sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

'Armagedom dos chips’ já provoca desde escassez de videogames até disputas geopolíticas

'Armagedom dos chips’ já provoca desde escassez de videogames até disputas geopolíticas

Leo Kelion - BBC
14 fevereiro 2021

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Como muitas outras coisas erradas que estão ocorrendo no mundo, o coronavírus é parcialmente culpado pelo "armagedon dos chips".

Na maioria das vezes, eles passam despercebidos, mas os chips de computador estão no centro de todos os produtos digitais que nos cercam — e quando os suprimentos escasseiam, a fabricação deles pode parar por completo.

Alguns indícios desse problema já foram notados no ano passado, quando os fãs de jogos online tiveram dificuldade para comprar novas placas gráficas, a Apple teve que escalonar o lançamento de seus iPhones e os videogames Xbox e PlayStation recém-lançados não chegaram nem perto de atender à demanda.

Pouco antes do Natal de 2020, a questão emergiu de vez: "o armagedom dos chips" (ou chipageddon, como o fenômeno tem sido chamado em inglês) já é uma realidade, inclusive na indústria automobilística.

Os carros novos geralmente incluem mais de 100 microprocessadores — e fabricantes simplesmente não conseguem mais fornecer todos eles.

As empresas de tecnologia vêm alertando que também enfrentam restrições. A Samsung está lutando para atender aos pedidos de chips que fabrica para seus próprios produtos e também para outras empresas.

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Samsung é uma dos maiores fabricantes mundiais de chips

A Qualcomm, que produz os processadores e modems que alimentam os principais smartphones e outros dispositivos, admite o mesmo problema.

Impacto da pandemia
Como muitas outras coisas erradas que estão ocorrendo no mundo, o coronavírus é parcialmente culpado pelo "armagedom dos chips".

Os lockdowns e quarentenas impostos em várias partes do mundo incentivaram as vendas de computadores e outros dispositivos para permitir que as pessoas trabalhassem em casa.

Muitos indivíduos também aproveitaram para adquirir novos aparelhos, para uso de lazer.

A indústria automotiva, por sua vez, inicialmente viu uma grande queda na demanda e cortou boa parte de seus pedidos por componentes eletrônicos.

Como resultado, os fabricantes de chips fizeram trocas e priorizações em suas linhas de produção.

Porém, a situação se reverteu no terceiro trimestre de 2020. As vendas de carros voltaram com força maior do que a prevista, enquanto a demanda por dispositivos eletrônicos continuou em alta.

Infraestrutura de 5G
Com as fábricas funcionando em sua capacidade máxima, construir novas plantas industriais não é mais uma simples questão de investimento.

"Leva cerca de 18 a 24 meses para uma fábrica abrir e começar a produzir", explica o analista Richard Windsor.

"E mesmo depois de construir uma nova unidade, você precisa ajustá-la e aumentar o rendimento, o que também leva um pouco de tempo. Isso não é algo que você pode ligar e desligar de um dia para outro."

A implantação da infraestrutura 5G em várias partes do mundo também está aumentando bastante a demanda.

A empresa de tecnologia chinesa Huawei, por exemplo, fez um grande pedido para formar um estoque de chips antes que as restrições comerciais dos Estados Unidos a impedissem de realizar novas encomendas.

Em contraste, a indústria automotiva tem uma margem de estoque relativamente baixa e tende a não guardar uma grande quantidade de suprimentos, o que agora a deixou em apuros.

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A General Motors planeja paralisar produção em três fábricas norte-americanas e reduzir obras em uma quarta, na Coreia do Sul

Recentemente, as companhias TSMC e Samsung, principais produtoras de chips, gastaram bilhões para acelerar um novo processo altamente complexo de fabricação de chips de 5 nanômetros para produtos de última geração.

Mas os analistas dizem que, de forma mais ampla, o setor sofreu com o subinvestimento nos últimos anos.

"A maioria das empresas do setor dois registrou lucros insatisfatórios, margens baixas e alto índice de endividamento", aponta um relatório recente da consultoria Counterpoint Research.

"Do ponto de vista da lucratividade, é difícil considerar a construção de uma nova fábrica para companhias menores", afirma o documento.

Para completar, muitos desses produtores de chips responderão à demanda extra aumentando seus preços, em vez de produzindo mais.

Efeitos em cadeia
Windsor não espera que a escassez de chips seja sanada até pelo menos o próximo mês de julho.

Outros analistas acreditam que levará ainda mais tempo para resolver o problema.

"Esperamos que as restrições de fornecimento da indústria diminuam apenas parcialmente no segundo semestre de 2021, com alguma escassez se estendendo até 2022", antevê uma pesquisa realizada pelo Bank of America.

Uma fabricante de chips disse ao Wall Street Journal, dos Estados Unidos, que as pendências eram tão grandes que levaria até 40 semanas para atender qualquer pedido que uma montadora fizesse hoje.

E isso, claro, pode ter efeitos colaterais complicados do ponto de vista financeiro.

A consultoria AlixPartners previu que a indústria automotiva perderá US$ 64 bilhões (ou R$ 344 bilhões) em vendas porque teve que fechar ou reduzir sua produção.

No entanto, essa soma precisa ser analisada dentro do contexto do setor, que normalmente gera cerca de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) em vendas por ano.

Criadores de monopólio
O "armagedom dos chips" também traz implicações geopolíticas.

Os Estados Unidos ainda lideram o setor de de desenvolvimento e de design de componentes. Mas são Taiwan e a Coreia do Sul que dominam a indústria de fabricação de chips.

CRÉDITO,TAIWAN SEMICONDUCTOR MANUFACTURING CO LTD
A TSMC, com sede em Taiwan, é a maior empresa de semicondutores do mundo

O economista Rory Green, da consultoria TM Lombard, estima que esses dois países asiáticos respondam por 83% da produção global de chips de processador e 70% dos chips de memória.

"Assim como a Opep (cartel de países petroleiros) para o petróleo, Taiwan e Coreia do Sul estão perto de alcançar um monopólio dos produtores de chips", escreveu Green, acrescentando que a participação das duas nações no mercado deve crescer ainda mais.

Isso, por sua vez, tem aumentado a preocupação nos Estados Unidos quanto a uma possível futura escassez de linhas de abastecimento.

Um grupo de 15 senadores escreveu ao presidente americano Joe Biden instando-o a tomar medidas para "incentivar a produção americana de semicondutores no futuro".

Porém, o país mais afetado por essa questão é a China, que fabrica mais carros do que qualquer outra nação.

A empresa de pesquisa IHS prevê uma redução de 250 mil veículos na produção do país durante os primeiros três meses de 2021 como consequência da atual escassez.

Poderio chinês
As autoridades de Pequim há muito desejam tornar o país autossuficiente na fabricação de semicondutores.

Mas recentemente os Estados Unidos tomaram medidas para bloquear as empresas chinesas que fazem uso do know-how americano na produção dos chips, alegando que eles também suprem as necessidades militares da China.

A crise atual não apenas dará aos líderes do país Asiático motivos para redobrar seus esforços.

Ela também expõe o quão perturbadora outra de suas maiores ambições pode ser: a unificação com Taiwan.

"Mais caro"
Por enquanto, consumidores precisam ter algumas coisas em mente.

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Marcas menores podem achar mais difícil garantir o suprimento que desejam

O tempo de espera para alguns modelos de automóveis aumentará consideravelmente.

E alguns outros dispositivos também podem ser difíceis de encontrar pelos próximos meses.

As maiores empresas do setor, como Samsung e Apple, têm poder de compra para garantir prioridade neste momento.

Mas algumas marcas menores podem ser afetadas de forma desproporcional.

"Isso significa que os produtos podem ficar mais caros — ou pelo menos não cair de preço com o tempo, como normalmente esperaríamos", diz Ben Wood, da consultoria CCS Insight.

"A oferta também será limitada. Portanto, se há um gadget que você realmente deseja comprar, não pense em ficar esperando para ver se haverá um negócio melhor em alguns meses", completa o especialista.

Fonte: BBC

Por que os camelos podem ser a origem da próxima pandemia

Por que os camelos podem ser a origem da próxima pandemia

Jacob Kushner - BBC Future
15 fevereiro 2021

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
O contato próximo entre camelos e humanos tem o potencial de espalhar Mers — causada por um coronavírus mais mortal, parente da covid-19

Acredita-se que o vírus que causa a covid-19 tenha se originado em animais antes de saltar para a espécie humana. Agora, especialistas estão alertando para a possibilidade de uma próxima pandemia fazer o mesmo.

Setenta e cinco por cento das doenças emergentes que afetam as pessoas atualmente se originam em animais, de acordo com o Predict, projeto de cooperação internacional entre especialistas em doenças infecciosas financiado pelo governo americano.

Os cientistas do Predict já identificaram 1,2 mil novas doenças zoonóticas (de origem animal). Mas estimam que existam aproximadamente outras 700 mil que nem conhecemos ainda.

Um animal que está despertando fascínio — e medo — nos cientistas é o camelo.

Em todo o nordeste da África, Ásia e Oriente Médio, os humanos criam esses mamíferos com corcova e pescoço comprido aos milhões. Sociedades inteiras dependem dos camelos para obter leite e carne, casamento e riqueza.

Seus donos geralmente os descrevem como criaturas gentis. Mas tente abordar um deles com uma agulha para coletar amostras de sangue ou com swabs (haste semelhante ao cotonete) para fazer exames nasais e retais, e você rapidamente despertará sua fúria.

"Eles podem chutar você. Cuspir em você. Urinar em você", diz a pesquisadora Millicent Minayo da Washington State University, nos EUA, que há dois anos vem colhendo amostras de camelos e pastores em Marsabit, no Quênia.

"E qualquer pessoa que esteja em contato com eles pode pegar essa infecção."

"Essa infecção" é a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês), um novo coronavírus que até agora provou ser pelo menos 10 vezes mais mortal do que a covid-19.

Ele foi descoberto na Arábia Saudita em 2012. E, até 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia identificado "1.761 casos confirmados em laboratório de infecção com Mers-CoV, incluindo pelo menos 629 mortes relacionadas".

Mais tarde naquele ano, um surto em um hospital acendeu o alerta de que não são apenas os pastores de camelos que são suscetíveis à doença, mas qualquer pessoa.

Embora os camelos possam ser portadores, a ameaça da Mers para os humanos é causada sobretudo pelo homem.

Como as mudanças climáticas induzidas pelo homem tornam as secas mais frequentes, prolongadas e severas, os pastores tiveram que trocar as vacas e outros animais por camelos porque somente eles conseguem sobreviver semanas sem água.

O resultado é um número cada vez maior de camelos em contato próximo com humanos — a condição perfeita para a propagação de uma doença mortal.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
Abordar um camelo para coletar uma amostra de sangue ou esfregaço requer certo cuidado

"Trouxemos este estudo para o Quênia porque temos um grande número de camelos. E, especialmente, em Marsabit", diz Minayo. Ela e seus colegas já encontraram o vírus em cerca de 14 camelos apenas em 2019.

Agora eles estão correndo para testar a presença do vírus entre humanos na esperança de impedir sua disseminação antes que se transforme em uma pandemia como a de covid-19 — que poderia ameaçar não apenas os pastores no Quênia, mas também pessoas em todo o mundo.

"Você não sabe como essa doença, se chegar aos humanos, vai ser", afirma Minayo.

"Ninguém sabia que a covid-19 criaria uma pandemia global que ceifaria a vida de tantos milhões de pessoas. Portanto, seria bom se pudéssemos prevenir em vez de tratar."

"A prevenção é melhor do que a cura."

País dos camelos
O Quênia é o lar de 3 milhões de camelos — quase 10% de todos os camelos do mundo, e mais do que qualquer outro país, exceto Sudão e Somália. De acordo com o governo queniano, Marsabit abriga pelo menos 224 mil deles. Há quase tantos camelos quanto pessoas.

Marsabit é o maior condado do Quênia em extensão de terra, mas um dos menores em termos de população: apenas 1% dos quenianos mora lá. E 80% deles vivem na pobreza.

A economia de Marsabit não se beneficia de muitas das indústrias que sustentam outras partes do Quênia, como o turismo — dos 2 milhões de turistas que visitam o Quênia a cada ano, apenas alguns milhares se deslocam até Marsabit.

Na periferia da cidade, dezenas de mulheres com roupas coloridas esperam do lado de fora do portão do National Cereals and Produce Board.

Desde que a covid-19 impôs à economia do Quênia um lockdown parcial, todas as manhãs as mulheres fazem fila na esperança de serem contratadas para algumas horas de trabalho embalando alimentos — milho, açúcar, arroz, óleo de cozinha — para distribuir às famílias famintas que perderam seus renda devido à pandemia.

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Marsabit abriga apenas 1% da população do Quênia e cerca de 7% dos camelos do país

A pecuária é responsável por 85% da economia de Marsabit. Além de fornecer sustento econômico, camelos e vacas podem ser bens familiares, usados ​​para despesas como dotes ou mensalidades escolares.

Ambos os animais são frequentemente vistos como investimentos mais seguros do que ovelhas, cabras ou outros animais para criação, que vivem menos anos.

Os camelos, em particular, estão se tornando mais comuns à medida que os pastores recorrem a um animal robusto que pode sobreviver a secas cada vez mais frequentes.

Porém, quanto mais camelos houver, maior será o risco de doenças zoonóticas.

"Mover um número crescente de animais pela paisagem aumenta a interação com a vida selvagem. As doenças podem saltar da vida selvagem para o seu rebanho e daí para os humanos", alerta Dawn Zimmerman, veterinária de vida selvagem do Programa de Saúde Global do Smithsonian Conservation Biology Institute que lidera os projetos do Predict no Quênia.

"As doenças estão por aí. Se tiverem oportunidade, podem saltar."

A Mers já fez isso. Um estudo recente mostrou que os tratadores de camelos são particularmente vulneráveis a ela — e que alguns até testaram positivo para anticorpos, o que significa que já haviam sido expostos ao vírus.

Como enganar um camelo
Todas as manhãs, quando Minayo e seu colega Boru Dub Wato saem para fazer testes de Mers nos camelos, eles tomam precauções que os próprios pastores não tomam. Óculos. Máscara. Traje de proteção contra poeira de corpo inteiro. Face shield (aquela lâmina de acrílico que é presa a um aro na cabeça e forma um escudo em toda a face). Galochas. Luvas.

Quando estão todos paramentados, parecem destoar do cenário — como uma dupla de caça-fantasmas prestes a exterminar os espectros de um vilarejo rural africano.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER)
Existe um truque para colher amostras de camelos — comece pela cauda, ​​depois agarre sua orelha e segure os lábios

Eles convocam pastores para arrebanhar seis camelos para teste. Os camelos são filhotes, cada um com menos de dois anos, mas se erguem sobre seus donos quando começa o difícil processo de contê-los.

"São animais enormes", diz Dub Wato, que cresceu rodeado por camelos como um nativo de Marsabit da tribo Gabra.

"Você precisa de força" para contê-los, afirma. Mesmo assim, você nunca terá sucesso "a menos que use alguns truques".

O primeiro truque é começar pela cauda — uma vez que você a agarra, o camelo não consegue fugir.

"A outra pessoa pode ir atrás da orelha. Então, você o segura pelos lábios", explica Dub Wato.

O camelo emite gemidos altos e agudos como um burro enquanto tenta chutar seus algozes. Dub Wato esfrega os swabs no nariz do camelo, depois no ânus. Em seguida, usa uma agulha para coletar sangue logo atrás da mandíbula do animal.

Depois de colher amostras de todos os camelos, é a vez das pessoas. Uma após a outra, as crianças se sentam em uma cadeira fazendo cara de nojo enquanto Minayo coleta amostras de seu nariz e garganta.

Quando chega a vez de uma senhora idosa com um sorriso no rosto, Minayo pergunta sua idade. Segue-se um debate amigável. O ano de nascimento da mulher nunca foi registrado.

Um parente diz que ela tem 90 anos, outro argumenta que ela está mais para 110. As crianças riem.

"Basta anotar 100", alguém diz.

Terminado o trabalho de campo, Minayo e Dub Wato tiram seu equipamento de proteção individual e transportam as amostras de motocicleta para um laboratório na cidade.

Lá, eles colocam o sangue em uma centrífuga e, em seguida, põem junto com os swabs em uma caixa cheia de nitrogênio líquido para resfriar as amostras a -80 ° C para a longa viagem até Nairóbi, onde será feito o teste para Mers.

Crise de saúde em formação
Mesmo antes da chegada da covid-19, 13 doenças zoonóticas diferentes, incluindo tuberculose, hepatite E e gripe aviária, estavam causando 2,4 bilhões de casos de doenças humanas e 2,2 milhões de mortes a cada ano.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
Millicent Minayo e seus colegas têm que usar trajes de proteção ao coletar amostras nas aldeias

Muitas dessas doenças são transmitidas por rebanhos.

Nos países pobres, 27% dos animais da pecuária mostram sinais de infecção anterior por zoonoses, e um em cada oito animais é infectado a cada ano.

No Quênia, os lembretes do risco estão sempre presentes. Em 2017, um sistema de coleta de dados de telefones celulares alertou com sucesso as autoridades de saúde sobre um surto de antraz entre búfalos, permitindo ao governo do país detê-lo antes que colocasse vidas humanas em perigo.

É parte de um programa nacional que está sendo desenvolvido para impedir a propagação de doenças zoonóticas.

Enquanto isso, no condado de Mandera, em maio de 2020, pelo menos 70 camelos morreram de uma doença desconhecida. E em 2019, houve um surto de febre do Vale do Rift, uma doença mortal que se espalha quando os humanos entram em contato com o sangue ou órgãos de vacas infectadas. Felizmente, ninguém morreu.

Mas a sorte não dura para sempre. Em junho de 2020, no condado de Meru, perto de Marsabit, pelo menos duas pessoas morreram e nove adoeceram pelo o que os médicos suspeitam que possa ter sido outro surto de antraz induzido por animais.

E em 2014, em Marsabit, 139 pessoas morreram de brucelose — infecção bacteriana altamente contagiosa que é facilmente transmitida por leite não processado ou carne mal cozida. A brucelose já infecta uma em cada oito vacas no mundo.

Mas menos de 30% dos pastores e fazendeiros sabem como a brucelose é transmitida do gado para os humanos, de acordo com um estudo recente liderado por Kariuki Njenga, que também é o cientista-chefe do estudo de campo de Mers em Marsabit, em nome da Washington State University em colaboração com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês).

Os pastores, em particular, costumavam se envolver em práticas de alto risco, como beber leite cru ou manusear couro in natura.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
Os camelos são um recurso valioso para muitas famílias em Marsabit — e em muitas partes do mundo os humanos vivem em contato próximo com esses animais

Até agora, a Mers não saltou para humanos em Marsabit. Todas as amostras das pessoas que as equipes de Minayo testaram nos últimos dois anos deram negativo. Mas se — ou quando — isso acontecer, pode ser devastador.

"Entre os humanos, é um vírus muito mortal", diz Minayo.

"Quando há transmissão de pessoa para pessoa, você não sabe quem vai pegar. Pode atingir aqueles que estão imunocomprometidos. Pode atingir crianças cujo sistema imunológico ainda está em desenvolvimento."

A Mers causa os mesmos tipos de complicações no sistema respiratório que a covid-19, incluindo pneumonia. Os sintomas geralmente começam com congestão nasal, tosse, dores no peito ou dificuldade para respirar.

Nos casos mais graves, pode causar fibrose — cicatrizes irreversíveis — nos pulmões. E isso pode ser fatal. Mais de um terço de todos os humanos conhecidos que contraíram Mers morreram em decorrência disso, de acordo com a OMS.

Embora tenhamos visto pela covid-19 como um surto pode pegar os sistemas de saúde em todo o mundo despreparados, o de Marsabit corre o risco de ficar particularmente sobrecarregado.

Em 2014, havia apenas cinco médicos em todo o condado de Marsabit — um médico para cada 64 mil pessoas. O mínimo que a OMS recomenda é de 1 para cada mil pessoas.

Mas a ameaça vai muito além de Marsabit.

Alguns cientistas dizem que a Mers pode representar um risco para os humanos em todo o mundo — começando por onde quer que os camelos sejam encontrados.

Longe do Quênia, no deserto de Gobi na China e na Mongólia, os camelos selvagens estão entrando em contato maior com humanos e rebanhos, tornando-os mais vulneráveis ​​à Mers.

Enquanto isso, no Marrocos, um estudo de 2019 descobriu anticorpos contra Mers entre pastores de camelos e trabalhadores de matadouros, sugerindo "alto risco" de a doença saltar para os humanos lá também.

Depois de passar de animais para humanos, um surto de Mers pode crescer rapidamente. Só a Arábia Saudita viu 15 pessoas infectadas em dezembro de 2019 e janeiro de 2020 — três das quais eram funcionários de hospitais contaminados por seus pacientes.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
Ng'iro Neepe ordenha seus camelos com as próprias mãos antes de ferver o leite de sabor adocicado em uma pequena fogueira para preparar chai

"O fato de os vírus de RNA, como os coronavírus, sofrerem mutação significa que você nunca sabe o que poderia acontecer com aquele vírus específico", diz Zimmerman.

Segundo ela, é por isso que é tão importante agora financiar pesquisas para identificar os animais e as doenças que podem causar a próxima epidemia regional ou global.

Se, ou quando, a Mers saltar de camelos para humanos no Quênia, "não há nenhum plano de contingência pronto", diz Njenga.

Em vez disso, os profissionais de saúde na região de Marsabit foram treinados para "praticamente usar o manual da covid-19: isolar a pessoa (e) usar equipamentos de proteção individual (EPI)" para evitar que sejam infectados, acrescenta Njenga.

Os profissionais de saúde também terão que realizar o rastreamento do contágio o mais rápido possível — assim como grande parte do mundo está fazendo agora com a covid-19.

Os pastores provavelmente serão as primeiras vítimas, acredita Minayo.

"Os camelos também espirram e tossem. Quando cospem em você, quando espirram... qualquer pessoa que está em contato com camelos pode pegar essa infecção pelas gotículas", explica.

E diferentemente dos seres humanos, diz ela, "camelos não usam máscaras".

Estilo de vida arriscado
Em uma manhã ensolarada em sua casa no distrito de Karare, em Marsabit, Ng'iro Neepe ordenha cada um dos camelos fêmeas de sua família, que chama de damas, com as próprias mãos.

Quando peço a Dub Wato para traduzir minha pergunta para Neepe sobre o que ela faria se a doença matasse seus camelos, ela sorri, achando graça.

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Leite de camelo cru pode transmitir doenças, então Buro Dub Wato e sua equipe recomendam aos pastores que fervam antes de beber

"Diga a este mzungu que somos Samburu", diz ela, se referindo a uma das 42 tribos do Quênia conhecidas pelo pastoreio.

"Leite é tudo", afirma Neepe, sendo mzungu a palavra em suaíli para "estrangeiro".

"Sem ele não temos nada. Dependemos dele para conseguir dinheiro para comprar coisas. Eu bebo, preparo chai e vendo."

Para que eu experimente, ela leva um recipiente novo para sua pequena cabana com telhado de palha, acende uma pequena fogueira e começa a ferver chai de leite de camelo.

O leite é gorduroso, com um sabor mais doce que o leite de vaca. A maioria dos quenianos aprecia seu chai diário com açúcar. Mas aqui, muitos bebem leite de camelo puro, com uma camada de espuma.

Os pastores de camelos de Marsabit podem em breve desfrutar do chai quente com menos regularidade.

"As frequências das secas aumentaram para a cada um a três anos, durante as quais os pastores podem perder até 50% de seus rebanhos", constatou um relatório do governo queniano.

"Em muitas áreas, eventos extremos e variabilidade do clima são a norma agora."

Mas os cientistas do clima dizem que o pior ainda está por vir: a ONU prevê que as temperaturas no Quênia subirão 2°C até 2050 e, em 2100, algumas partes da África Oriental poderão ter um aumento de mais de 50% nas terras afetadas pela seca.

Essas secas crescentes já forçaram os pastores a se embrenhar mais longe no deserto em busca de grama para seus rebanhos pastarem — e assim eles passam cada vez mais tempo longe de suas casas, sem fogo, diz Njenga.

Cada noite que os pastores passam longe de suas propriedades, procurando grama para pastagem, é uma noite em que dormem com seus camelos para se aquecer.

Ao longo do dia, bebem leite de camelo cru — às vezes sua única fonte de alimento por dias ou semanas a fio. Quando um camelo morre no deserto, os pastores costumam comer a carne sem cozinhar por falta de lenha.

Todos esses comportamentos correm o risco de espalhar o vírus.

"Nós dizemos a eles como podem se proteger", diz Dub Wato.

"Evite o contato próximo e, quando o contato for necessário, você pode colocar uma máscara. Depois de ter feito o contato próximo, lave as mãos ou desinfete — da mesma forma que fazemos com a covid-19."

No Quênia, a maior parte do leite de camelo é consumido cru, o que pode espalhar doenças. A equipe de Dub Wato incentiva os pastores a ferver o leite antes de tomar.

Alguns pastores levam em conta as recomendações.

"Antes de vocês virem nos contar, não sabíamos que havia doenças no leite", afirma o irmão de Neepe, um pastor Sambru chamado Lemilayon Lekonkoi, a Dub Wato.

"A gente só tomava leite cru. Mas, desde que fomos informados, nós agora fervemos."

Ainda assim, os cientistas em Marsabit dizem que a mudança de comportamento por si só não é capaz de resolver tudo. Muitos pastores não têm escolha a não ser viver em contato próximo com seus camelos. E alguns ainda bebem leite de camelo cru quando estão no mato.

Clima para camelos
Assim como as vacas nas Américas, os porcos na Europa e os outros animais que comemos ao redor do mundo, os camelos são selecionados para consumo humano — se reproduzem, são criados e alimentados para fornecer leite e carne.

CRÉDITO,JACOB KUSHNER
Depois de testar os camelos, os pesquisadores coletam amostras das pessoas para verificar se o vírus pode ter saltado entre espécies para os humanos

"Esses animais que mantemos, não os mantemos como animais de estimação", diz Minayo.

"Eles são nosso meio de vida."

Muitos especialistas acreditam que o risco de doenças zoonóticas tende a aumentar à medida que mais animais são criados para alimentar mais pessoas e as mudanças climáticas os força a encontrar novas fronteiras.

As mudanças climáticas também trazem outra consequência: conforme as secas se tornam mais frequentes, mais pastores estão deixando de lado outros animais para criar camelos, que são mais resistentes.

De 400 famílias da tribo Borana ouvidas em um estudo de 2014, 41% disseram que pararam de criar certos animais devido às mudanças climáticas, enquanto 71% contaram que optaram pelos camelos devido ao tempo que podem ficar sem água.

"Comecei a criar camelos recentemente", revela Lekonkoi.

Ele trocou as vacas por causa da capacidade dos camelos de suportar as secas cada vez mais frequentes. E não se arrepende.

"Todo mundo agora vê a importância do camelo."

Mas os camelos podem representar um risco maior para os humanos do que outros animais, sobretudo devido ao seu tempo de vida.

As vacas leiteiras tendem a ser abatidas após cerca de seis anos, ou seja, uma vaca infectada com brucelose, por exemplo, tem um tempo limitado em que pode transmitir a bactéria para humanos. Cabras e ovelhas vivem apenas dois anos.

Mas um camelo infectado por Mers ou outras doenças pode permanecer um risco ao longo dos seus 15 a 20 anos de vida.

Lekonkoi conhece a Mers pelo seu nome coloquial — Homa ya Ngamia (gripe dos camelos) — somente porque Minayo e Dub Wato o alertaram a respeito. Ele acredita ter visto a doença afetar camelos próximos.

"Nós os vemos tossindo — assim como os seres humanos. Mas nós apenas vivemos com eles, com sua tosse", diz.

"Não podemos fugir deles."

Essa é a tensão no centro da batalha para evitar a propagação da Mers. Os pastores de Marsabit dependem de seus camelos para sobreviver.

Mas os cientistas acreditam que, à medida que os pastores enfrentarem cada vez mais secas e climas mais adversos, o risco de serem infectados por um vírus perigoso aumentará. E estão trabalhando duro para impedir a próxima pandemia, testando camelos e pessoas.

Porém, em um mundo em transformação que torna ainda mais fácil para as doenças saltarem de animais para humanos, a questão que permanece é se os testes e a prevenção serão suficientes.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Fonte: BBC

Usar óculos diminui chance de contrair covid-19 em três vezes, sugere estudo

Usar óculos diminui chance de contrair covid-19 em três vezes, sugere estudo

O estudo ainda não revisado por pares analisou 304 indianos, sendo que 58 deles usam óculos

Laura Pancini
22/02/2021

Photo taken in Milan, Italy (Getty Images/Getty Images)

Talvez as lentes embaçadas na hora de usar a máscara valham a pena afinal. Um estudo pre-print realizado na Índia sugere que pessoas que usam óculos podem ter até três vezes menos probabilidade de serem infectadas pelo novo coronavírus.

As chances de transmissão do vírus aumentam significativamente quando as pessoas tocam seus olhos, nariz ou boca após entrarem em contato com ele. Publicado no site medRxiv, o estudo analisou 304 pessoas (223 homens e 81 mulheres) em um hospital no norte da Índia durante duas semanas.

Todos os pacientes tinham sintomas da covid-19 e suas idades variavam entre 10 e 80 anos. Destes, 19% (por volta de 58 pacientes) usam óculos continuamente durante o dia e sempre em atividades ao ar livre. Os pesquisadores descobriram que, em média, os participantes tocaram o rosto 23 vezes e os olhos 3 vezes a cada hora.

Os autores do estudo perceberam que o risco de contaminação era duas a três vezes menor entre aqueles que usam óculos. A teoria é que quem usa óculos esfrega menos os olhos e, portanto, corre menos risco de contrair o novo coronavírus. Os números corroboram: foi encontrado "risco de covid-19" em 0,48% da população que usa óculos, em comparação com 1,35% dos que não usam. A razão de risco calculada, de acordo com o estudo, foi de 0,36%.

"O uso prolongado de óculos pode evitar toques e fricções repetidas nos olhos. Tocar e esfregar os olhos com as mãos contaminadas pode ser uma via significativa de infecção", afirma o relatório, que ainda não foi revisado por pares.

Fonte: EXAME

Cachorro ou teste PCR? Eficácia na identificação de covid-19 é semelhante

Cachorro ou teste PCR? Eficácia na identificação de covid-19 é semelhante

Estudo revisado recentemente apontou taxa de eficácia semelhante entre o olfato de cães altamente treinados e os testes RT-PCR na hora de diagnosticar o novo coronavírus

Rodrigo Loureiro
23/02/2021

Cachorros: olfato canino pode ser útil para identificar doenças (Stephen Hutchison / 500px/Getty Images)

Um estudo revisado recentemente pelo Journal of the American Osteopathic Association reforçou a suspeita da alta eficácia do olfato canino para a identificação de pessoas infectadas com o novo coronavírus. Se treinados, os cachorros podem apresentar taxas de eficácia para identificar o vírus Sars-CoV-2 semelhantes às obtidas em testes RT-PCR.

Cachorros já estão sendo utilizado em alguns países na hora de auxiliar autoridades para apontar possíveis infectados com o novo coronavírus e que estão circulando em espaços públicos, como num aeroporto da Finlândia, por exemplo. A França é outro país que também está utilizando os animais para este propósito.

De acordo com os testes mais recentes, a taxa de acerto foi estimada acima de 83%. Em algumas avaliações, a análise canina foi perfeita, com 100% de eficácia. Estudos anteriores, vale destacar, apontavam que a eficácia do olfato canino para “farejar” o novo coronavírus ultrapassava taxas de 90% e até de 95% de acerto.

“Os cães enxergam o mundo com o nariz e não com os olhos. Por isso são capazes de perceber uma ampla gama de moléculas em concentrações extremamente pequenas”, afirma Tommy Dyckey, um dos responsáveis pelo estudo. Por isso esses animais já são utilizados na identificação de doenças como câncer, por exemplo.

Após uma análise comparativa dos resultados, os pesquisadores notaram que as taxas de acerto do olfato canino eram semelhantes às obtidas em testes RT-PCR, utilizados no diagnóstico da covid-19. De acordo com o estudo, os resultados “são comparáveis ​​ou melhores do que o teste RT-PCR padrão”.

O próximo passo agora é realizar mais estudos para comprovar a eficácia canina no diagnóstico do vírus Sars-CoV-2. Os pesquisadores lembram que ainda não é possível trocar um teste laboratorial pela ação dos cachorros – que precisam ser altamente treinados para identificar doenças.

Ainda assim, é possível prever um futuro em que os animais poderiam ajudar a prevenir a contaminação em escolas, centros de cuidados para idosos, aeroportos e outros locais públicos.

Fonte: EXAME

Centro de Testagem da UFF multiplica exames de COVID-19 com a chegada de um robô

Centro de Testagem da UFF multiplica exames de COVID-19 com a chegada de um robô

Assessoria de I...
26 FEV 2021

15 mil. Essa é a marca de exames de COVID-19 que o Centro de Testagem da UFF pretende atingir nos próximos meses após um “robô” que automatiza parte do processo passar a integrar a equipe formada por voluntários, professores e alunos da área de saúde da instituição.

O equipamento, chamado EpMotion, foi adquirido através da participação do Centro na Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações como Laboratório de Campanha, com o objetivo de ampliar, em âmbito nacional, o diagnóstico molecular do SARS-CoV-2, agente etiológico da COVID-19.

Atualmente o Centro é formado pela integração das atividades do Laboratório Multiusuário de Apoio à Pesquisa em Nefrologia e Ciências Médicas, o LAMAP, pela Unidade Integrada de Patologia Especializada, a UnIPE, (ambos localizados no Hospital Universitário Antonio Pedro, o HUAP), assim como pelo Laboratório de Virologia Molecular e Biotecnologia Marinha, do Instituto de Biologia.

“Nos primeiros movimentos de enfrentamento da COVID-19, aproximamos vários grupos de pesquisa e assistência, nas áreas de virologia, biologia molecular e outras, para que a Universidade pudesse oferecer ainda mais ciência e serviços à população. Neste processo, fomos conquistando muitos ganhos, como o credenciamento e a aproximação de novos pesquisadores. Buscamos financiamento junto à FINEP - Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, via rede ANDIFES, incluindo a UFF neste grupo. Nosso Centro de Testagem da UFF permanecerá levando a ciência e a pesquisa à população”, destaca o reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega.

A farmacêutica-bioquímica da Faculdade de Medicina Andrea Alice da Silva, que coordena um dos principais laboratórios que estruturam o Centro de Testagem, o chamado LAMAP, pontua que “por mudar o modo de operação de manual para automatizado, o equipamento foi chamado de ‘robô’, mas de fato tudo depende da operação humana”.

Segundo ela, o aparelho realiza várias etapas de pipetagem e mistura de reagentes dentro de uma programação pré-estabelecida, permitindo aumentar a demanda em até quatro vezes, já que a parte mais demorada do ensaio molecular é a extração do RNA viral. Esse procedimento consiste em detectar a presença do vírus na amostra biológica, por meio da extração de alguns de seus fragmentos (que chamamos de RNA) presentes nas células.

Andrea explica ainda que a automatização possibilita, além da rapidez, uma maior segurança biológica, fatores muito importantes em se tratando de doenças virais altamente contagiosas: “essa conquista coloca a UFF preparada para enfrentar qualquer epidemia que necessite do diagnóstico molecular no futuro, o que obviamente não queremos que ocorra tão cedo”, enfatiza.

O professor da Faculdade de Medicina Jorge Reis Almeida, também coordenador do LAMAP, esclarece que o aparelho extrator de RNA automatizado foi adquirido via projeto Rede Vírus (FINEP/MCTI), visando aumentar a produtividade para cerca de 192 testes diários ou mais, dependendo do tipo de kit a ser utilizado.

"neste momento nós formamos um grupo de pesquisadores de todo o Brasil das respectivas universidades envolvidas, interagindo o tempo todo com troca de insumos, troca de experiências, vencendo as dificuldades, mas acima de tudo empolgados e motivados para esclarecer, por meio do ensaio molecular, os casos suspeitos de COVID-19", Jorge Reis Almeida, professor da Faculdade de Medicina da UFF."

O Centro de Testagem atende a população da região metropolitana da cidade. De acordo com o farmacêutico-bioquímico Fábio Alves, do Campus de Nova Friburgo, um dos coordenadores do projeto, diariamente são recebidas amostras de material para testagem da Prefeitura de Niterói, dos pacientes internados no hospital universitário e de seus profissionais com sintomas e/ou expostos a indivíduos infectados. “O grupo de voluntários (professores, técnicos de laboratórios e estudantes bolsistas) que integra a iniciativa recebe as amostragens, cataloga, leva para extração de RNA e reação para detecção molecular do vírus”, esclarece.

De laboratórios de graduação a centro de testagem nacional de COVID-19
Muitas foram as conquistas que fizeram nascer e, em seguida, estruturaram o Centro de Testagem da UFF antes da chegada do “robô”. Tudo começou em abril de 2020, momento em que a pandemia do novo coronavírus passou a se tornar uma realidade no país. Naquele mês, o LAMAP deu início aos diagnósticos moleculares da COVID-19, inicialmente de maneira voluntária, envolvendo principalmente docentes e alunos de pós-graduação da Faculdade de Medicina, para contribuir na minimização dos danos da pandemia na cidade e também no respaldo aos profissionais de saúde.

De acordo com Andrea da Silva, o espaço já tinha expertise no diagnóstico molecular de outros vírus, como o Citomegalovírus, a Zika e o Chikungunya e contou com o apoio do reitor Antonio Cláudio Lucas da Nóbrega, via financiamento do Ministério da Educação, assim como da direção do Hospital Universitário Antonio Pedro, na capacitação do laboratório através da compra de insumos e equipamentos.

Já no final de abril, o LAMAP passou a se tornar um centro de apoio do Laboratório Central Noel Nutels (LACEN-RJ), contando com o respaldo da reitoria, do HUAP, e o envolvimento dos professores e discentes dos Programas de Pós-graduação em Ciências Médicas e do Programa de Pós-graduação em Patologia, por meio da UnIPE, com a coordenação das docentes Karin Gonçalves e Nathália Oliveira.

O farmacêutico-bioquímico Fábio Alves acrescenta que o projeto contou com o total apoio da universidade para a aquisição de insumos e EPIs, além de ter se estabelecido uma parceria com a prefeitura de Niterói: “ao longo deste ano, conseguimos mais de cinco milhões de reais dos diferentes projetos externos e junto à reitoria da UFF para a sustentação dessa iniciativa”, enfatiza.

Posteriormente, se integrou a essa rede o Laboratório de Virologia Molecular e Biotecnologia Marinha, do Instituto de Biologia, contribuindo para formar uma estrutura avançada no desenvolvimento de testes em virologia, sob a coordenação da professora e virologista Izabel Paixão. O laboratório busca oferecer o diagnóstico molecular (PCR em tempo real) a profissionais de saúde sintomáticos ou mesmo assintomáticos que foram expostos a pacientes suspeitos ou confirmados com COVID-19.

"Identificar pacientes positivos para o isolamento e rastreamento de casos mais graves e início dos procedimentos o mais rapidamente possível é o que tem salvado vidas no mundo inteiro”, Fábio Alves, farmacêutico-bioquímico da UFF."

Segundo a virologista, o trabalho realizado pelo Centro de Testagem no diagnóstico molecular do coronavírus é de extrema relevância pelo fato de estar sendo executado através de uma universidade pública. “A UFF está auxiliando o trabalho desenvolvido pelos centros de saúde pública, contribuindo diretamente para a sociedade, principalmente para a população de Niterói”, enfatiza.

Izabel também destaca a participação dos alunos de pós-graduação no projeto. Segundo ela, “além do conhecimento teórico-prático oferecido durante as atividades corriqueiras do laboratório, também existe a oportunidade de aprimorá-lo, oferecendo uma experiência pessoal e profissional significativa, o que acaba sendo um diferencial na formação destes alunos”, sublinha.

A pesquisadora ressalta ainda que, a longo prazo, a expectativa do projeto é a de não somente dar continuidade aos testes moleculares para SARS-CoV-2, mas iniciar os testes sorológicos em docentes, discentes e servidores do Instituto de Biologia: “é nosso objetivo também isolarmos as partículas virais, sequenciando-as e avaliando a atividade antiviral de moléculas naturais e sintéticas”, explica.

Somadas as atuações de todos os laboratórios que constituem o Centro de Testagens da UFF, desde julho de 2020, juntamente com a UFRJ, a universidade vem contribuindo de forma significativa na ampliação do diagnóstico molecular da COVID-19 no estado do Rio de Janeiro, já tendo realizado em conjunto cerca de 8.125 testes.

Dessa forma, assim como os hospitais de campanha, foram criados os Laboratórios de Campanha, projeto coordenado pela UFMG, com suporte financeiro da FINEP/MCTI, que reuniu cerca de 13 laboratórios com 44 locais de coleta de amostra distribuídos nas principais capitais do país. A iniciativa batizada de “Rede Vírus” fez parte de ações do Governo Federal dedicadas à ampliação da rede de diagnóstico do sistema de saúde, por meio de uma infraestrutura instalada de equipamentos para testagem de COVID-19 em laboratórios de pesquisa de universidades e instituições científicas e tecnológicas.

De acordo com Jorge Reis Almeida, “neste momento nós formamos um grupo de pesquisadores de todo o Brasil das respectivas universidades envolvidas, interagindo o tempo todo com troca de insumos, troca de experiências, vencendo as dificuldades, mas acima de tudo empolgados e motivados para esclarecer, por meio do ensaio molecular, os casos suspeitos de COVID-19. Paralelamente a isso, seguimos produzindo ciência, submetendo artigos científicos e formando mestrandos e doutorandos com teses na área relacionada à COVID. É a integração ciência/pós-graduação e sociedade”, comemora.

Andrea da Silva complementa destacando a grande contribuição do projeto na formação dos alunos e no enriquecimento da pesquisa científica: “está sendo um desafio nos mantermos firmes no caminho. O desabastecimento nacional de reagentes/material, kits validados, a captação de pessoal técnico com expertise em biologia molecular e o custo elevado do diagnóstico são exemplos de obstáculos que encontramos, mas seguimos em frente fazendo o melhor possível para todos”, desabafa.

Já Fábio Alves conclui reafirmando a necessidade de ampliar as testagens para isolamento dos pacientes infectados. Assim, segundo ele, “mais fácil será o combate a esta doença. Essa determinação tem sido definida pela Organização Mundial de Saúde desde o início da pandemia. Identificar pacientes positivos para o isolamento e rastreamento de casos mais graves e início dos procedimentos o mais rapidamente possível é o que tem salvado vidas no mundo inteiro”, finaliza.

Fonte: UFF

Coronavírus: Brasil tem quase 30 fábricas de vacina para gado e só 2 para humanos

Coronavírus: Brasil tem quase 30 fábricas de vacina para gado e só 2 para humanos

Nathalia Passarinho - Da BBC News Brasil em Londres
24 fevereiro 2021

CRÉDITO,OWEN HUMPHREYS/PA WIRE
Enquanto o setor de vacinas para humanos depende da importação de 90% dos insumos, quase 100% das vacinas para gado são produzidas inteiramente no Brasil

A pandemia da covid-19 evidenciou uma fragilidade do Brasil: a alta dependência de insumos importados da China para a fabricação de vacinas e o sucateamento de laboratórios e fábricas usados para produzir imunizantes no país.

Enquanto na década de 1980, o Brasil tinha pelo menos cinco institutos capazes de produzir vacinas, atualmente, há apenas dois em operação: Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Instituto Butantan.

E das 17 vacinas atualmente distribuídas por esses dois institutos de pesquisa, só quatro são fabricadas totalmente no Brasil e não dependem da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), como é chamada a matéria-prima para produzir imunizantes.

Esse sucateamento do setor de vacinas para humanos contrasta com os elevados investimentos na fabricação nacional de imunizantes para animais, principalmente gado.

Enquanto o Brasil importa a grande maioria das vacinas usadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mais de 90% das vacinas para gado são fabricadas no país, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan).

"O problema do Brasil é que a gente importa tudo. Nos últimos anos, reduzimos em 50% a capacidade de produção nacional de vacinas. Temos só duas fábricas. No setor veterinário, temos inúmeras fábricas", diz Ana Paula Fernandes, pesquisadora do Centro de Tecnologia em Vacinas e Diagnóstico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De fato, existem cerca de 30 fábricas para vacina veterinária — a maioria no Sudeste do país, segundo o Sindan. Trata-se de um mercado que garantiu faturamento de R$ 6,5 bilhões ao setor farmacêutico veterinário e que ajuda a manter a liderança mundial do Brasil na exportação de gado.

CRÉDITO,REUTERS/PHIL NOBLE
'Para mais de 90% das vacinas para gado, o ciclo completo de produção ocorre em território brasileiro', diz Emílio Saldanha, vice-presidente do Sindan

"Todo o processo de fabricação, da semente de trabalho do vírus vivo ao envase e distribuição, é feito aqui. Para mais de 90% das vacinas voltadas a gado, o ciclo completo de produção ocorre em território brasileiro", disse à BBC News Brasil o vice-presidente executivo do Sindan, Emílio Saldanha.

Mas quando foi que o setor de vacinas para humanos deixou de ser prioridade, enquanto a vacinação de gado se desenvolvia?

Da autossuficiência à dependência da China
Segundo o fundador e primeiro presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto, foi na década de 1980 que o setor de pesquisa e fabricação nacional de vacinas para humanos viveu o auge de investimentos.

"No regime militar, foi implementado o modelo de substituição de importações. Os militares fizeram um esforço para ampliar capacidade produtiva local de insumos farmacêuticos e o pico se deu no final dos anos 1980", recorda.

Em 1985, o regime militar lançou o Programa de Autossuficiência de Imunobiológicos (Pasni), com a meta de tornar o Brasil autossuficiente na produção de imunizantes. Recursos do Ministério da Saúde foram transferidos em peso para quatro instituições de pesquisa: Bio-Manguinhos, Instituto Butatan, Fundação Ezequiel Dias e Instituto Vital Brasil.

Em poucos anos, o Brasil passou a fabricar uma série de vacinas em território nacional, como a da tríplice viral, febre amarela, tríplice bacteriana, poliomielite, tuberculose (BCG), e hepatite B.

CRÉDITO,REUTERS/AMANDA PEROBELLI
Pandemia evidenciou dependência do Brasil em importações de insumos da China

"Tanto para o Butantan quanto para a Fiocruz os investimentos da década de 1980 foram um marco. O Brasil possuía um parque farmoquímico para produção de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo)", disse à BBC News Brasil Tiago Rocca, gerente de parcerias estratégicas e novos negócios do Butantan.

Mas a maré logo iria mudar para a indústria de pesquisa em vacinas. A partir de março de 1990, a abertura comercial promovida pelo então presidente Fernando Collor permitiu a entrada maciça de produtos importados e muitas indústrias brasileiras não resistiram, inclusive o setor de imunizantes. Nesse meio tempo, China e Índia despontaram como grandes produtores de insumos farmacêuticos.

"O Brasil passou a importar em larga escala IFA, moléculas pequenas e outras matérias-primas usadas para fazer vacina. O problema é que os investimentos não acompanharam a competitividade e abertura. Atualmente, importamos cerca de 90% dos insumos imunobiológicos", explica Rocca, do Butantan.

Como consequência da abertura econômica, institutos e fábricas foram fechando as portas, restando apenas Fiocruz e Butantan com capacidade para produzir vacinas de tecnologia nacional.

"A abertura da economia no governo Collor foi feita sem cuidado, sem verificar como os diferentes segmentos seriam afetados. Na indústria farmacêutica, o que fizemos foi secar a capacidade de produção nacional e passar a importar tudo através das multinacionais", acrescenta Vecina Neto, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Regulamentação mais rígida e necessária foi 'prego no caixão'
Outro momento importante na trajetória da indústria de vacinas foi a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999.

O Brasil passou a adotar um regime mais criterioso para liberação de medicamentos e foram impostas regras para equiparar o Brasil aos padrões internacionais de segurança em qualidade em pesquisa.

Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil dizem que essas medidas foram importantes, mas destacam que elas não foram acompanhadas de investimentos para que institutos como Fiocruz e Butantan pudessem atualizar sua infraestrutura e continuar a fabricar vacinas de ponta a ponta no país.

CRÉDITO,REUTERS/RODOLFO BUHRER
Abertura econômica no governo Collor prejudicou indústria nacional de imunizantes

O resultado disso foi que imunizantes que antes eram produzidos no Brasil passaram a ser importados. O Butantan, por exemplo, fabricava a vacina Tríplice Bacteriana Acelular (contra difteria) e a de hepatite B, mas passou a importar esses produtos porque é custoso atualizar as fábricas para que se adequem às exigências regulatórias.

"Nós registramos a patente, detemos a tecnologia, mas precisamos de uma nova fábrica para produzir essas vacinas de acordo com as melhores práticas da Anvisa", explica Tiago Rocca.

Atualmente, das sete vacinas que o Instituto Butantan fornece só a da gripe é fabricada inteiramente no Brasil, a partir de um acordo de transferência de tecnologia. E das 10 vacinas fornecidas pela Fiocruz, só 4 não dependem da importação de Insumo Farmacêutico Ativo, ou IFA.

Gonzalo Vecina Neto avalia que os governos que se seguiram ao de Collor, inclusive os de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, não tiveram uma visão de longo prazo e também não investiram em pesquisa farmacêutica e de vacinas.

"O boom das commodities estimulou os governos a navegar em águas tranquilas e se fiar na exportação de produtos agrícolas. Por que FHC e Lula não investiram na autossuficiência em vacinas? Falta de visão de longo prazo. Nenhum dos dois tirou o pé do curto prazo, do populismo local, da reeleição no quarto ano."

"Vale da Morte"
Segundo a microbiologista Ana Paula Fernandes, que é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o grande gargalo na indústria nacional de vacinas está na ausência de laboratórios tecnológicos e plantas fabris para viabilizar a transformação da pesquisa em produto final.

"Temos capacidade técnica, pesquisadores de ponta, mas existem gargalos que impedem que as descobertas se transformem em vacina. Temos conhecimento técnico para fazer vacinas como a da Pfizer e Moderna contra a covid-19, mas não temos matéria-prima, investimentos e fábricas para produzir", resume.

Esses gargalos são chamados pelos cientistas de "vale da morte". Isso porque, entre a descoberta científica e o uso desse achado, existe um abismo atualmente intransponível.

Segundo o professor de imunologia da USP Jorge Kalil, faltam laboratórios e plantas fabris que permitam testar a descoberta das universidades em animais e, depois, em seres humanos.

"O que impede que isso aconteça é falta de investimentos. Nós temos uma ciência de excelência no Brasil, mas precisamos atravessar o vale da morte, que é ir da descoberta científica nos laboratórios acadêmicos para a fase final, da industrialização", diz Kalil, que também é diretor do Laboratório Incor de Imunologia e ex-presidente do Instituto Butantan.

Interesse econômico alimenta vacinas veterinárias
Já o setor de vacinas veterinárias conseguiu sobreviver à abertura de mercado e escapou às regulações criteriosas da Anvisa.

A liberação de vacinas e medicamentos para uso animal é regulamentada pelo Ministério da Agricultura, que impõe regras mais flexíveis, diz o ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina Neto.

Além disso, um amplo e lucrativo mercado privado garante a compra das vacinas para gado, suínos e aves, enquanto o maior comprador de vacinas humanas é o governo federal.

Brasil chega a exportar vacinas veterinárias a países da América do Sul, diz Ministério da Agricultura

O Brasil é o maior exportador de gado do mundo e a quantidade de bois no território brasileiro equivale ao tamanho da população brasileira. A venda em larga escala de vacinas para uso animal garante que seja mais vantajoso fabricar o produto no Brasil a importar de outros países, até porque o custo de fabricação é menor que o de vacinas para humanos, já que as regras são menos rígidas que as impostas pela Anvisa.

Otto Mozzer, dono da Allegro Biotecnologia, destaca ainda que parte da indústria de vacina animal cresceu na garupa do programa do governo federal de erradicação, até 2026, da febre aftosa — doença altamente contagiosa que pode causar a morte do animal e que provocava grandes prejuízos aos produtores.

"O grande parque tecnológico industrial foi na trilha da produção de vacina contra febre aftosa. Todos captaram recursos para fabricação dessa vacina e foram produzidos, nos últimos 20 anos, mais de R$ 6,2 bilhões de doses aqui no Brasil", disse Mozzer, que é doutor em biotecnologia pela USP.

Para se ter uma ideia, o Brasil tem cerca de 220 milhões de cabeças de gado, segundo o vice-presidente-executivo do Sindan, Emilio Saldanha. Cada um desses animais, precisa tomar duas doses de vacina contra febre aftosa — uma exigência do Ministério da Agricultura para todos os produtores de gado do país.

"Faz 30 anos que somos autossuficientes nas principais vacinas para rebanho brasileiro. Vacinação é sinônimo de competividade", destaca Saldanha.

E para que investir em vacina brasileira para humanos?
O principal argumento contrário a investir em vacinas nacionais é o de que, atualmente, é mais barato importar produtos da Índia ou China do que construir laboratórios e fábricas para garantir autossuficiência. Atualmente, o déficit na balança comercial brasileira de insumos farmacêuticos é de R$ 2,1 bilhões (dado de 2019), segundo a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).

Como o Brasil passou por mais de 30 anos de desinvestimentos no setor, seria preciso um investimento pesado do poder público para reverter esse cenário.

Por outro lado, a pandemia do coronavírus mostrou os riscos de depender inteiramente da importação de insumos. A demora na entrega de matéria-prima pela China pode significar meses de atraso no cronograma de vacinação da população contra covid-19.

Além disso, há doenças que existem no Brasil e que não despertam interesse de pesquisa de grandes farmacêuticas estrangeiras, por serem um problema regional.

CRÉDITO,REUTERS/PILAR OLIVARES
Para especialistas, investir em vacinas nacionais é estratégico para proteger população de doenças regionais e reduzir dependência externa, especialmente em momentos de crise, como em pandemias

"Por exemplo, tem um tipo de malária que é comum no Brasil, mas não em outros países. Temos dengue, zika, chikungunya... Fabricar vacinas eficazes contra doenças que predominam aqui é importante para proteger a população", diz Ana Paula Fernandes, que participa de um projeto nacional de vacina contra covid-19.

O gerente de parcerias do Butantan, Tiago Rocca, também defende investimentos em tecnologia nacional. "Não é só uma questão de lucro, de custo e de venda. É uma questão estratégica não depender quase inteiramente de importações", diz.

"Hoje, nós temos uma parceria com uma empresa estrangeira para continuar fornecendo a vacina da Hepatite B. Mas é uma questão estratégica ter a produção nacional, porque todos os habitantes do Brasil precisam tomar e precisam de dose de reforço a cada dez anos. É uma doença que está aí."

Cientistas brasileiros também argumentam que investir na infraestrutura de fabricação nacional de imunizantes é importante para fazer frente ao coronavírus, especialmente diante de evidências de que as vacinas contra a covid-19 terão que ser atualizadas constantemente para responder a variantes do vírus.

Butantan assinou contrato de transferência de tecnologia para produzir no país a CoronaVac. E a Fiocruz negocia contrato similar com a Oxford-AstraZeneca. Os dois institutos investiram na atualização das suas fábricas e laboratórios para viabilizar esses acordos.

Enquanto isso, pesquisadores brasileiros tentam angariar recursos para colocar no mercado vacinas feitas com tecnologia 100% nacional.

O grupo de pesquisa da microbiologista Ana Paula Fernandes, da UFMG, já terminou a fase pré-clínica de estudos para produção de uma vacina brasileira contra covid-19. "Tivemos uma resposta excelente. Usamos camundongos e eles responderam muito bem."

O professor Jorge Kalil, da USP, tenta desenvolver uma vacina em formato de spray nasal contra covid-19. Ele também já usou o produto em camundongos e tenta transpor o "vale da morte" para conseguir testar o produto em humanos.

"Se a gente consegue dinheiro para a fase mais fundamental da descoberta, é difícil percorrer o caminho que leva ao desenvolvimento do produto industrializado. Estamos agora negociando parcerias com empresas brasileiras."

Fonte: BBC

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O que é o 'pixel espião' usado em emails para obter informações pessoais

O que é o 'pixel espião' usado em e-mails para obter informações pessoais

BBC
25 fevereiro 2021

CRÉDITO,GETTY IMAGES
O 'pixel espião' permite descobrir se o e-mail foi aberto e quando

O uso de tecnologia de rastreamento "invisível" em e-mails se tornou endêmico, segundo um serviço que analisou o tráfego de mensagens a pedido da BBC.

De acordo com a análise, feita pelo servidor de e-mail britânico Hey, dois terços dos e-mails enviados a contas pessoais de seus usuários continham um "pixel espião", mesmo depois de terem sido excluídos para a lixeira.

Os responsáveis pela análise dizem que muitas marcas grandes usam e-mails com pixels, com exceção de "grandes empresas de tecnologia".

Os defensores dessas ferramentas de rastreamento dizem que elas são uma tática de mercado amplamente utilizada.

E várias das empresas envolvidas na prática indicam que o uso dessa tecnologia é mencionado em suas políticas de privacidade mais amplas.

CRÉDITO,HEY

O serviço de e-mails Hey alerta seus usuários quando detecta o uso desses pixels

Os e-mails que incluem pixels de rastreamento podem ser usados para registrar:

- Se um e-mail foi aberto e quando

- Quantas vezes foi aberto

- Quais dispositivos foram usados para abrir o e-mail

- O endereço IP, em alguns casos é possível saber em que rua o usuário está

As informações podem ser usadas para determinar o impacto de uma campanha feita por e-mails, assim como fornecer mais detalhes dos perfis dos clientes.

Cofundador do Hey, David Heinemeier Hansson afirma que essa situação equivale a uma "grotesca invasão de privacidade".

Outros especialistas também questionam se as empresas estão sendo tão transparentes em relação ao uso das informações dos clientes.

Invisível
Os pixels de rastreamento são, normalmente, um arquivo .GIF ou .PNG que é tão pequeno quanto 1x1 pixels, que é inserido no cabeçalho, rodapé ou corpo de um e-mail.

Como costumam exibir a cor do conteúdo do e-mail, podem ser impossíveis de serem detectados a olho nu, mesmo se você desconfiar de onde eles podem estar ali.

Os destinatários não precisam clicar em um link ou fazer algo para ativá-los. É preciso apenas abrir um e-mail que contenha esse espião.

British Airways, TalkTalk, Vodafone, Sainsbury's, Tesco, HSBC, Marks & Spencer, Asos e Unilever são algumas das empresas britânicas que o Hey detectou como usuárias dessa ferramenta.

Mas seu uso está muito mais difundido, apesar de muitas pessoas não saberem disso, observa Hansson.

"Não é como se houvesse um aviso dizendo que essa empresa possui um 'pixel espião' na maioria de seus programas de e-mail", declara.

O Hey, por exemplo, oferece uma opção de identificar a utilização do recurso, mas os usuários devem pagar uma assinatura anual para isso.

Uma alternativa para os usuários é instalar plug-ins gratuitos em outros programas de e-mail para remover muitos pixels de rastreio. Outras opções são simplesmente configurar o software para bloquear todas as imagens ou visualizar os e-mails em modo sem formatação, como texto simples.

CRÉDITO,GETTY IMAGES
David Heinemeier Hansson criou o serviço de e-mail premium Hey em 2020

"Em média, cada cliente da Hey recebe 24 e-mails por dia tentando espioná-los", explica Hansson.

"10% dos usuários recebem mais de 50", acrescenta.

A BBC também usa pixels de rastreamento em algumas de suas mensagens, embora isso não tenha sido detectado pelo Hey.

E-mail seguido por chamadas
Os 'pixels espiões' são recursos que fazem parte do padrão dos serviços de e-mails automatizados usados por empresas pequenas e grandes e, em muitos casos, é uma função difícil de ser desativada.

Dois anos atrás, Superhuman, um cliente de e-mail focado no consumidor, tentou estender o uso desses pixels como um elemento padrão em mensagens, mas mudou de ideia após protestos.

Reclamações sobre o uso dessa ferramenta tiveram pouco impacto sobre a adoção da tecnologia pela indústria de marketing.

Os clientes podem usar os pixels para rastrear quando e-mails são abertos em uma campanha específica, assim como para interromper o envio de mensagens automáticas aos clientes que as ignoram.

Um estudo da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, indicou que os dados coletados, às vezes, estavam vinculados a cookies dos usuários. Isso permite que o endereço de e-mail de uma pessoa seja relacionado a seus hábitos de navegação mais amplos, mesmo quando se muda de um dispositivo para outro.

"Os vínculos resultantes entre as identidades e as histórias dos perfis na web refutam a afirmação de rastreamento "anônimo" na internet", apontou o estudo.

Além disso, os "pixels espiões" podem levar a um rastreamento personalizado.

"Principalmente com vendedores ou consultores, que podem dizer: 'vi que você abriu a minha mensagem, mas não respondeu. Posso ligar para você?'", diz Hansson.

"E em alguns casos, eles podem ser diretamente beligerantes quando veem que você abriu a correspondência três vezes, mas ainda não respondeu".

Leis de privacidade

CRÉDITO,GETTY IMAGES
A olho nu pode ser muito difícil detectar quando há um 'pixel espião' em um e-mail

O uso de pixels de rastreamento é regido no Reino Unido e em outras partes da Europa pela Lei de Privacidade e Regulações de Comunicações Eletrônicas, de 2003, e pela Regulação Geral de Proteção de Dados, de 2016, que exigem que as organizações informem os destinatários dos pixels e, na maioria dos casos, obtenham consenso.

Esse consenso deve ser "inequívoco" e um "claro ato de afirmação".

"Apenas colocar algo em um aviso de privacidade não é consenso e não é realmente transparente", observa Par Walshe, da Privacy Matters.

"O fato de o monitoramento ter sido realizado e o que isso implica deve ser colocado na frente do usuário e envolver a opção de participar disso", acrescenta.

"A Lei é muito clara, o que precisamos é a aplicação dos regulamentos. O fato de essa prática ser generalizada não significa que é correta e aceitável", declara.

O ICO, que regula a proteção de dados no Reino Unido, também usou um pixel espião em seu próprio e-mail com mensagens informativas.

O órgão de fiscalização disse à BBC que usou o recurso para rastrear a abertura de e-mails, não para ver a localização dos usuários. E acrescentou: "Estamos trabalhando com o nosso provedor para eliminar a função do pixel e isso será concluído em breve".

A BBC contatou algumas das empresas identificadas pelo levantamento do Hey.

"Levamos os dados dos clientes muito a sério e utilizamos uma abordagem padrão que nos permite compreender a eficácia das nossas comunicações com os clientes", respondeu a British Airways.

A empresa de telecomunicações TalkTalk disse: "Como é comum em nossos e em outras indústrias, rastreamos o desempenho de diferentes tipos de comunicações para compreender o que nossos clientes preferem. Não compartilhamos esses dados externamente".

Fonte: BBC