Administração de Segurança no Transporte faz a triagem de passageiros e funcionários do aeroporto no Aeroporto Internacional O'Hare de Chicago 
Um funcionário da Administração de Segurança no Transporte faz a triagem de passageiros e funcionários do aeroporto no Aeroporto Internacional O'Hare de Chicago

Dicas do comércio
Os planejadores de aeroportos fazem esse circo de segurança para que você se sinta seguro o suficiente e se concentre no que importa: fazer compras.
Logo após coletar sua bagagem dos scanners, você entra no que é conhecido no mundo do design do aeroporto como a "zona de recomposição" - um local com bancos e talvez um quiosque de café onde você pode se sentar e se recompor.
Enquanto isso, vistas amplas das lojas, restaurantes e estandes o cumprimentam logo depois que você tira o xampu de sacos de plástico e amarra seus cadarços.
Esta é uma sugestão visual que deixa seu cérebro saber que "é hora de comprar". De acordo com a InterVISTAS, uma empresa de consultoria em design de aeroportos, é nesse ponto que o passageiro se transforma de um viajante estressado em "um cliente valioso".

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Pessoas em Duty Free de aeroporto 
Depois de passar pela segurança, um passageiro se transforma de um viajante estressado a um 'cliente valioso'
Essa é apenas a primeira em uma série de "sugestões" de compras que o passageiro recebe ao chegar ao portão.
A principal área de compras é sempre colocada diretamente entre o posto de segurança e o portão, obrigando os passageiros a atravessá-la antes de embarcar no avião.
Muitas rotas de terminais também se curvam para a direita porque a maioria da população é destra e, portanto, tende a olhar mais nessa direção.
Também por esse motivo, mais lojas são colocadas do lado direito, permitindo que os passageiros naveguem inconscientemente ao chegarem ao portão.
Tanto esforço é dedicado à área comercial do aeroporto pela simples razão de que os viajantes aéreos são os clientes perfeitos. Os passageiros precisam matar o tempo e não têm para onde ir, eles têm condições financeiras para voar e, portanto, renda disponível para gastar.
E, depois de completar as tarefas estressantes de chegar ao aeroporto a tempo, fazer o check-in e passar pela segurança, eles provavelmente querem agradar a si próprios.

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Mulher experimenta óculos em loja de aeroporto 
Depois de completar as tarefas estressantes de chegar ao aeroporto e passar pela segurança, os passageiros muitas vezes estão em um humor autoindulgente
Esse clima dura cerca de uma hora, conhecido no ramo de design de aeroportos como "a hora de ouro". E os aeroportos querem fazer tudo o que podem para capitalizar sobre ela.
Por exemplo, diz Puebla, alguns aeroportos como Gatwick e Heathrow só lhe informam o portão a acessar 25 minutos antes da partida para maximizar seu tempo de compra.
Encorajar a calma é essencial para os passageiros terem apetite pelas compras - além, é claro, de manter sob controle pânicos, colapsos ou qualquer sensação fora de hora. Uma maneira é dar aos passageiros-consumidores uma sensação de controle.
"Quando estamos em um aeroporto e sentimos que temos uma quantidade razoável de controle sobre nosso ambiente, nosso bem-estar psicológico aumenta", explica a psicóloga ambiental e editora da Research Design Connections, Sally Augustin.

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Pessoas olham para telas de chegadas e partidas em aeroporto 
Os painéis de informações de voos não são apenas úteis - eles nos dão uma sensação de controle
Mas qualquer sensação de controle que possamos sentir nos aeroportos contrasta fortemente com a realidade de que somos, na verdade, clientes cativos.
Mais do que uma tendência atual, os aeroportos tornaram-se tão bem sucedidos em converter passageiros em clientes que alguns são os próprios destinos.
Aeroportos como Changi, em Cingapura, e Incheon, na Coreia do Sul, agora têm cinemas. O aeroporto Denver International tem uma pista de patinação no gelo, e o Estocolmo-Arlanda tem uma capela para casamentos em pleno funcionamento.
O futuro do aeroporto é, na linguagem do design do aeroporto, a "aerotrópole" - uma nova forma urbana voltada para viagens globais, que conta com alojamentos temporários para uma força de trabalho cada vez mais nômade e todas as comodidades da cidade independente.
A aerotrópole cria algo do nada, transformando o aeroporto "não-local" em um lugar, talvez, único. 

Fonte: BBC

Por que quase não há registros dos primeiros cinco anos da internet

Por que quase não há registros dos primeiros cinco anos da internet






20 maio 2019


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Ilustração de conexões em rede 
A maioria do conteúdo da internet é efêmero - e isso representa um grande desafio para os esforços de arquivá-lo
Em 2005, o estudante Alex Tew teve uma ideia de um milhão de dólares. O jovem de 20 anos estava pensando em como pagar um curso de negócios de três anos.
Tew já estava preocupado com o fato de que sua conta entraria ainda mais no negativo. Então, rabiscou em um papel: "Como se tornar um milionário".
Vinte minutos depois, ele chegou ao que pensou ser a resposta. Tew criou um site chamado Million Dollar Homepage (Página de Um Milhão de Dólares, em tradução livre).
Era quase ridiculamente simples: no site, havia um milhão de pixels de espaço publicitário, disponíveis para serem comprados em blocos de 100 a US$ 1 por pixel. Depois de comprá-los, eles seriam do seu novo dono para sempre. Quando o milionésimo bloco fosse vendido, Tew seria um milionário. Pelo menos, esse era o plano.
A Million Dollar Homepage foi lançada em 26 de agosto de 2005, depois que Tew gastou 50 euros para registrar o domínio e configurar a hospedagem. Os anunciantes compraram pixels e forneceram um link, uma imagem minúscula e uma pequena quantidade de texto para quando o cursor pairasse sobre ela.
Depois de pouco mais de um mês, graças ao boca-a-boca e à crescente atenção da mídia, a página de Tew arrecadou mais de US$ 250 mil. Em janeiro de 2006, os últimos 1 mil pixels foram vendidos em leilão por US$ 38,1 mil. Tew realmente conseguiu o seu US$ 1 milhão.
O Million Dollar Homepage ainda está online, quase uma década e meia depois de ter sido criado.
Muitos dos clientes - que incluem o jornal britânico The Times, o serviço de viagens Cheapflights.com, o portal Yahoo! e a dupla de rock Tenacious D - tiveram 15 anos de publicidade com esse pagamento único. O site ainda tem milhares de visitantes todos os dias. Provavelmente, foi um investimento muito bom.
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Imagem do site Million Dollar Homepage  
O Million Dollar Homepage agora está cheia de links para sites que não existem mais
Tew, que agora dirige o aplicativo de meditação Calm, tornou-se um milionário. Mas a página que ele criou também se tornou outra coisa: um museu vivo para os primórdios da internet.
Quatorze anos podem não parecer muito tempo, mas, na internet, é como uma era geológica.
Cerca de 40% dos links na página inicial do Million Dollar Homepage são de sites extintos. Muitos dos outros agora levam a páginas diferentes, após o endereço ter sido vendido para novos proprietários.

A decadência veloz - e invisível - da internet
O Million Dollar Homepage mostra que a decadência deste período inicial da internet é quase invisível.
No mundo analógico, o fechamento de, digamos, um jornal local é frequentemente divulgado. Mas sites morrem muitas vezes sem alarde, e o primeiro indício que você pode ter de que eles não estão mais lá é quando você clica em um link e se depara com uma página em branco.
Cerca de uma década atrás, passei dois anos trabalhando em um blog de rock e na seção de música do portal AOL, um grande pioneiro da internet agora pertencente à empresa norte-americana de telefonia Verizon.
Editei ou escrevi centenas de resenhas, notícias de música, entrevistas de artistas e listas. O Facebook e o Twitter já eram grandes fontes de audiência, e os smartphones nos conectavam à internet entre o escritório e nossa casa. Navegar havia se tornado uma atividade constante.
Você poderia razoavelmente supor que, se eu precisasse mostrar o meu trabalho desta época, bastaria fazer uma pesquisa no Google. Mas você estaria errado.
Em abril de 2013, o AOL fechou abruptamente todos os seus sites de música - e apagou o trabalho de dezenas de editores e centenas de colaboradores ao longo de muitos anos. Pouco resta, além de um punhado de artigos salvos pelo Internet Archive, uma fundação sem fins lucrativos sediada em San Francisco, criada no final dos anos 1990 pelo engenheiro de computação Brewster Kahle.
É a mais proeminente de um grupo de organizações ao redor do mundo que tenta resgatar alguns dos últimos vestígios da primeira década da presença da humanidade na internet antes que ela desapareça completamente.
Dame Wendy Hall, diretora executiva do Web Science Institute da Universidade de Southampton, na Inglaterra, é taxativa sobre a importância deste trabalho.
"Se não fosse por eles, não teríamos nada" do conteúdo inicial, diz. "Se Brewster Kahle não tivesse criado o Internet Archive e começado a salvar as coisas - sem esperar pela permissão de ninguém - nós teríamos perdido tudo."
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Logo da AOL 
  O portal AOL fechou seus sites de música em 2013, apagando anos de informações musicais
Dame Wendy diz que os arquivos e as bibliotecas nacionais tinham experiência em preservar livros, jornais e periódicos, porque a impressão existe há muito tempo. "A Biblioteca Britânica tem uma cópia de todos os jornais locais publicados", diz ela.
Mas a chegada da internet - e a rapidez com que se tornou uma forma massiva de comunicação e expressão - pode tê-los surpreendido.
As tentativas de arquivamento da internet têm, em muitas áreas, sido retomadas desde então. Esses sites são hoje um recurso tão vital quanto os jornais que os precederam?
O desafio de arquivar um universo digital em constante mutação
Um grande problema em tentar arquivar a internet é que ela nunca fica parada. A cada minuto - a cada segundo -, mais fotos, publicações, vídeos, notícias e comentários são adicionados.
Embora o custo do armazenamento digital tenha caído drasticamente, o arquivamento de todo esse material ainda custa dinheiro. "Quem vai pagar por isso?", pergunta Dame Wendy. "Produzimos muito mais material do que costumávamos."
No Reino Unido, o papel da conservação digital recaiu em parte para a Biblioteca Britânica, onde funciona o Web Archive UK, que tem arquivado sites com permissão desde 2004. O gerente de engajamento Jason Webber diz que o problema é muito maior do que a maioria das pessoas imagina.
"Não é apenas o material inicial. A maior parte da internet não está sendo armazenada", diz ele. "O Web Archive começou com páginas de 1996. Isso é cinco anos depois que as primeiras foram criadas. Não há nada daquela época que tenha sido copiado."
Até mesmo a primeira página da internet, criada em 1991, não existe mais. O exemplar que pode ser visto no World Wide Web Consortium é uma cópia feita um ano depois.
Para a maior parte dos primeiros cinco anos da rede, grande parte do material publicado na Grã-Bretanha tinha um endereço terminado em .ac.uk - uma designação para artigos escritos por acadêmicos.
Foi somente em 1996 que a internet começou a ter páginas mais gerais, à medida que os sites comerciais começaram a superar os acadêmicos.
A Biblioteca Britânica faz uma "busca por domínios" todos os anos - salvando tudo o que é publicado no Reino Unido.
"Nós tentamos e conseguimos coletar tudo, mas fazemos isso apenas uma vez por ano. Mas o limite para muitos desses sites é de 500 MB. Isso abrange muitos sites menores, mas se houver alguns vídeos lá, esse limite é alcançado rapidamente."
"Acho que há um nível muito baixo de conscientização de que algo está faltando", diz Webber. "O mundo digital é muito efêmero. Mas agora as pessoas estão se tornando mais conscientes do quanto podemos estar perdendo."
Mas, diz Webber, as únicas coisas que as organizações podem registrar são aquelas publicamente visíveis. Há uma quantidade ainda maior de dados cultural ou historicamente importantes que está nos arquivos das pessoas, como seus discos rígidos. Mas poucos de nós estão mantendo cópias deles para a posteridade.
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Mulheres diante de um computador 
Arquivos sabiam da importância de ter cópias de jornais, mas demoraram a reagir ao aumento do material on-line
Consideramos o material que publicamos nas redes sociais como algo que sempre estará lá, a apenas um clique. Mas a recente perda de cerca de 12 anos de músicas e fotos da rede social pioneira MySpace - que já foi o site mais popular dos Estados Unidos - mostra que mesmo o material armazenado nos maiores sites pode não estar seguro.
E até os serviços do Google não estão imunes. O Google+, a tentativa do gigante das buscas de fazer uma rede social que rivalizasse com o Facebook, fechou em 2 de abril. Todos os seus usuários fizeram cópias das fotos e das memórias que compartilharam?
"Colocar suas fotos no Facebook não é arquivá-las, porque, um dia, o Facebook não existirá mais", diz Webber.
Se você tiver alguma dúvida sobre a natureza temporária da rede, reserve alguns minutos para percorrer o Million Dollar Homepage. É o testemunho de quão rapidamente o nosso passado online está desaparecendo.
Existe outro lado desta perda de dados. Dame Wendy ressalta que não arquivar histórias de sites de notícias pode levar a uma visão seletiva da história - novos governos optam por não arquivar histórias os retratem de forma desfavorável, por exemplo.
"Assim que há uma mudança de governo ou reestruturação de poderes, sites se fecham", diz Jane Winters, professora de humanidades digitais da Universidade de Londres, na Inglaterra. "Ou veja os sites de campanha eleitoral, que são feitos para serem temporários."
Às vezes, os sites perdidos ecoam mudanças ainda mais sísmicas, como a mortes e o nascimento de nações. "Aconteceu com a Iugoslávia: .yu era o domínio para a Iugoslávia, e isso terminou quando ela entrou em colapso. Há um pesquisador que está tentando reconstruir o que havia antes da separação", diz Winters. "Os aspectos políticos estão frequentemente ligados ao técnicos."

Fonte: BBC

Brasil e EUA lideram retrocessos ambientais, aponta estudo que abrange mais de um século

Brasil e EUA lideram retrocessos ambientais, aponta estudo que abrange mais de um século






30 maio 2019
Direito de imagem Haroldo Castro/ Conservation International
Parque Nacional de Iguaçu  
Leis que diminuíram áreas de proteção estão entre os objetos de estudo
No mais completo estudo do tipo já realizado, um grupo de cientistas de diversas universidades estrangeiras, liderados pela ONG Conservação Internacional, analisou todos os atos governamentais que resultaram em redução de metragem, diminuição de restrições ou extinções de áreas de proteção ambiental em todo o mundo de 1892 a 2018.
O resultado do trabalho, que sai na edição desta sexta da revista científica Science, é preocupante: há uma tendência mundial de retrocessos ambientais, acentuada nas últimas duas décadas. E tal movimento é liderado por dois países de proporções continentais: Estados Unidos e Brasil.
"Antes campeões em conservação global, Estados Unidos e Brasil estão agora liderando uma tendência mundial preocupante de grandes retrocessos na política ambiental, colocando em risco centenas de áreas protegidas", resume comunicado divulgado pela Associação Americana Para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês. "As mudanças regressivas buscam alterar ou remover legalmente o status de proteção e diminuir o tamanho das áreas de conservação natural."
Nos 126 anos analisados, 73 países promulgaram 3.749 legislações do tipo, resultando na extinção de 519.857 quilômetros quadrados de áreas protegidas - uma área maior do que a Espanha - e no afrouxamento da proteção de outros 1.659.972 quilômetros quadrados - três vezes o tamanho da França.
Direito de imagem Mariana Veiga
Arara em área protegida da Amazônia 
Afrouxamento de regulações na Amazônia se acentuou desde 2010
Reversão da proteção
De acordo com o biólogo e geocientista Bruno Coutinho, diretor de gestão do conhecimento da Conservação Internacional Brasil - e coautor do estudo -, é importante lembrar que a existência de áreas protegidas "não representa a garantia, para sempre, de proteção legal da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos nelas gerados".
"Dizendo de modo claro e simples: áreas protegidas não são para sempre", disse à BBC News Brasil a bióloga e cientista social Rachel Golden Kroner, responsável pela área de governança ambiental e impactos da ONG nos Estados Unidos e principal autora do estudo. "Elas podem ser e estão sendo revertidas por meio de afrouxamentos de restrições, limites de área reduzidas e extinções completas."
"A pesquisa mostrou que alterações na legislação ambiental dos países estudados podem comprometer a durabilidade e a eficácia das áreas protegidas, por recategorização, por redução de área ou por extinção completa", afirmou Coutinho à BBC News Brasil.
Na maioria dos casos (62% do total), o afrouxamento legislativo está relacionado a práticas de extração de recursos e desenvolvimento industrial em grande escala - aqui incluindo para obras de infraestrutura, mineração e agricultura de commodities.
A pesquisa sugere a necessidade de uma discussão estratégica envolvendo os diversos atores que são impactados e impactam as áreas protegidas e seus entornos, compreensão dos efeitos e tratamento dos atos promulgados, bem como a própria manutenção da efetividade das áreas protegidas.
O levantamento ainda mostra uma tendência preocupante: 78% dos atos legislativos do gênero no mundo foram promulgados do ano 2000 para cá. "As reversões legais para áreas protegidas parecem estar se acelerando", frisa Kroner.
"Respostas políticas são necessárias para salvaguardar os esforços de conservação", acrescenta ela, destacando que tais processos devem ser "transparentes, baseados em evidências, participativos e responsáveis". Kroner ainda recomenda que credores e doadores internacionais sempre considerem essa questão quando estiverem tomando decisões de financiamentos.

O caso brasileiro
A pedido da reportagem, a Conservação Internacional destacou os dados brasileiros do levantamento. No total, foram 85 atos legislativos promulgados - todos entre 1900 e 2017 -, afetando uma área de 114.856 quilômetros quadrados, o que equivale a praticamente metade do tamanho do Estado de São Paulo.
"Destes, 60 ocorreram na Amazônia", pontua Coutinho. Em número, só a região Amazônia teve uma perda de pouco mais de 90 mil quilômetros quadrados de proteção apenas por culpa de mudanças da legislação brasileira.
"A maioria desses eventos, 42 deles, ocorreram após 2010 - grande parte em função de obras de infraestrutura", acrescenta o biólogo Coutinho. "A causa mais prevalente foram decorrentes de autorizações de barragens de energia elétrica na Amazônia", enfatiza Kroner.
Conforme dados compilados pela cientista, o Brasil é responsável por 87% dos retrocessos em áreas protegidas da Amazônia, em um levantamento que inclui os outros oito países amazônicos.
"Estamos assistindo a uma aceleração desses retrocessos no Brasil", comenta ela. "Oitenta e quatro por cento das reduções aprovadas ocorreram desde o ano 2000."
Direito de imagem Mariana Veiga
Entardecer no Rio Negro, Amazônia 
Unidades de preservação foram afetadas por construção de hidrelétricas
Ministros
A bióloga e ambientalista Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, ressaltou que muitas vezes, para equilibrar interesses de diversas políticas públicas, sua gestão precisou alterar status de áreas protegidas - mas que o fez sob compensações considerando a mesma biodiversidade.
"Muitas vezes isso aconteceu", afirmou à BBC News Brasil. "Por interesses sociais, programas que precisavam ser implantados. Por outro lado, ampliamos ou compensamos a área, como aconteceu no Parque Nacional dos Campos Amazônicos." Em 2012, por medida provisória, a então presidente Dilma Rousseff alterou o limite de seis unidades de proteção para a construção de hidrelétricas na Amazônia.
Teixeira ressalta que, de modo geral, esse tipo de retrocesso em políticas de proteção pode ter diversas origens. "Precisaríamos identificar caso a caso para saber. Mas há natureza técnica, política e econômica", comenta. "Do ponto de vista político, isso remete a uma situação de fragilidade e de não priorização da política ambiental. É muito comum que interesses econômicos sejam preponderantes a interesses da biodiversidade, mas isso é só um contexto: vejo como algo muito grave."
Ministro do Meio Ambiente entre 2008 e 2010 e atualmente deputado estadual, o geógrafo Carlos Minc avaliou o cenário como "assustador". "Reflete a força da bancada ruralista e a cumplicidade de vários governos estaduais", disse ele, à BBC News Brasil.
"Entendo que as reduções têm sua principal origem no interesse econômico. Sobretudo da mineração e da pecuária. Também para obras e empreendimentos do agronegócio", enumera. "Ganhou força o grupo político mais conservador e reacionário que despreza e desqualifica os ganhos ambientais e prega abertamente a extinção de leis e parques que protegem a biodiversidade."
Direito de imagem Mariana Veiga
Papagaios em área protegida da Amazônia brasileira 
Papagaios em área protegida da Amazônia brasileira
"Em nossa gestão no Ministério do Meio Ambiente, criamos ou ampliamos 54 mil quilômetros quadrados de parques e reservas extrativistas. Cada uma era uma guerra", argumenta. Ele diz que, na esfera pública, há um verdadeiro cabo de guerra entre os ministérios na hora de criar áreas protegidas. "Eu solicitei um estudo sobre os ganhos econômicos dos parques e reservas para o turismo, o extrativismo, a água e o clima. Mas os demais ministérios geralmente não consideram o ganho ambiental, social, de biodiversidade e até de água para a agricultura."
Confrontado com os dados, o jurista, historiador e diplomata Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente entre 1993 e 1994, afirmou à BBC News Brasil que "não chega a surpreender que tenha havido redução significativa das áreas protegidas". "Atribuo a tendência à pressão constante de interesses econômicos - madeireiros, de mineração, agropecuários, grileiros de terras públicas - e, em menor grau, à pressão social de trabalhadores sem-terra", avalia ele.
"Manter as áreas protegidas nunca foi fácil em razão da enorme desigualdade existente entre os recursos de fiscalização e o poder de grupos econômicos regionais", acrescenta Ricupero.
A BBC News Brasil questionou o atual ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles, sobre quais medidas ele julga pertinente serem adotadas frente aos dados apresentados pelo estudo. Até a publicação desta reportagem, entretanto, ele não havia respondido.
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Ribeirinhos às margens do Rio Negro, Amazônia  
Interesses econômicos foram apontados como grandes impulsionadores da degradação
Futuro
Ricupero teme que a tendência de retrocessos ambientais que o Brasil vem atravessando siga de forma ainda mais crítica. "O atual governo vem contribuindo para agravar o quadro pela posição pessoal e o exemplo altamente negativo do próprio presidente da República", diz.
"O sistemático desmantelamento do sistema já precário do Ibama e do ICMBio estimula maiores violações dos espaços ainda protegidos e desencoraja a ação dos fiscais. Isso sem mencionar os numerosos projetos em tramitação no Congresso, que terão certamente impacto igualmente destruidor."
O levantamento da Conservação Internacional demonstra que é preciso ficar atento às propostas em tramitação. "O estudo encontrou 60 eventos propostos, sendo metade deles na Amazônia", pontuou Coutinho. No total, afetariam outros 200 mil quilômetros quadrados de bioma - uma área do tamanho do Paraná.
"A tendência é só piorar, dada a posição do presidente e do atual ministro, e à maior força da bancada ruralista", acredita Minc. "A maior ameaça à biodiversidade é o projeto de lei que acabaria com a reserva legal, que pode ocasionar o maior desmatamento do planeta, da ordem de 1,3 milhão de quilômetros quadrados." A área corresponde a dez vezes o tamanho da Inglaterra.
"Outros projetos de lei negam ao governo a iniciativa de criar parques ou demarcar terras indígenas. Há ainda os que liberam a caça, a lei do abate, até para espécies ameaçadas - que, segundo os autores, estariam 'ameaçando os rebanhos nas fazendas'", analisa o ex-ministro e agora deputado. "Os projetos que esvaziam o licenciamento ambiental representam outra grave ameaça aos rios e florestas e à saúde da população."
O biólogo Coutinho afirma que "reversões na regulamentação devem ser amplamente discutidas". "Estamos sempre dispostos a estabelecer diálogos para o desenvolvimento sustentável com base em dados e boa informação científica", ressalta ele.
"O que os dados mostram é que a proteção do capital natural - entendido aqui como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos - pode ser grande aliada do desenvolvimento econômico e social, respeitando-se direitos e interesses de diversos setores da sociedade uma vez que todos são beneficiários dos serviços ecossistêmicos", defende. "A velocidade em que a biodiversidade vem sendo perdida pode comprometer a funcionalidade do sistema e consequentemente a humanidade no planeta."

Fonte: BBC

Da busca por cura do câncer à luta contra o plástico: como os cogumelos podem mudar o mundo

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30 maio 2019


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floresta na península de Michigan  
O enorme fungo descoberto por Jim Anderson e seus colegas vive sob uma floresta na península de Michigan há 2.500 anos
Sob os pés de Jim Anderson há um monstro. Ele está vivo desde que o rei persa Xerxes travou uma guerra contra os gregos antigos e pesa mais que três baleias-azuis juntas. Tem um apetite voraz e percorre enormes extensões de floresta. Ele não é um animal esquecido da mitologia grega. É um cogumelo.
Anderson está sobre um modesto trecho da floresta de Crystal Falls, na península de Michigan, nos EUA. Ele está revisitando um organismo que vive sob o solo da vegetação e que ele e seus colegas descobriram há quase 30 anos. Esta é a casa do Armillaria gallica, exemplar do gênero (Armillaria) dos chamados "cogumelos-do-mel".
Estes fungos são encontrados em florestas temperadas em toda a Ásia, América do Norte e Europa, onde crescem em madeira morta ou prestes a morrer, ajudando a acelerar sua decomposição. Frequentemente, seu único sinal visível acima do solo são aglomerados de corpos de frutificação, de coloração amarelo-marrom, que crescem a até 10 cm de altura.
Quando Anderson e seus colegas visitaram Crystal Falls no final dos anos 1980, eles descobriram que o que parecia ser uma rica comunidade de Armillaria gallica florescendo sob o manto da floresta era - na verdade - um único espécime individual gigante. Eles estimaram que ele cobria uma área de 36 hectares, pesava 100 toneladas e tinha pelo menos 1.500 anos de idade. Ele estabeleceu um novo recorde na época para o maior organismo do planeta - mas um fungo semelhante em uma floresta no Oregon agora detém o recorde.
"Isso causou uma grande agitação na época", diz Anderson. "Nosso trabalho saiu no Dia da Mentira, então todos achavam que era uma piada. Em 2015, achamos que devíamos voltar e testar nossa hipótese de que se tratava de um único organismo".
Eles acabaram retornando ao local várias vezes entre 2015 e 2017, coletando amostras de pontos distantes ao redor da floresta e, em seguida, executando testes de DNA em seu laboratório na Universidade de Toronto. A análise genética avançara consideravelmente desde o primeiro estudo na década de 1980.
As novas amostras revelaram que não apenas se tratava de um único indivíduo, mas ele era muito maior e mais antigo do que eles previam. Os novos resultados revelaram que ele é quatro vezes maior, 1.000 anos mais velho e pesa 400 toneladas.
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fungos  
Os fungos produzem fios parecidos com veias, chamados micélio, fenômeno que tem garantido vários usos atuais
A análise trouxe ainda a revelação de que ele poderia ajudar os seres humanos na luta contra um dos maiores inimigos da medicina moderna - o câncer.
Os pesquisadores canadenses descobriram o que pode ser o segredo por trás do tamanho e da idade extraordinária do Armillaria gallica. Parece que o fungo tem uma taxa de mutação extremamente baixa - o que significa que ele evita alterações potencialmente prejudiciais ao seu código genético.
À medida que os organismos envelhecem, suas células se dividem para produzir novas células. Com o tempo, o DNA nas células pode ser danificado, levando a erros, conhecidos como mutações, que se infiltram no código genético. Esse é tido como um dos principais mecanismos que causam o envelhecimento.

Poucas mutações
Mas parece que o Armillaria gallica em Crystal Falls pode ter alguma resistência inata a esse dano no DNA. Em 15 amostras coletadas de partes distantes da floresta e sequenciadas pela equipe, apenas 163 letras das 100 milhões do código genético do Armillaria gallica haviam mudado.
"A frequência de mutação é muito, muito menor do que poderíamos imaginar", diz Anderson. "Para ter esse baixo nível de mutação, esperaríamos que as células estivessem se dividindo, em média, uma vez a cada metro de crescimento. O que é surpreendente é que as células são microscópicas - apenas alguns micrômetros (milésima parte de un milímetro) de tamanho -, então você precisaria de milhões delas em cada metro de crescimento".
Anderson e sua equipe acreditam que o fungo tem um mecanismo que ajuda a proteger seu DNA de mutações, dando-lhe um dos genomas mais estáveis do mundo natural. Embora ainda precisem desvendar exatamente como isso é possível, a notável estabilidade do genoma do Armillaria gallica poderia oferecer novos rumos para a medicina.
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fungo 
Um fungo que infecta ninfas de cigarras produz um composto transformado em um fármaco imunossupressor
Em alguns tipos de câncer, as mutações podem desestabilizar as células, uma vez que os mecanismos normais que verificam e reparam o DNA foram rompidos.
"O Armillaria gallica pode oferecer uma potencial resposta à notória instabilidade do câncer", diz Anderson. "Se você olha para uma linha de células cancerígenas com idade equivalente, ela estaria tão repleta de mutações que você provavelmente não conseguiria reconhecê-la. O Armillaria está no extremo oposto. Pode ser possível escolher as mudanças evolutivas que permitiram isso e compará-las às células cancerosas."
Isso não apenas permitirá que os cientistas aprendam mais sobre o que dá errado nas células cancerosas, mas também como fornecer novas formas de tratar o câncer.
Embora Anderson e seus colegas não planejem realizar esses estudos sozinhos - estão deixando para os cientistas do futuro a tarefa de entender a complexidade genética do câncer -, suas descobertas lançam luz sobre o poder inexplorado dos fungos para a humanidade.
Os fungos são alguns dos organismos mais comuns em nosso planeta. A biomassa combinada desses organismos, muitas vezes minúsculos, excede a de todos os animais da Terra juntos. E estamos descobrindo novos fungos o tempo todo. Mais de 90% dos cerca de 3,8 milhões de fungos do mundo são atualmente desconhecidos da ciência. Somente em 2017, havia 2.189 novas espécies de fungos descritas pelos cientistas.
Um relatório recente publicado pelo Jardim Botânico Real Kew, em Londres, destacou que os fungos já são usados de centenas de maneiras diferentes, desde para fabricar papel até a ajudar a lavar a roupa. Cerca de 15% de todas as vacinas e drogas produzidas biologicamente vêm de fungos. As proteínas complexas utilizadas para desencadear uma resposta imune ao vírus da hepatite B, por exemplo, são cultivadas em células de levedura, que fazem parte da família dos fungos.
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máquina de lavar 
Enzimas produzidas por fungos são adicionadas a sabões em pó para cortar as pontas dos fios de algodão à medida que são lavados, ajudando a remover manchas difíceis
Talvez o mais conhecido seja o antibiótico penicilina, que foi descoberto em um tipo comum de mofo doméstico que geralmente cresce com o pão velho. Dezenas de outros tipos de antibióticos são agora produzidos por fungos.
Eles também são fontes de tratamentos para enxaquecas - e de estatinas para o tratamento de doenças cardíacas. Um imunossupressor relativamente novo, usado no tratamento da esclerose múltipla, foi desenvolvido a partir de um composto produzido por um fungo que infecta larvas de cigarras.
"Ele faz parte dessa família de fungos que entra em insetos e os controlam", diz Tom Prescott, pesquisador que investiga o uso de plantas e fungos no Jardim Botânico Real Kew. "Eles produzem compostos para suprimir o sistema imunológico dos insetos, os quais também podem ser usados em humanos".
Mas alguns pesquisadores acreditam que nós apenas engatinhamos nas possibilidades que os fungos nos oferecem.
"Já se mostrou que [fungos] agem contra doenças virais", diz Riikka Linnakoski, patologista florestal no Instituto de Recursos Naturais da Finlândia. Compostos produzidos por fungos podem destruir vírus que causam doenças como gripe, poliomielite, caxumba, sarampo e febre glandular. Vários fungos também servem para a produção de compostos que tratam doenças sem cura, como o HIV e zika.
"Acredito que eles representam apenas uma pequena fração do arsenal de compostos bioativos", diz Linnakoski. "Os fungos são uma vasta fonte de moléculas bioativas, que poderiam ser usadas como antivirais no futuro".

Muitas pesquisas
Linnakoski integra uma equipe de pesquisa que investiga se os fungos que crescem em mangues da Colômbia podem ser fontes de novos agentes antivirais. Não há ainda uma conclusão. Embora muitas pesquisas apontem para os fungos como uma fonte de antibióticos, nenhuma droga antiviral derivada de fungos foi aprovada.
A pesquisadora diz que essa aparente omissão da comunidade científica de deve à dificuldade de coletar e cultivar várias espécies e à histórica falta de comunicação entre os micologistas e a comunidade virológica. Mas ela acredita que é apenas uma questão de tempo até que um medicamento antiviral baseado em fungos chegue à clínica médica.
Ela acrescenta que a busca por novas espécies de fungos em ambientes inóspitos - como nos sedimentos das partes mais profundas do oceano ou de condições altamente mutáveis de mangues - pode trazer compostos ainda mais interessantes.
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criança vacinada 
Muitas vacinas são sintetizadas usando-se células de levedura para se produzir moléculas complexas
"Acredita-se que as condições extremas levem fungos a produzir metabólitos secundários sem precedentes", diz ela. "Infelizmente, muitos ecossistemas nativos que abrigam um grande potencial para descobertas de novos compostos bioativos, como mangues, estão desaparecendo a taxas alarmantes."
Mas os fungos têm usos que podem resolver outros problemas além dos ligados à nossa saúde.
Um fungo encontrado no solo de um aterro sanitário nos arredores de Islamabad, Paquistão, pode ser uma solução para os níveis alarmantes de poluição de plástico de nossos oceanos. Fariha Hasan, microbiologista da Universidade Quaid-I-Azam, em Islamabad, descobriu que o fungo Aspergillus tubingensis decompõe o plástico poliuretano rapidamente.
Esses plásticos, que serviam para fabricar produtos como espumas de móveis, caixas de eletrônicos, adesivos e filmes, permanecem no solo e na água do mar por anos. Os fungos, no entanto, conseguem quebrá-los em algumas semanas. Hasan e sua equipe agora investigam como usar os fungos para quebrar resíduos plásticos em larga escala.
Outros micro-organismos, como o Pestalotiopsis microspore, que cresce em folhas de trepadeiras em decomposição, também têm um enorme apetite por plástico, aumentando as esperanças de serem aproveitados contra o crescente problema de resíduos.
De fato, os cogumelos têm apetite pela poluição que produzimos. Descobriram-se espécies que podem limpar a poluição do solo, degradar metais pesados nocivos, consumir pesticidas persistentes e até mesmo ajudar a reabilitar locais radioativos.

Micélio para tudo
Cogumelos podem, acima de tudo, ajudar até a evitar o uso de plástico. Para tal, cientistas ao redor do mundo já vêm explorando uma característica-chave dos fungos, a formação de uma rede de fios - parecidos com veias - chamada micélio, para criar materiais que possam substituir as embalagens de plástico.
À medida que os fungos crescem, redes de micélio se ramificam por cantos e fissuras no solo, unificando-os. Ele funciona como a cola da natureza.
Em 2010, a empresa de biomateriais Ecovative Design começou a explorar o micélio para unir resíduos naturais, como os de cascas de arroz ou de madeira, trazendo alternativa às embalagens de poliestireno. Seu trabalho evoluiu para o MycoComposite, um biomaterial que usa pedaços de planta de cânhamo como base.
Esses são embalados em moldes reutilizáveis, juntamente com esporos de fungos e farinha, que crescem por nove dias. Assim, produzem enzimas que digerem os resíduos. Uma vez que tenha crescido na forma desejada, o material recebe calor para secar e ter seu crescimento interrompido. A embalagem de cogumelos resultante é biodegradável e já está sendo usada por empresas como a Dell para embalar seus computadores.
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O micélio de fungos pode ser cultivado em resíduos agrícolas, como cascas de milho, para produzir um material de embalagem leve e biodegradável
A empresa também desenvolveu uma maneira de cultivar micélio em espumas que podem ser usadas em tênis de corrida, isolantes e tecidos que imitam o couro. Trabalhando com a empresa de tecidos sustentáveis Bolt Threats, ela combina resíduos de milho com o micélio, permitindo que um emaranhado se desenvolva, seja curtido e comprimido. O processo leva alguns dias, em vez dos anos necessários para o couro animal.
Stella McCartney está entre as designers interessadas em usar o couro de cogumelo, e a designer de calçados Liz Ciokajlo usou o micélio para uma moderna repaginada de uma tendência fashion dos anos 1970: a Moon Boot, ou bota lunar.
Athanassia Athanassiou, cientista de materiais do Instituto Italiano de Tecnologia em Gênova, tem usado fungos para desenvolver novos tipos de curativos no tratamento de feridas crônicas.
Mas ela também descobriu que é possível adaptar as qualidades do micélio alterando o que ele digere. Quanto mais difícil for para os fungos digerir uma substância - por exemplo, serragem de madeira em vez de cascas de batata -, mais duro será o material micelial resultante. Isso aumenta a perspectiva de usar fungos para fins mais robustos.
A MycoWorks, com sede na Califórnia, vem desenvolvendo maneiras de transformar cogumelos em materiais de construção. Ao fundir a madeira com o micélio, a companhia conseguiu criar tijolos retardantes de chamas e mais duros que o concreto convencional.
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Os fungos Trametes versicolor, que crescem em árvores, podem criar tijolos resistentes ao fogo e funcionar como isolantes acústicos
Tien Huynh, biotecnólogo do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, na Austrália, lidera um projeto para desenvolver tijolos combinando-se o micélio do Trametes versicolor com cascas de arroz e resíduos de vidro.
Huynh garante que eles não só fornecem um material de construção barato e sustentável, mas também ajudam a resolver outro problema enfrentado por muitas casas na Austrália e em todo o mundo - cupins. A sílica do vidro e das casas de arroz tornam o material menos apetitoso para os cupins, que causam bilhões de dólares em danos às residências todos os anos.
"Em nossa pesquisa, usamos fungos para produzir enzimas e novas bioestruturas com diferentes propriedades, incluindo a absorção de som, força e flexibilidade", diz Huynh. Sua equipe também está trabalhando no uso de fungos para produzir quitina - uma substância usada para engrossar alimentos e aplicada em muitos cosméticos.
"Normalmente, a quitina é processada a partir de crustáceos, que tem propriedades hipoalergênicas. A quitina fúngica não", diz Huynh. "Teremos mais produtos baseados em fungos no final do ano, mas certamente é um recurso fascinante subutilizado."
Os fungos também podem ser usados em combinação com materiais de construção tradicionais para criar um "concreto inteligente", ou seja, capaz de regenerar fissuras e reparar danos.
"As possibilidades de uso do micélio são infinitas", diz Gitartha Kalita, bioengenheiro da Faculdade de Engenharia de Assam e da Universidade Assam Don Bosco, em Guwahati, na Índia. Ele e seus colegas têm usado fungos e resíduos de capim seco para criar uma alternativa à madeira de construção.
"Tudo o que hoje chamamos de lixo agrícola é, na verdade, um recurso incrível no qual os cogumelos podem crescer. Já degradamos nosso meio ambiente e, portanto, podemos substituir os materiais atuais por algo que se sustente de forma sustentável. Eles podem pegar nosso desperdício e transformá-lo em algo que é realmente valioso para nós", afirma. 

Fonte: BBC